Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8/19.2PTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA PENA EM RECURSO
INDEMNIZAÇÃO PELO TRABALHO DOMÉSTICO
DUPLICAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AOS RECURSOS
Legislação Nacional: ARTS. 148º E 69º DO CÓDIGO PENAL; 496º, N.º 4, 566º, N.º 3, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I - A medida da pena acessória pode ser proporcionalmente diferente da da pena principal por via, desde logo, da diversidade dos objectivos de política criminal ligados à aplicação de cada uma delas, maxime o especial peso posto na prevenção especial quanto às penas acessórias.

II - A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares.
III - Quando os montantes da indemnização são fixados com recurso a critérios de equidade, os tribunais de recurso só os devem alterar quando o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
IV - Existe duplicação da indemnização arbitrada pelos mesmos danos, quando se atribui uma indemnização pelo trabalho doméstico que a ofendida deixou de poder fazer em determinado período e, também, uma indemnização pelo tempo de trabalho que a sua filha prestou para a substituir nessas tarefas domésticas.


Sumário elaborado pelo relator
Decisão Texto Integral:

Relator: João Abrunhosa
Adjuntos: Maria José Matos
Maria José Guerra
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Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

No Juízo Local Criminal ..., por sentença de 09/10/2023, foram o Arg. [1] AA e a Demandada “A... – Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.”, com os restantes sinais dos autos, condenados, para além do mais, nos seguintes termos:

“... Tudo ponderado, julgo totalmente procedente, por totalmente provada, a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência:

a) condeno o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, p. e p. pela disposição conjugada dos arts.15.º, 148.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 144.º, al. b), todos do Código Penal, em concurso aparente com a prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts.º25º, n.º 1, a), artº103º, n.º 1, e art.º 145º, nº1, i) todos do Código da Estrada (da qual é absolvido nesta parte), na pena de multa de duzentos e dez (210) dias à taxa diária de sete euros (€7,00) por dia, o que perfaz a quantia de mil quatrocentos e setenta euros (€1.470,00);

b) condeno o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor de qualquer categoria pelo período de 12 (doze) meses, nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º1, al. b) do Código Penal;

c) condeno o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s - arts. 513.º, n.º1 e 514.º, n.º1 do Código de Processo Penal e art.º8.º, n.º9 do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do eventual beneficio de apoio judiciário que beneficie.


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Na parcial procedência do pedido de indemnização civil formulado pela demandante civil BB, (cujo valor fixo em € 201.227,98, nos termos do preceituado no art.297.º, n.º1 do Código de Processo Civil):

- condeno a demandada civil a pagar á demandante civil:

a) a título de compensação pecuniária dos danos patrimoniais por esta sofridos:

- Indemnização respeitante aos objetos danificados com o embate no montante global de €933,00 (€40,00 + €40,00 + €40,00 + €40,00 + €150,00 + €623,00 = €933,00);           

-  Indemnização a título de montantes despendidos pela demandante civil, no pagamento de despesas medicamentosas/de farmácia no valor de €1.537,00 (€954,00 +€583,00);

- Indemnização respeitante á adaptação da casa de banho ao estado de saúde da demandante, mormente substituição da banheira por poliban no valor de €800,00;

- Indemnização relativa a ajuda doméstica temporária, o que comporta €2.680,00 (4horasx5,00€x134dias);

- Indemnização relativa ao tempo de incapacidade temporária absoluta.2.680,00€ (4 meses (120dias) x 600 + 14dias ( €2.680,00);

acrescendo a tais montantes juros de mora contados desde a data da notificação da demandada civil para contestar o pedido de indemnização civil contra si deduzido, calculados à taxa legal fixada para os juros civis, até efetivo e integral pagamento.

b) a título de compensação pecuniária do dano biológico sofrido, indemnização no montante de €30.000,00 (trinta mil euros), sendo igualmente devidos juros de mora, calculados à taxa legal fixada para os juros civis, contados desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

c) a título de compensação pecuniária dos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante civil, no pagamento de indemnização no montante de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), sendo igualmente devidos juros de mora, calculados à taxa legal fixada para os juros civis, contados desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento;


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Custas do pedido de indemnização civil pela demandante civil e pela demandada civil na proporção do respetivo decaimento - art.º 527.º, n.ºs1 e 2 do Código de Processo Civil. ...”.

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Não se conformando, o Arg. interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação, com as seguintes conclusões:

“... 1 – O Tribunal da Relação é competente para apreciar o presente recurso – artigo 428º do CPP.

2 – O arguido foi condenado como autor material de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência previsto e punido pelos artigos 15º, 148º nºs 1 e 3, por referência ao artigo 144º, alínea b), todos do Código Penal, na pena de multa de 210 (duzentos e dez dias) dias à taxa diária de € 7 (sete) euros, perfazendo a quantia total de € 1.470,00 (mil quatrocentos e setenta euros).

3- O recorrente foi ainda condenado na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 (doze) meses, nos termos do artigo 69º, nº 1, alínea b) do Código Penal.

4 – A pena concretamente aplicada ao arguido não se revela adequada ao grau de ilicitude da sua conduta.

5 – Tendo decidido condenar o recorrente pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência previsto e punido pelos artigos 15º, 148º nºs 1 e 3, por referência ao artigo 144º, alínea b), todos do Código Penal, sem ter obedecido aos critérios traçados pelo artigo 71º do mesmo diploma, o Tribunal a quo violou essa norma.

6-O arguido tem família, é primário, está plenamente motivado para orientar e reger a sua vida segundo os ditames do direito e do respeito pelos valores da sociedade e está social e profissionalmente integrado na sociedade.

7- Os critérios de escolha e determinação da medida da pena impostos pelas normas dos artigos 70º e 71º do Código Penal, não foram a nosso ver devidamente ponderados pelo Tribunal a quo.

8-O Tribunal deve, assim, atender a todas as circunstâncias que depõem a favor do arguido e que sejam dadas como provadas.

9- De facto, no modesto entender do arguido a pena de multa aplicada, excede os princípios inerentes à aplicação da mesma, que são os da prevenção geral e de prevenção especial, de ressocialização.

10-No caso concreto, foi aplicada ao arguido pena de multa de 210 (duzentos e dez) dias à taxa diária de € 7 (sete) euros, perfazendo a quantia total de € 1.470,00 (mil quatrocentos e setenta euros), que com o devido respeito, é excessiva não apenas face à ilicitude como à medida da culpa.

11- Aliás, pese embora o arguido estar social e familiarmente integrado, não ter antecedentes criminais, a pena de multa aplicada situa-se muito próxima dos seus limites máximos (210 dias), devendo a nosso ver, e em face das circunstâncias do caso concreto fixar-se nos 140 (cento e quarenta) dias.

12- Ora, e não questionando, nem pondo em crise, o quantitativo diário fixado no montante de €7,00 (sete euros), deveria ser este condenado a uma pena de multa ascendendo esta ao montante total €980,00 (novecentos e oitenta euros).

13 – Como ensina o Magister Figueiredo Dias, a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável desta. Pelo que,

14- De facto, é jurisprudencial e doutrinalmente pacífico que a pena a aplicar em concreto ao arguido deve resultar da actuação de exigências de prevenção especial, numa moldura de prevenção geral, respeitando o limite máximo consentido pela culpa.

15- Aliás, um dos princípios basilares do Código Penal reside na compreensão de que

toda a pena tem de ter como suporte axiológico, normativo com culpa concreta, como desde logo pronuncia o artigo 13º ao dispor que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

16- Tal princípio de culpa significa, como já se disse, não só que não há penas sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas o pressuposto fundamento da validade da pena, mas firma-se também como limite máximo da mesma pena.

17- O princípio que a doutrina tem denominado de necessidade das penas, ou da máxima restrição das penas, afirma que a legitimidade das penas criminais depende da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a protecção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados.

18- Por outro lado, a aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40º nº 1 do Código Penal.

19- “ 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.

2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.

3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

20-A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar–se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos“.

21- Efectivamente, o ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra–se nas exigências de prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

22-O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa de prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

23-Assim, dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando–o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

24- De facto, é jurisprudencial e doutrinalmente pacífico que a pena a aplicar em concreto ao arguido deve resultar da actuação de exigências de prevenção especial, numa moldura de prevenção geral, respeitando o limite máximo consentido pela culpa.

25- In casu, a condenação do arguido aqui recorrente, na pena de multa de 210 (duzentos e dez dias) dias à taxa diária de € 7 (sete) euros, perfazendo a quantia total de € 1.470,00 (mil quatrocentos e setenta euros), é completamente desproporcional e desajustada à situação dada como provada nestes autos.

26- No caso presente, atenta a idade do arguido e demais circunstâncias pessoais deste, a necessidade de prevenção da reincidência, a pena aplicada pelo Tribunal “a quo“ deverá ser uma pena de multa ascendendo esta ao montante total €980,00 (novecentos e oitenta euros), como já supra se deixou explanado, embora reconhecendo que as necessidades de prevenção geral e especial são elevados, atenta a frequência com que estes crimes são praticados em Portugal.

27- Deste modo, e em função de tudo o que ficou supra exposto, não pode pois, o arguido aceitar a pena de multa de 210 (duzentos e dez dias) dias à taxa diária de € 7 (sete) euros, perfazendo a quantia total de € 1.470,00 (mil quatrocentos e setenta euros), porquanto a mesma se revela totalmente desadequada e excessiva.

28- O Tribunal “a quo” ao fixar a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 12 (doze) meses, não valorou adequadamente as circunstâncias previstas no artigo 71º Código Penal, bem como um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico-penal, o princípio da culpa.

29- Considera o arguido que a pena acessória de proibição conduzir veículos motorizados aplicada se mostra desadequada e excessiva, até porque, a sua conduta foi cometida a título negligente e não doloso. Com efeito, e pese embora a ausência de antecedentes criminais, entende o arguido que não poderá ver reduzida para os seus limites mínimos (três meses) a pena acessória de conduzir veículos a motor, atendendo às consequências que a sua conduta provocou. Contudo, também não pode aceitar como justa e adequada às circunstâncias do caso concreto e à culpa do arguido a pena acessória de proibição conduzir veículos motorizados por um período de 12 (doze) meses.

30- Entende o recorrente que a pena acessória de proibição conduzir veículos a motor aplicada ao arguido deverá ser reduzida para os 8 (oito) meses.

E)

DO APOIO JUDICIÁRIO

O arguido AA beneficia de apoio judiciário, conforme documento que se junta nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento da compensação de defensor oficioso.

Nestes termos, e nos mais de Direito que doutamente serão supridos, e considerando os factos constantes dos autos, deve ser dado provimento ao presente recurso, com fundamento na motivação apresentada, e decidindo-se Vossas Excelências pela redução da pena de multa aplicada ao recorrente, nos termos requeridos, e reduzindo igualmente a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados para um período de 8 (oito) meses, assim decidindo Vossas Excelências farão inteira JUSTIÇA. ...”.



Também inconformada, a Demandada/Seguradora interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação, com as seguintes conclusões:

“... 1.ª – A demandada civil não se conforma com a indemnização fixada pelo Tribunal recorrido, face à factualidade provada; Vejamos:

2.ª – No que diz respeito ao dano biológico: resultou demonstrado que a demandante civil ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12,88 pontos, que foi fixável em 13 pontos.

3.ª - No entanto, e como bem se refere na sentença recorrida, o Tribunal considerou que a repercussão das sequelas nas atividades domésticas são avaliadas pelo Défice Funcional da Integridade físico-psíquica, fixando-se tal com este em 13 pontos, conforme relatório pericial e que as sequelas são compatíveis com a atividade de doméstica e para os atos da vida diária e inclusive para poder cuidar do neto, embora apresente mais dificuldade em efetuar as suas atividades de vida diária, nomeadamente sendo mais lenta na realização das mesmas e com necessidade de pausas maiores entre as mesmas, implicando esforços suplementares.

4.ª - Assim, a incapacidade permanente geral corresponde a um estado deficitário de natureza anatómico-funcional ou psicosensorial, com carácter definitivo e com impacto nos gestos e nos movimentos próprios da vida corrente, comuns a todas as pessoas, influenciando as atividades familiares, sociais, de lazer e desportivas; mas um prejuízo ou défice funcional que pode não se repercutir na capacidade de desempenho profissional da vítima (cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 15 de Fevereiro de 2005, proferido no âmbito do processo n.º 0425710, disponível in www.dgsi.pt.).

5.ª - Do elenco dos factos provados, apenas se apurou que a demandante civil ficou afetada com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que foi fixado em 13 pontos, compatível com o exercício da sua atividade profissional habitual, ainda que implique esforços suplementares, continuando a tomar conta do neto com idade de 11 anos (com necessidades especiais).

6.ª - Para tanto, relevam:

- A idade da lesada à data do sinistro;

- A sua esperança média de vida à data do acidente, que se situará entre 70 e 83 anos (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado);

- O índice de incapacidade geral permanente (13 pontos);

- A remuneração mensal auferida pelo lesado à data do acidente e/ou outros rendimentos por si usufruídos;

- A evolução profissional perspetival, ou não, e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até em simultâneo;

- A taxa média de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade;

- A gravidade das lesões e as suas consequências, e a atribuição do grau de incapacidade ou de défice funcional (no caso tem-se em conta a necessidade de medicação com alguma regularidade e de fisioterapia);

- O recebimento de uma só vez do todo capital/rendimento futuro que é antecipado;

- Os valores indemnizatórios atribuídos pelos tribunais em situações semelhantes;

Por outro lado, não se mostra provado que as sequelas tenham interferência na sua capacidade de ganho no âmbito da atividade que desenvolve, ou, por outras palavras, que tal défice tenha implicação direta nos rendimentos auferidos relativamente àquela.

7.ª - Deste modo, afigura-se-nos equitativo, fixar a título de dano biológico (dano futuro) uma compensação, atualizada à data da sentença, de €15.000,00;

8.ª - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 562º e 564°, nº 2, todos do Código Civil.

9.ª – No que respeita à indemnização fixada a título de danos não patrimoniais:

10.ª – Atenta a matéria de facto dada como provada e que aqui se deve considerar integralmente transcrita e ponderado os danos apurados, a idade do demandante civil - 65 anos à data do acidente, afigura-se-nos equitativamente ajustada a quantia de € 17.500,00.

11.ª - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 562º e 564°, nº 2, todos do Código Civil.

12.º - No que respeita a alegada ajuda doméstica temporária a filha economista/trabalhadora independente auxiliou a sua progenitora/demandante no que toca a ajuda temporária doméstica (cerca de 4 horas);

13.º - Vejamos o que a este propósito resultou provado:

54. Em virtude do evento ocorrido a filha da demandante economista/profissional independente reduziu a carga horária de trabalho para cerca de 4 horas por dia, para poder cuidar da mãe.

55. A filha economista/trabalhadora independente auxiliou a sua progenitora/demandante no que toca a ajuda temporária doméstica (cerca de 4 horas), o que comporta cerca de 2.680,00€ (4horasx5,00€x134dias).

14.ª - Ora, deste acervo factual, apenas resulta que a filha apoiou a mãe, mas não resultou do mesmo qualquer prejuízo para a Autora, pois não logrou provar que tenha pago essa assistência.

15.ª - Nem provou durante quanto tempo essa assistência ocorreu… E inexiste qualquer prova documental referente a esse pagamento.

16.ª - Termos em que o pedido feito a este título deve ser julgado improcedente, assim se revogando a sentença recorrida;

17.ª - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou, entre outros, os art.ºs 483.º, e 562.º, todos do Código Civil.

18.º - Quantum á indemnização relativa ao tempo de incapacidade temporária absoluta.2.680,00€ (4 meses (120dias) x 600 + 14dias ( €2.680,00);

19.ª -   Vejamos o que a este propósito resultou provado:

22. À data do evento referido supra, a demandante civil tinha 65 anos de idade.

23. A demandante era doméstica em casa da filha, onde vivia com o casal e com o filho destes, um jovem que padece de 98% de incapacidade, do qual a sua avó cuidava diariamente, quando este não se encontrava na escola.

24. Ao momento a demandante civil está reformada desde cerca de agosto de 2022.

(...)

44. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 28/05/2019 (134 dias desde o evento), tendo em conta os seguintes aspetos: a data da alta clínica dos serviços clínicos da seguradora, o tipo de lesões resultantes e o tempo médio de evolução das mesmas para a consolidação, bem como a idade da vítima e os seus antecedentes patológicos.

45. O Défice Funcional Temporário Total situou-se entre 15/01/2019 e 13/03/2019, sendo fixável num período de 58 dias.

46. O Défice Funcional Temporário Parcial situou-se entre 14/03/2019 e 28/05/2019, sendo assim fixável num período 76 dias

20.ª - Assim, não se vislumbra que a demandante tenha tido algum prejuízo ou perda de rendimentos.

21.ª - No caso, a demandante não demonstrou – tal não consta da matéria de facto e esta não é posta em causa no presente recurso – que a demandada tenha sofrido qualquer perda de rendimento.

22.ª - Ao fixar uma indemnização por “perda salarial”, o tribunal fez errada interpretação dos artigos 562.º, 564.º e 566.º, do Código Civil.

NESTES TERMOS, e nos demais de direito, concedendo provimento ao recurso, e alterando a sentença sub judice conforme supra preconizado, farão V. Ex.as. a costumada VERDADEIRA JUSTIÇA! ...”.


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A Exm.ª Magistrada do MP respondeu ao recurso do Arg., concluindo da seguinte forma:

“... 1) O arguido recorrente insurge -se contra quanto à concreta determinação da medida da pena principal aplicada, propugnando pela redução da medida da pena e bem assim pela redução da sanção acessória, não se insurgindo, porém, contra o quantitativo monetário.

2) Entende-se que a sentença recorrida fez correcta aplicação do Direito aos factos apurados em sede de julgamento, em quanto respeita ao enquadramento jurídico-penal e, bem assim, no que concerne à escolha da pena a aplicar.

3) O critério da escolha da pena, nos termos do art. 70º depende de considerações de prevenção geral e especial.

4) Ao crime pelo qual o arguido foi condenado, corresponde uma moldura penal de pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

5) Não é reduzida a ilicitude dos factos, antes pelo contrário, o grau de ilicitude é elevado, revelando o arguido não ter interiorizado a ilicitude das suas condutas, uma vez que o arguido não assumiu a autoria dos factos por si praticados, no que concerne ao conduzir desatento, com velocidade desadequada para aquele local com passadeira, pois afirmou sempre que a culpa foi do sol e nunca sua.

6) Mais, nunca o arguido por si só procurou saber da ofendida, tendo que ser o seu patrão a ligar inclusive para o Hospital para saber do estado de saúde daquela.

7) Acresce que as exigências de prevenção geral são de grau muito elevado, atento facto da sinistralidade rodoviária ser elevada no nosso país.

8) No caso em apreço o Tribunal a quo fez correcta aplicação do disposto no art.º 71º do Código Penal, sendo que consideramos como justa e adequada a medida da pena aplicada.

9) A pena acessória de proibição de conduzir traduz-se numa verdadeira pena, com uma moldura penal própria, estabelecida entre 3 meses e 3 anos, dentro dos quais tem o julgador que determinar a que se adequa ao caso concreto, em obediência ao disposto no artigo 71º do Código Penal.

10) A argumentação do arguido em sede de recurso nada acrescenta que o favoreça particularmente.

11) Acresce que apesar de ser primário, não é por essa razão que são diminutas as necessidades de prevenção especial.

12) Somosdeentenderquesenosafigurapois,adequada,umapenafixadaem12 (doze)meses, o que, espera-se contribua para a emenda cívica do arguido.

Deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, mantendo-se os termos da decisão recorrida. ...”.


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A Ofendida BB respondeu ao recurso da Seguradora, para além do mais, da seguinte forma:

“... Quanto às conclusões 2.ª a 7.ª, a demandada/recorrente olvida aquilo que é ponto assente, tanto na doutrina como na jurisprudência, de que o dano biológico tem de ser considerado/avaliado nas suas (três) vertentes, de lesão do direito à vida e/ou à integridade físico-psíquica, de dano patrimonial futuro e de dano não patrimonial.

Como dano a se (tertium genus) tem de ser avaliado como tal, independente, pois, das outras duas vertentes.

Como dano patrimonial futuro, deve ser avaliado enquanto gerador de rebate na atividade geral da ofendida, de trabalho indiferenciado ou doméstico, enquanto causa de perdas dos rendimentos inerentes respetivos.

E como dano não patrimonial, terá de o ser na sua vertente de dano moral e estético e de afirmação pessoal e/ou gerador de esforços acrescidos para a manutenção do mesmo rendimento.

Ora, percorrendo a motivação da recorrente, mormente as aludidas conclusões, constata-se que a mesma só valoriza e, ainda assim, em manifesto défice, a vertente do dano biológico da ofendida, como gerador de esforços acrescidos, sem repercussão na capacidade de desempenho profissional (doméstico) da ofendida.

Mas, a este propósito, quer da prova documental, quer pericial, quer, ainda, da testemunhal, produzida nos autos, está assente o que, em síntese - e ao que aqui releva – o seguinte:

- a demandante BB ficou impossibilitada de poder continuar a cuidar e tratar do seu neto, com deficiência profunda, lavando-o, dando-lhe de comer, tratando-lhe da roupa…, bem como de todas as lides domésticas e das atividades da vida diária e social. Com efeito, demonstrado ficou que a demandante ficou com evidentes dificuldades no equilíbrio, com marcha claudicante e com dores permanentes, a implicarem a toma diária de medicação para aliviar as dores. Não tem força nas pernas, nem nos membros superiores.

Haverá que ter em conta, ainda, o que consta do “Relatório Pericial do INML”, junto, já em sede de audiência de julgamento, aos autos e que a Sr.ª Juiz a quo teve (unicamente, aliás) em consideração na determinação do dano biológico e nas suas consequências sequelares:

- as sequelas da demandante são “compatíveis”, porque, em consulta de medicina física e reabilitação de 22 de outubro de 2020, a examinada terá dito que “consegue realizar as atividades da vida diária com mais agilidade e destreza, desde que não faça esforço”;

Porém, nada é referido, em tal “Relatório”, se estas sequelas definitivas da demandante são, ou não, compatíveis com a sua atividade de doméstica e de cuidadora do seu neto, com deficiência profunda, tanto mais que foi considerado que, à data do acidente, a demandante BB estava desempregada… .

Ora, tal como bem decorre do Acórdão da Relação do Porto, de 17 de abril de 2023, sumariado in Colectânea de Jurisprudência n.º 325, Ano XLVIII, Tomo II/2023, pág. 328, bem como da doutrina e demais jurisprudência, aquele “Parecer” do INML, como prova pericial que é, só relevará naquilo que tiver sido objeto da observação técnica objetiva sobre o objeto da perícia e relatado, no “Relatório Final”, como resultado dessa observação direta.

Dito isto, é manifesto que, percorrendo o teor daquele relatório do INML, não resulta que as “sequelas” da demandante, vistas/observadas, objetiva e subjetivamente, pela Sr.ª perita médica, sejam “compatíveis”, quer para a demandante poder continuar a tomar conta do neto, quer para as lides domésticas, quer para a atividade da vida diária em geral e social.

A “compatibilidade” das sequelas da demandante, embora com esforços acrescidos, “tirou-a” a Sra. Perita daquela informação documental, de uma conversa da demandante com o seu médico de família, que não decorre, repete-se, nem dos “elementos objetivos”, nem dos “elementos subjetivos” observados, presencialmente, pela Sr.ª perita.

De qualquer modo – e ainda a propósito das sequelas definitivas da demandante e do seu grau de incapacidade – a recorrida não comunga do entendimento da Sr.ª Dr.ª Juiz a quo de que só o “Relatório do INML”, junto aos autos, em sede de audiência, tem relevância para a determinação daquela “incapacidade permanente” (cfr. pág. 26 da Sentença – “é isento, em que não se pode dizer que havia a possibilidade de “agradar” a alguma das partes”).

Na verdade, embora se diga na “fundamentação” que foram tidos em conta, também, o Parecer Técnico, junto pela demandante civil, feito por um médico especialista em ortopedia, com competência específica no domínio da avaliação de danos corporais, bem como o “Relatório Pericial de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal”, certo é que na decisão, não foram tidos em conta, minimamente que fosse, tais “Relatórios”.

Com efeito, neste último, foi concluído pelo perito médico do INML que as lesões/sequelas da demandante tiraram a esta ou afetaram-lhe gravemente a capacidade de trabalho da demandante, e, naquele, concluiu o médico especialista ortopedista, com competência técnica para o efeito, que a demandante ficou com incapacidade permanente, valorizável em 81 pontos.

Não se compreende, pois, a razão/fundamento da Sr.ª Dr.ª Juiz a quo em ter valorado tão-só as “conclusões” daquele relatório pericial, junto em sede de audiência e não o Relatório que serviu de base à Acusação do Ministério Público e, de modo absoluto, o Parecer Técnico, junto pela demandante, tanto mais que é sabido que o julgador teria de ter em conta, na fixação dos factos provados e na sua fundamentação, também aqueles Relatório e Parecer Técnico, e não dizer, apenas, para os desvalorizar, que um foi “produzido” em sede penal e, o outro, feito para “agradar” à demandante... .

Por último, é manifesto que a Sr.ª Dr.ª Juiz a quo não teve também em devida conta toda a prova testemunhal e as declarações produzidas em audiência, bem demonstrativas da incapacidade permanente absoluta da demandante para poder continuar a cuidar do seu neto, menor, com deficiência profunda, nem a poder continuar a fazer as lides domésticas, e a desempenhar todas as tarefas da vida diária e da sua vida social e de lazer, como antes do acidente fazia.

De resto, na sentença recorrida deixou-se assente (facto 64) que “a demandante era uma pessoa ativa”, bem como (facto 66) se sente “triste e desgostosa, por se ver impossibilitada de fazer a sua lide doméstica e de assumir, na sua plenitude, o seu papel de avó cuidadora, como até ao evento assumiu, relativamente ao seu neto”. Além de que, devido às dores que a demandante tem, não dorme bem (facto 68) e (facto 67) tem receio de ver perpetuadas no tempo as limitações de que padece (o que, de acordo com a experiência comum, virá a acontecer).

Tanto mais que a demandante civil (facto 50) “necessita de recorrer a medicação regular tal como a analgésicos”, para alívio da sintomatologia dolorosa da bacia”, tem (facto 40) “claudicação na marcha”, devido à lesão da bacia e (facto 51) tem necessidade de ajudas técnicas … para redução do risco de queda e, ainda, (factos 54 e 56) a filha reduziu a carga horária de trabalho como economista profissional / independente para cerca de 4 horas diárias, para poder cuidar da mãe e auxiliá-la na sua atividade doméstica.

Considerando tudo isto, ter-se entendido, no “Relatório da IML”, junto em audiência, que a Sr.ª Dr.ª Juiz a quo subscreveu inteiramente, desvalorizando, repete-se mais uma vez, o Parecer Técnico e o Relatório do INML, junto ao Inquérito e que serviu de base à Acusação, totalmente procedente, que todas estas sequelas e limitações da demandante apenas lhe causam, para a sua vida doméstica, lides diárias e vida social, “esforços acrescidos”, é, salvo o devido respeito, infundado e até “desumano”.

Por último, e acrescendo ao atrás exposto, a demandada civil sempre pretendeu desvalorizar a situação clínica e sequelar da demandante, a quem atribuiu, de resto, apenas a “Incapacidade: 5 pontos”, entendendo que a sua “incapacidade” para a sua vida diária já provinha de “doenças” anteriores, por via das quais andava até a fazer fisioterapia, à data do acidente.

Ora, como bem refere o Parecer Técnico do especialista ortopedista que o elaborou, tal situação clínica anterior da demandante não pode ser considerada como “estado anterior”, suscetível de ter influído ou agravado a normal evolução das lesões sofridas no acidente, mas, antes, “meras vulnerabilidades anatómico-fisiológicas, normais para a idade da demandante”.

Pelo que é evidente que a pretensão da recorrente em ver reduzida a € 15 000,00 (quinze mil euros), a título de dano biológico (dano futuro), a indemnização à demandante, não teve minimamente em conta toda a realidade provada em relação à situação sequelar da demandante.

De igual modo, ao pretender baixar para € 17 500,00 (dezassete mil e quinhentos euros) a indemnização pelos danos não patrimoniais, é não só uma lide processual incompreensível em “pessoas de bem”, como deveria ser uma Seguradora, como uma pretensão miserabilista, perante a gravidade dos factos provados a esse respeito, como, ainda, um manifesto desprezo pelo sofrimento, presente e futuro, da demandante.

Quanto às “conclusões” 18 a 22 do recurso da demandada

A posição da demandada sempre foi a de que os cinco pontos da incapacidade da demandante não a impediam de ter uma vida habitual normal, apenas “com esforços acrescidos”. O que a demandada entendeu como “atividade habitual” da demandante, nunca o esclareceu, mas seguramente que nesta “atividade habitual” não englobou, ou não teve em conta, a atividade da demandante, como doméstica e cuidadora do neto, com deficiência profunda.

Deste modo, na sua alegação e nestas conclusões, a recorrente demandada não tem em conta aquela atividade doméstica e de cuidadora permanente que era, do seu neto com deficiência profunda, por continuar a entender – o que hoje não é entendido por ninguém, nomeadamente pela doutrina e jurisprudência – que uma “doméstica” que esteja ou fique incapacitada de continuar a sê-lo, não tem de ser ressarcida pela perda dessa sua capacidade, tendo em conta, pelo menos, o salário mínimo nacional nessa atividade.

Ademais, a demandada recorrida ainda hoje não consegue entender o desfasamento entre o Relatório do INML, junto em audiência, e o Relatório do INML em sede penal e o Parecer Técnico quanto ao tempo de consolidação médico-legal das lesões e aos défices funcionais temporários, total e parcial.

Com efeito, nestes, foram considerados 384 dias para consolidação e, concomitantemente, 384 dias com afetação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional.

Naquele, foram, apenas, considerados 134 dias para a consolidação médico-legal das lesões, em 58 dias o défice funcional temporário total e em 76 dias o défice funcional temporário parcial.

Finalmente, a propósito da “proposta razoável” que a demandada fez à demandante, em 25 de maio de 2019, no valor de € 5 500,00 (cinco mil e quinhentos euros), embora sem relevo para a decisão, mas que a demandante não pode calar.

Na sentença recorrida, foi entendido que a “Seguradora” seguiu, na apresentação daquela proposta, “os critérios e valores estabelecidos na Portaria nº 679/2009, de 25/06 e, portanto, não podia ser sancionada com uma taxa de juros agravada, como peticionou a demandante”.

Ora, parece manifesto, antes de mais, que, naquela proposta (não) razoável, não foi tido em conta, afinal, as sequelas, já evidentes e consolidadas à data da mesma e que vieram a constar, quer do Relatório Pericial do INML, em sede penal, quer do Relatório do INML, junto em audiência.

Por isso, dizer-se que a Seguradora teve, razoavelmente, em conta aqueles cinco pontos percentuais, de acordo com o Relatório Pericial do médico da Seguradora, clínico geral, sem qualquer qualificação na especialidade de Ortopedia, que considerou que a demandante “estava desempregada” e que – conforme se depreende das suas declarações, apaixonadíssimas, em sede de audiência de julgamento, defendendo, à exaustão, que a demandante, à data do acidente, já era portadora de doenças que a impossibilitavam de fazer uma vida normal para as lides diárias e/ou domésticas, é, no mínimo, infundado.

Depois, como poderá entender-se tal “proposta razoável” se, obviamente, nada foi oferecido, relativamente aos danos não patrimoniais, gravíssimos, já evidentes então e que, agora e afinal, a demandada aceita, como devendo ser valorizados em … € 17 500,00 (dezassete mil e quinhentos euros)!?

Em suma, deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela recorrente Seguradora, a qual, com a sua atuação, mais não quer do que adiar até ao máximo (vão a caminho já de cerca de CINCO anos, desde aquela proposta “razoável”) o pagamento demandante do que, razoável e equitativamente, lhe é mais do que devido. ...”.


*

Neste tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, em suma, subscrevendo a posição assumida pelo MP na 1ª instância e pugnando pela improcedência do recurso do Arg..

*

A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.

Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis, ou seja, o princípio da verdade material; da livre apreciação da prova e o princípio “in dubio pro reo”. Igualmente é certo que, no caso vertente, tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está sujeita aos princípios da publicidade, da oralidade e da imediação.

O tribunal recorrido fixou da seguinte forma a matéria de facto:

“... Observado o formalismo legal, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e, discutida a causa, emergiram provados os seguintes factos:

Relativamente à matéria criminal

1.         No dia 15 de janeiro de 2019, pelas 10h37m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula ..-NX-.., de marca ..., de cor ..., na Av. ..., no sentido Praça .../Rotunda ..., área desta cidade ....

2.         O estado do tempo era bom.

3.         No local, a estrada configura uma reta, sendo constituída por duas vias, e cada uma das vias, por duas hemi-faixas de rodagem, para cada sentido de trânsito, com separador central, sendo a velocidade máxima de circulação permitida no local de 50km/hora.

4.         Naquela artéria, existia na data e existe, uma passagem marcada no pavimento destinada à travessia de peões, vulgo passadeira.

5.         Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas supra, a ofendida BB, abeirou-se da passagem marcada no pavimento e destinada à travessia de peões referida em 4º, do lado direito da Av. ..., atento o sentido do trânsito e de marcha do arguido, pretendendo colocar-se do lado oposto dessa faixa de rodagem, do lado esquerdo (atento o referido sentido de marcha do veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula ..-NX-.., de marca ..., cor ...).

6.         Para tanto, a ofendida atravessou a primeira hemi-faixa da via, e quando estava a efetuar a travessia da segunda hemi-faixa, prestes a alcançar o separador central, foi embatida pela parte frontal do veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula ..-NX-.., de marca ..., cor ....

7.         O arguido, que conduzia pela hemi-faixa esquerda da Avenida ..., sentido ... (Praça ...) / ..., circulava desatento e alheado dos demais veículos, das pessoas que caminhavam na via e da existência da passadeira no local, sem se aperceber que havia um peão a atravessá-la, pelo que não conseguiu, (como podia e devia), imobilizar o veículo em segurança para que a ofendida terminasse a travessia.

8.         O arguido não se apercebeu, como podia e devia, de que no momento em que circulava sobre a passadeira destinada aos peões, por aí passava a ofendida contra a qual embateu com a parte da frente do veículo que conduzia.

9.         Devido ao embate descrito, a ofendida caiu desamparada no chão, depois de projetada para o separador central.

10.       O arguido não cuidou de moderar a velocidade imprimida ao veículo que conduzia, nem de o imobilizar à presença da ofendida na parte final da passadeira existente no local, a qual estava devidamente sinalizada.

11.       Em consequência do embate descrito, sofreu a ofendida as graves lesões descritas nos relatórios de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal de fls. 129, nomeadamente fratura da bacia, lombalgia, glutalgias, coxalgia bilateral, contratura paravertebral, fenómenos dolorosos e outras, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que determinaram um período de 384 dias para a consolidação, com incapacidade para o trabalho em geral e profissional, resultando consequências permanentes para a ofendida, isto é, uma afetação grave da capacidade de trabalho nos termos do art.º 144.º, b) do Código Penal.

12.       À aproximação da travessia de peões, devidamente sinalizada, o arguido podia e devia ter abrandado a sua marcha, ter-se apercebido da presença da ofendida na passagem para peões e, ter parado, de forma a permitir a sua travessia, o que não fez.

13.       Ao atuar da forma descrita, o arguido violou as mais elementares regras estradais, ao transitar na via pública desatento, sem conseguir controlar nem imobilizar a sua viatura a tempo de evitar a colisão com a ofendida, sem respeitar a passadeira para peões aí existente que estava devidamente sinalizada e sem moderar a sua marcha, o que deu causa ao atropelamento da ofendida.

14.       O arguido, no entanto, não chegou a representar como possível que o seu comportamento estradal viesse a causar um acidente e consequentemente a lesão da integridade física de outrem, embora o pudesse e devesse ter feito.

Mais se provou que:

15.       O arguido trabalha na empresa B..., auferindo o salário mínimo nacional, ou seja, cerca de 760,00€;

16.       O arguido está de baixa médica há cerca de um ano, auferindo agora cerca de 497,00€;

17.       O arguido vive com a sua cônjuge e com duas das filhas, sendo que a esposa trabalha numa fábrica de calçado, auferindo o salário mínimo nacional e as filhas uma com 12 anos e a outra com 20 anos de idade, ambas estudantes, sendo que a última está a estudar na universidade em ...;

18.       A casa onde habitam é própria, estando a custear empréstimo para a compra da mesma, no valor mensal de 300,00€.

19.       O arguido tem o 6º ano de escolaridade.

20.       Do certificado de registo criminal do arguido, não resultou abrevada qualquer condenação.

21.       Do registo individual do condutor do arguido consta a seguinte infração:

- Por decisão condenatória de 2020-03-08, foi o arguido condenado por infração praticada a 2019-07-23, a uma suspensão da pena (365 dias) condicionada a ação de formação de velocidade, por condução automóvel em localidades a mais de 20km /h até 40Km/h de velocidade.


*

Do Pedido de Indemnização Civil:

22.       À data do evento referido supra, a demandante civil tinha 65 anos de idade.

23.       A demandante era doméstica em casa da filha, onde vivia com o casal e com o filho destes, um jovem que padece de 98% de incapacidade, do qual a sua avó cuidava diariamente, quando este não se encontrava na escola.

24.       Ao momento a demandante civil está reformada desde cerca de agosto de 2022.

25.       Foi aquela admitida no Serviço de Urgência no Hospital ... pelas 10:58horas do dia 15.01.2019, tendo nota de alta do Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar ... em 29-01-2019, datada de 31.01.2019.

26.       O internamento deveu-se a «fratura dos ramos púbicos e do sacro (…)Vítima de acidente de viação com traumatismo da bacia».

27.       Consta da alta em 29-01-2019 do Centro Hospitalar ... que a demandante «apresenta grau elevado nas AVD´s exceto na alimentação onde é moderado. Precisa de ajuda de 3a pessoa».

28.       A demandante civil teve alta do Centro Hospitalar ... em 20.02.2019, tendo sido admitida neste mesmo dia no Hospital ... – ..., para reabilitação, cumprindo um mês de tratamento conservador, tendo tido alta em 13.03.2019 com a referência «dependente em grau reduzido nos autocuidados».

29.       A demandante civil foi observada em consulta nos serviços clínicos da companhia seguradora em 20-03-2019.

30.       Foi observada em consulta de fisiatria na Casa de Saúde ... em 28.03.2019, tendo realizado tratamentos de fisioterapia entre 01.04.2019 e 27.05.2019 (36 sessões).

31.       Foi observada em consulta da USF ... em 04-04-2019.

32.       Foi observada em consulta nos serviços clínicos da companhia seguradora em 24-04-2019, tendo sido prescrita mais uma sessão de fisioterapia.

33.       A companhia de seguros emitiu «relatório médico legal automóvel», que fixou a alta clínica, datado de 28-05-2019, tendo definido:

Incapacidade 5 pontos (Mc1102 - 4 pontos e Mf1410 - 1 ponto)

Incapacidade temporária com internamento: 60 dias ...............................................

Incapacidade temporária sem internamento: 60 dias ...............................................

Dano Futuro: não…………………………………………………………………...

Repercussão na atividade habitual: com esforços acrescidos………………………

Quantum doloris: 5/7……………………………………………………………….

34.       Observada em consulta de fisiatria no Centro Médico ... em 02.01.2020 foi  prescrita á demandante civil fisioterapia, tendo realizado nesse estabelecimento nos dias 13 a 30 de janeiro de 2020 (12 sessões), nos dias 4, 6, 11, e 13 de fevereiro de 2020, entre 22 e 30 de junho (7 sessões) e entre 1 e 8 de julho de 2020 (6 sessões).

35.       A demandante civil teve consultas de fisiatria no Centro Médico ... em 07-02-2020; 06-07-2020; 13-08-2020; 22-10-2020; 26-10-2020; 12-05-2021.

36.       Resulta da consulta de fisiatria do dia 22-10-2020 que a «utente refere diminuição da sintomatologia inicial, diz que consegue realizar as AVDs com mais agilidade e destreza, desde que não faça esforço, sente-se bem. Continua a tomar conta do neto com idade de 11 anos (com necessidades especiais), embora na última consulta resulte que foi prescrito programa de recuperação.

37.       Os danos resultantes do traumatismo prendem-se com: «fratura dos ramos ileo-isquiopúbicos bilateralmente e do sacro, com queixas dolorosas marcadas e com limitação da marcha e fratura do esterno, com queixas dolorosas à palpação esternal».

38.       As sequelas decorrentes do evento em análise são: queixas dolorosas marcadas da bacia (mais à direita), com recurso a medicação analgésica diária e com limitação da marcha, que se apresenta claudicante e com atitude postural antiálgica bem como queixas dolorosas à palpação da região esternal.

39.       Tais sequelas são compatíveis com a atividade de doméstica e para os atos da vida diária e inclusive para poder cuidar do neto, embora apresente mais dificuldade em efetuar as suas atividades de vida diária, nomeadamente sendo mais lenta na realização das mesmas e com necessidade de pausas maiores entre as mesmas, implicando esforços suplementares.

40.       A demandante ficou a padecer de claudicação da marcha, devido á situação da lesão na bacia.

41.       A repercussão das sequelas nas atividades domésticas são avaliadas pelo Défice Funcional da Integridade físico-psíquica, fixando-se tal como este em 13 pontos.

42.       As queixas referentes ao ombro esquerdo, nada têm haver com o acidente, uma vez que dos registos médico, à data do evento não foram identificadas lesões agudas ao nível do ombro esquerdo e, previamente ao evento, já existiam queixas referidas a essa região anatómica (conforme registos da USF ...), nomeadamente com realização de exames complementares de diagnóstico a identificar tendinopatia desse ombro.

43.       As queixas referidas à região torácica esquerda, tendo em conta que dos registos clínicos facultados, à data do evento não há descrição de lesões agudas torácicas (realizou radiografias), nomeadamente de fraturas ao nível das costelas.

44.       A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 28/05/2019 (134 dias desde o evento), tendo em conta os seguintes aspetos: a data da alta clínica dos serviços clínicos da seguradora, o tipo de lesões resultantes e o tempo médio de evolução das mesmas para a consolidação, bem como a idade da vítima e os seus antecedentes patológicos.

45.       O Défice Funcional Temporário Total situou-se entre 15/01/2019 e 13/03/2019, sendo fixável num período de 58 dias.

46.       O Défice Funcional Temporário Parcial situou-se entre 14/03/2019 e 28/05/2019, sendo assim fixável num período 76 dias.

47.       O Quantum doloris fixou-se no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo (atropelamento), as lesões resultantes (fratura dos ramos ileo-isquiopúbicos bilateralmente e do sacro) os tratamentos efetuados (necessidade de internamento hospitalar de 58 dias com tratamento conservador seguido de tratamentos de fisioterapia) e o período de recuperação funcional.

48.       O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica foi fixável em 13 pontos por referência à atribuição de 100 (cem) pontos à capacidade integral do indivíduo.

49.       O Dano Estético Permanente fixa-se no grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente tendo em conta a claudicação da marcha devido às queixas dolorosas.

50.       A demandante civil necessita de recorrer a medicação regular tal como analgésicos, de acordo com as suas necessidades e a prescrição do médico assistente e bem assim a fisioterapia com periodicidade pelo menos anual, para alívio da sintomatologia dolorosa da bacia.

51.       Existe necessidade de ajudas técnicas como alteração de casa de banho, para redução do risco de queda.

52.       As omalgias e tendinite calcificante, espondilodiscartrose cervical e lombar com canal estreito, rizartrose, tendinite de Quervain, gonartrose bilateral, dores nas mãos e pés já condicionavam anteriormente ao evento a atividade da vida diária da demandante e continuam a condicionar.

53.       A demandante civil juntou aos autos Parecer Técnico, datado de 12 de julho de 2021, assinado pelo médico/ortopedista Dr.º CC, cujas conclusões são:




54.       Em virtude do evento ocorrido a filha da demandante economista/profissional independente reduziu a carga horária de trabalho para cerca de 4 horas por dia, para poder cuidar da mãe.

55.       A filha economista/trabalhadora independente auxiliou a sua progenitora/demandante no que toca a ajuda temporária doméstica (cerca de 4 horas), o que comporta cerca de 2.680,00€ (4horasx5,00€x134dias).

56.       O vestuário que a demandante civil trajava na ocasião do embate referido dos factos provados no tocante à matéria criminal, os óculos que usava e os objetos que levava ficaram irremediavelmente danificados;

57.       Designadamente, um casaco com um valor não concretamente apurado, mas de cerca de €40,00, umas calças, com um valor não concretamente apurado, mas de cerca de €40,00, uma camisola com um valor não concretamente apurado, mas de cerca de €40,00, uma carteira com um valor não concretamente apurado, mas de cerca de €40,00, um telemóvel com o valor não concretamente apurado, mas de cerca de €150,00;

58.       A demandante custeou cerca de 623,00€ relativos à aquisição de uns novos óculos, visto os seus terem partido com o embate do veículo na sua pessoa;

59.       Em medicamentos até à data de 13-07-2020, a demandante suportou cerca de 53,00€ por mês, o que perfaz cerca de €1.537,00.

60.       Em adaptação da casa de banho ao estado de saúde da demandante, mormente substituição da banheira por poliban foi gasto um valor na ordem dos 800,00€.

61.       Perdeu até à data da consolidação das lesões/sequelas (134dias) rendimentos equivalentes ao salário mínimo nacional em 2019 (600,00€) no valor de 2.642,48€.

62.       Quando recuperou a mobilidade continuou ainda assim e durante muitos meses receosa de sair de casa sozinha.

63.       Por causa do evento sucedido a demandante tornou-se mais reservada, angustiada e isolada.

64.       A demandante era uma pessoa ativa.

65.       Receou, ao aperceber-se da eminência do embate e queda, pela sua vida.

66.       A demandante sentiu-se triste e desgostosa, por se ver impossibilitada de fazer a sua lide doméstica e de assumir, na sua plenitude, o seu papel de avó cuidadora, como até ao evento assumiu, relativamente ao seu neto.

67.       A demandante tem receio de ver perpetuadas no tempo as limitações que padece.

68.       Que devido às dores a demandante tem dificuldades em dormir.

69.       A seguradora fez proposta razoável à demandante civil datada de 25 de maio de 2019, no valor de 5.500,00€.

70.       A proprietária do veiculo de matricula ..-NX-.., havia transferido a responsabilidade civil decorrente da circulação do mesmo, perante terceiros para a demandada civil, através da apólice n.º ...53, válida e eficaz á data do acidente.


*

(…)

*

É pacífica a jurisprudência do STJ[2] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[3], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no presente recurso são as seguintes:

I – Medidas das penas;

II – Montante da indemnização.


*

Cumpre decidir.

Questão prévia:

Consta do facto provado 61. que a Ofendida “Perdeu até à data da consolidação das lesões/sequelas (134dias) rendimentos equivalentes ao salário mínimo nacional em 2019 (600,00€) no valor de 2.642,48€.”.

Este valor total resulta de uma lapso evidente: partiu-se do salário diário de €20,00, o que multiplicado por 134 é igual a €2.680,00.

Isso também resulta da fundamentação de direito e da parte decisória da decisão recorrida.
Nos termos do art.º 380º/2 do CPP, a correcção do lapso pode ser feita pelo tribunal de recurso.
É o que faremos.


*

Não vislumbramos na decisão recorrida qualquer vícios previstos no art.º 410º/2 do CPP, que são de conhecimento oficioso , e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum[4].

*

I – O Arg., não pondo em causa escolha da pena de multa, contesta a medida da pena, quanto ao número de dias de multa, e a medida da pena acessória decididas pelo tribunal recorrido.

Este fundamentou essa escolha e a determinação das medidas, para além do mais, nos seguintes termos:

“... O crime de ofensa à integridade física grave por negligência em que o arguido se encontra incurso é punido uma pena de prisão de 1 mês até 2 anos ou pena de multa de 10 a 240 dias, nos termos da disposição conjugada dos arts.41.º, n.º1, 47.º, n.º1 e 148.º, n.ºs1 e 3, por referência ao art.º 144.º, al. b), todos do Código Penal.

B) Escolha da pena

Em face da alternatividade entre a pena de prisão e a pena de multa relativamente a todos os supra aludidos ilícitos criminais, cumpre, nesta sede, proceder à escolha da pena abstratamente aplicável aos arguidos.

Preceitua o art.º70.º do Código Penal que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, e segundo o preceituado no art.40.º, n.º1 do mesmo diploma legal, garanta (...) a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, pelo que o Tribunal nesta escolha deve atender unicamente às considerações de prevenção geral e de prevenção especial.

No âmbito da filosofia subjacente do sistema punitivo do Código Penal, apesar de se aceitar a pena de prisão como pena principal para os crimes de maior gravidade, “(...) afirma-se claramente que o recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas” .

No caso dos presentes autos, entende-se que a aplicação de uma pena de multa ainda realiza, de forma adequada e suficiente, relativamente ao arguido, as finalidades de prevenção geral positiva ou de reafirmação contrafáctica das normas violadas e de prevenção especial positiva ou de ressocialização do agente.

Desde logo, as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir são prementes.

Com efeito, no que concerne ao crime de ofensa à integridade física grave por negligência, que no caso em apreço foi resultado de um acidente de viação derivada da imprudência e falta de cumprimento das mais elementares regras estradais por parte do arguido, deve atender-se ao elevado número de verificação deste ilícito criminal, sendo Portugal um dos países europeus com mais alta taxa de sinistralidade rodoviária.

No que concerne às necessidades de prevenção especial as mesmas são medianas, visto o arguido estar integrado profissional, social e familiarmente. Acresce que do certificado de registo criminal do arguido resulta que não cometeu nenhum ilícito criminal até à data da prática dos factos em análise.

Relativamente ao registo individual de condutor, deste não consta nenhuma infração estradal, visto que a que aí consta foi cometida depois da data da prática dos factos em causa no caso sub judice e por isso não poderá ser levada em conta.

Porém o arguido não demonstrou arrependimento, pois continuou a afirmar que aquele acidente só se deveu ao facto de ter ficado encandeado pelo sol, não assumiu a autoria dos factos por si praticados, no que concerne ao conduzir desatento, com velocidade desadequada para aquele local com passadeira, revelando não ter interiorizado a ilicitude das suas condutas.

Conclui-se, pois, que a medida da necessidade de proteção dos bens jurídicos violados, ou de reafirmação contrafáctica da norma violada, basta com a aplicação ao arguido de uma pena de multa.

Medida da pena

Nos termos do disposto no art.71.º, n.º1 do Código Penal a determinação da medida da pena (...) é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Partindo da função de tutela dos bens jurídicos, atinge-se um limite mínimo em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada - prevenção geral positiva. O limiar máximo constitui a culpa pessoal do agente, limite inultrapassável das finalidades preventivas, como consta do n.º2 do art.40.º do Código Penal. Dentro destes limites atua a socialização do delinquente - prevenção especial positiva - como forma eficaz de responsabilização e ressocialização do delinquente na sociedade.

Dispõe o art.71.º, n.º2 do Código Penal que na determinação da medida concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (...).

A pena tem, assim, de corresponder às expectativas da comunidade.

Daí para cima, a medida exata da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes da comunidade (cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, págs.227 e segs.).

Vejamos o caso em apreço:

O arguido quanto ao crime de ofensa à integridade física grave por negligência temos que não obstante o mesmo resultar de uma atuação negligente, a conduta do arguido foi violadora das mais elementares e básicas regras de circulação rodoviária.

O grau de ilicitude é elevado, revelando não ter interiorizado a ilicitude das suas condutas, como já se deixou expresso, uma vez que o arguido  não assumiu a autoria dos factos por si praticados, no que concerne ao conduzir desatento, com velocidade desadequada para aquele local com passadeira, pois afirmou sempre que a culpa foi do sol e nunca sua.

Mais, nunca o arguido por si só procurou saber da ofendida, tendo que ser o seu patrão a ligar inclusive para o Hospital para saber do estado de saúde daquela.

A favor do arguido resultou que o mesmo está integrado profissional, social e familiarmente. Acresce que do certificado de registo criminal do arguido resulta que não cometeu nenhum ilícito criminal até à data da prática dos factos em análise.

Ponderados todos os elementos acima referidos, atendendo à moldura legal do crime - pena de prisão de 1 mês a 2 anos ou pena de multa de 10 a 240 dias -  no que respeita ao crime de ofensa à integridade física grave por negligência, decido aplicar:

- a pena de 210 (duzentos e dez dias) dias de pena de multa no que respeita ao crime de ofensa à integridade física grave por negligência perpetrado pelo arguido AA.


*

Quanto ao quantitativo diário da pena de multa, ... .

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VII.

A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor

Acresce que o arguido deverá ser punido com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no art.º 69.º, al. a) do Código Penal, dentro da moldura de três meses a três anos.

No que se refere à medida concreta da pena acessória, o tribunal deverá atender aos critérios explanados no artigo 71.º do Código Penal supra analisados, salientando-se que para a graduação desta pena acessória são particularmente relevantes as exigências de prevenção especial.

Ora, tendo em conta tais critérios e exigências, para os quais se remete, sublinhando-se:

- não obstante as médias exigências de prevenção especial (ponderando-se, por um lado o exercício habitual da condução pelo arguido como padeiro a transportar pão, as favoráveis condições pessoais acima descritas e por outro a não revelada interiorização do mal do crime), as  elevadas exigências de prevenção geral;

- grave desrespeito pelas regras estradais por parte do arguido, a gravidade da violação do dever objetivo de cuidado, reconduzível a uma contraordenação classificada como grave (artigos 25º, n.1, al. a); 103.º, n.º1  e 145º, al. i), do Código da  Estrada);

- a ponderosa censurabilidade, considerando os conhecimentos do arguido sobre o local e a existência de passadeira.

- as graves consequências que para a lesada resultaram em consequência de tal embate (elencadas nos factos provados respeitantes ao pedido de indemnização civil formulado pela demandante civil),

… afigura-se-nos adequada e proporcional a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por um período de 12 (doze) meses.

De notar que, ao contrário do que sucede no Código da Estrada, o Código Penal não prevê a substituição da pena acessória em causa por caução ou sequer a suspensão da sua execução, seguramente em virtude da diversa gravidade dos ilícitos em causa (neste sentido, o Assento n.º 5/99, publicado no DR, 1ª série A, de 20 de Julho de 1999). ...”.

Na fixação concreta da pena de multa deve agir-se segundo os princípios gerais do doseamento da pena, isto é, devem considerar-se o grau de ilicitude e culpa, as exigências de prevenção e de reprovação, devendo ainda considerar-se quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do crime em apreço resultem a favor ou contra o agente, sendo que destas circunstâncias a decorrente da situação económica e financeira do Arg., desde que não tenha reflexo nos elementos de culpa e ilicitude, só deve ser considerada para a determinação do quantitativo diário.

Tendo presente que a pena de multa é uma verdadeira sanção, com os inerentes custos para quem a suporta, na fixação da sua taxa diária o tribunal não poderá nunca olvidar as circunstâncias essenciais para a sua determinação e, estas, são primordialmente as decorrentes da situação económica e financeira do Arg. e os reflexos na sua vida familiar, quando a haja.

Neste particular, como é jurisprudência dominante, diríamos unânime, dos Tribunais superiores, a aplicação de uma pena de multa não pode consistir numa forma disfarçada de absolvição[5].
Por outro lado, a duração da pena acessória pode ser proporcionalmente diferente da concretamente encontrada para a pena principal por via, desde logo, da diversidade dos objectivos de política criminal ligados à aplicação de cada uma delas, maxime o especial peso posto na prevenção especial quanto às penas acessórias[6].

A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada[7],[8], ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares[9].

Quanto à pena de multa, o tribunal recorrido fixou a pena em medida muito próxima do limite máximo aplicável.

Verificamos que ao fazê-lo, tendo sido rigoroso na determinação da medida da pena de multa (importa realçar que ao optar pela pena de multa, já levou em conta todas as circunstâncias favoráveis ao Arg.), aplicou correctamente os princípios gerais de determinação das penas, não ultrapassou os limites da moldura da culpa, e teve em conta os fins das penas no quadro da prevenção. Por outro lado, em face da matéria de facto apurada, entendemos que não estamos perante qualquer desproporção da quantificação efectuada da pena, nem face a violação de regras da experiência comum, pelo que não se justifica intervenção correctiva deste Tribunal.

Já quanto à pena acessória, o  tribunal recorrido fixou a pena de proibição de conduzir veículos com motor em medida ligeiramente superior a 1/4 do intervalo entre os limites mínimo e máximo aplicáveis.

Há que ter em conta que o acidente se produziu por excesso de velocidade e falta de atenção no exercício da condução pelo Arg., não havendo qualquer outro crime associado; que o Arg. se encontra inserido familiarmente e socialmente; que não confessou os factos; que não tinha outras condenações anteriores, e as suas condições sócio-económicas.

Verificamos que o tribunal recorrido se afastou substancialmente das penas acessórias de inibição de conduzir que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares[10].

Justifica-se, por isso, nos termos supra referidos, a intervenção correctiva deste tribunal, pelo que fixaremos a pena de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de em 6 meses.

Assim, é parcialmente procedente este recurso.


*

II – Entende a Seguradora que a indemnização pelo dano biológico futuro deve ser fixado em €15.000,00, que a indemnização pelos danos não patrimoniais deve ser fixada em €17.500,00, que não deve ser arbitrado qualquer montante pela redução do rendimento da filha da Ofendida, em consequência do apoio que prestou a esta, e que não deve ser fixado qualquer montante relativo à incapacidade temporária absoluta.

O tribunal recorrido fundamentou o montante da indemnização que fixou, para além do mais, nos seguintes termos:

“... A demandante civil BB deduziu pedido de indemnização civil contra A... – Companhia de Seguros de Ramos Reais, SA,  peticionando a sua condenação a pagar-lhe o montante de €141.227,98 a título de danos patrimoniais e a quantia de €60.000,00 a título de danos não patrimoniais, por si sofridos em consequência do acidente de viação a que se reportam os presentes autos, acrescidos tais montantes de juros de mora contados desde a pratica do facto ilícito até ao seu integral pagamento, sem se olvidar que houve ampliação do pedido para seja a demandada civil condenada nos juros desde a prática do ilícito (acidente) até ao integral pagamento, ao dobro da taxa legal, relativamente à diferença do montante daquela “proposta razoável feita pela companhia” e o que vier a ser fixado na sentença.

...

Aqui chegados, atentemos aos danos reclamados pela demandante e ao nexo causal entre estes e o acidente de viação em crise nos autos.

Da matéria dada como assente resulta que foi em consequência do embate sofrido que a lesada ficou com o seguintes danos resultantes do traumatismo: «fratura dos ramos ileo-isquiopúbicos bilateralmente e do sacro, com queixas dolorosas marcadas e com limitação da marcha e fratura do esterno, com queixas dolorosas à palpação esternal», exigindo o montante de €141.227,98 a título de danos patrimoniais e a quantia de €60.000,00 a título de danos não patrimoniais, por si sofridos em consequência do acidente de viação a que se reportam os presentes autos.

Não existem dúvidas, portanto, de que há um nexo causal entre o aludido acidente e a verificação de tais danos, como ficou assente.

A demandante civil pretende obter o ressarcimento dos seguintes danos patrimoniais:

– o valor de €623,00, necessários á aquisição de uns óculos novos;

– o valor de €150,00 equivalente ao valor do telemóvel, que trazia aquando do acidente, destruído;

– o valor de €120,00 relativos ao valor estimado da roupa (casaco, calças e camisola) destruída;

– o valor de €40,00 correspondente ao valor da carteira, que ficou inutilizada;

– o valor de €1.537,00 (valor este resultante da ampliação do pedido por si formulada no decurso da audiência de discussão e julgamento), suportado a título de despesas com medicamentos (cerca de 50,00/53,00€ por mês);

– o valor de €806,88, referente a deslocações de ... para o Hospital ... (46,08(carro próprio) + 21,16€ portagens x 4viagens x 3 semanas);

– o valor de €7.680,00 referente a ajuda doméstica temporária (4horas x5,00€ x384 dias);

– o valor de €800,00 correspondente á adaptação da casa de banho da habitação, nomeadamente substituição da banheira por poliban.

– O valor de €8.128,00 referentes aos rendimentos perdidos por incapacidade temporária absoluta (€635€/mês x12 meses (384dias));

– O valor de €121.926,10 respeitante a danos patrimoniais futuros -rendimentos não auferidos desde 04-02-2020 até á data provável da sua morte 90 anos (€635,00/mês 8smn) x 12 meses x24 anos=182.880,00x66,67%);

– O valor de €60.000,00, a título de danos não patrimoniais.

Antes de mais diga-se que: «Em termos de busca e fixação do valor dos danos advenientes da responsabilidade civil extracontratual (morais/patrimoniais) os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização.»

Vejamos se assiste razão á demandante civil (contando desde logo que alguns valores ficaram já excluídos da análise dos factos provados/não provados e motivação).

Quanto aos montantes respeitantes aos objetos que a demandante civil transportava no dia do sinistro:

A este propósito ficou provado que em resultado do embate referido o vestuário que a demandante civil trajava na ocasião do embate referido nos factos  provados no tocante à matéria criminal, os óculos que usava e os objetos que levava ficaram irremediavelmente danificados, designadamente, um casaco com um valor não concretamente apurado, mas de cerca de €40,00, umas calças, com um valor não concretamente apurado, mas de cerca de €40,00, uma camisola com um valor não concretamente apurado, mas de cerca de €40,00, uma carteira com um valor não concretamente apurado, mas de cerca de €40,00, um telemóvel com o valor não concretamente apurado, mas de cerca de €150,00;

A demandante custeou cerca de 623,00€ relativos à aquisição de uns novos óculos, visto os seus terem partido, com o embate do veículo na sua pessoa.

Como é consabido, só são indemnizáveis os danos que tiverem sido causados pelo acidente.

Nesse sentido, consagra o art.º 563.º do Código Civil a teoria da causalidade adequada, pelo que o nexo de causalidade “configura-se no binário embate – danos, estes como consequência necessária daquele” – cfr. Ac. do TRL de 03.04.1984, CJ, Ano IX, Tomo 2, p. 121.

Assim, para que um facto seja causa adequada de um dano é necessário, desde logo, que no plano naturalístico seja condição sem o qual o dano não se teria verificado, e ainda que, em abstrato, seja causa adequada do mesmo.

Ora, o facto não é causa adequada do dano sempre que, seja de todo indiferente ou irrelevante para a sua produção.

Por outra parte, ficou demonstrado que o vestuário que a demandante civil trajava na ocasião do embate, e os objetos (carteira e telemóvel) que trazia consigo ficaram irremediavelmente danificados, todavia, não foi viável apurar o concreto valor de qualquer dos objetos razão pela qual não foi possível apurar com precisão o valor dos danos sofridos pelo demandante civil a este propósito.

Assim, tendo a demandante civil sofrido uma perda patrimonial correspondente ao valor dos aludidos objetos que ficaram danificados, não resultou apurado o seu concreto valor, não resultando dos factos provados elementos que permitam quantificar com precisão tal valor.

Perante tais factos, provando-se o dano mas não havendo elementos para fixar a respetiva quantificação, duas possibilidades se abrem. Assim, ou se relega a quantificação de tal prejuízo para liquidação de sentença, nos termos do preceituado no art.609.º, n.º2 do Código de Processo Civil, ou se atribui um valor de acordo com um juízo de equidade, nos termos do disposto art.566.º, n.º3 do Código Civil.

E colocado perante tais possibilidades, deve o tribunal relegar a quantificação do prejuízo para liquidação de sentença se face às circunstâncias concretas do caso admitir a possibilidade de se vir a conseguir a determinação do valor concreto do prejuízo (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/06/2012, proferido no âmbito do processo n.º651/09.8TBMLD.C1, disponível in www.dgsi.pt.).

Ora, no caso em apreço atentos os prejuízos apurados - perda do montante correspondente ao valor dos objetos - cremos não ser expectável a concreta quantificação do seu valor. Com efeito, desde logo todos os aludidos objetos eram usados. Acresce que sendo objetos usados o valor varia de acordo com a utilização que lhes é dada, o cuidado colocado em tal utilização e a respetiva manutenção.

Assim, entende o tribunal que se justifica o recurso à equidade, fixando-se já nesta sede o valor dos prejuízos sofridos pelo demandante civil.

E atendendo aos danos sofridos, cremos ser de atribuir os valores que resultaram provados com recurso a equidade, o vestuário e carteira €40,00 cada um e o telemóvel cerca de €150,00 perfazendo o montante global de €310,00, sem se olvidar que a demandante custeou cerca de 623,00€ relativos à aquisição de uns novos óculos, visto os seus terem partido com o embate do veículo na sua pessoa.

Tem, assim, o demandante civil direito a receber a este título o montante global de €933,00 (€40,00 + €40,00 + €40,00 + €40,00 + €150,00 + €623,00 = €933,00).

Dos montantes despendidos pela demandante civil, no pagamento de despesas medicamentosas/de farmácia até á data solicitada:

A este propósito ficou demonstrado que após o embate em medicamentos até à data de 13-07-2020 (data que foi feita ampliação do pedido), a demandante suportou cerca de 53,00€ por mês, o que perfaz cerca de €1.537,00, tendo sido junta documentação a atestar a compra de tais medicamentos.

E o certo é que a demandante civil não teria que suportar as mencionadas despesas se não tivesse sido a conduta do arguido AA enquanto condutor do veículo automóvel com a matrícula ..-NX-.. violando as mais elementares normas estradais e dando causa ao acidente de viação que vitimou a demandante civil.

Assim, deve ser o demandante civil ressarcido do montante global de €1.537,00 (€954,00 +€583,00).

Adaptação da casa de banho ao estado de saúde da demandante, mormente substituição da banheira por poliban foi gasto um valor na ordem dos 800,00€.

Ficou comprovado do relatório médico de dano corporal em direito civil a necessidade de haver adaptação `da casa de banho para evitar o risco de queda da demandante.

As testemunhas filha e genro da demandante civil deram conta que o valor de tal obra ficou a rondar os 800,00€, uma vez que conforme fatura junta aos autos a base e vidro custaram cerca de 571,72€ e o resto do valor cerca de 228,28€ foram para consumíveis,

Reitera-se que a demandante civil não teria que suportar a mencionada despesa se não tivesse sido a conduta do arguido AA enquanto condutor do veículo automóvel com a matrícula ..-NX-.. violando as mais elementares normas estradais e dando causa ao acidente de viação que vitimou a demandante civil.

Quanto a ajuda doméstica temporária a filha economista/trabalhadora independente auxiliou a sua progenitora/demandante no que toca a ajuda temporária doméstica (cerca de 4 horas), deixando de trabalhar a tempo inteiro, o que comporta cerca de 2.680,00€ (4horasx5,00€x134dias).

Considerou-se que conforme factos provados houve necessidade de cuidados de terceira pessoa, o que a nosso ver se manteve pelo menos durante os 134 dias que foram tidos sem conta no relatório de avaliação de dano corporal em direito civil, como sendo o período/data de consolidação médico legal das lesões, sendo essa terceira pessoa a filha da demandante civil.

O valor de 5,00€ foi encontrado tendo por base o valor de mercado médio que é levado à hora por quem faz prestação de serviços de natureza doméstica, como é de conhecimento geral.

Em face dos factos apurados, verifica-se a existência de um dano biológico, cuja indemnização se impõe, não estando o tribunal vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes aos danos.

O dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial (cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/2017, proferido no âmbito do processo n.º589/13.4TBFLG.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt.).

 O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender maioritariamente constituir dano biológico, a dever ser valorado como dano patrimonial futuro (sem prejuízo da possível repercussão em sede de danos não patrimoniais), a situação do lesado que fica, por efeito das lesões decorrentes de acidente de viação, portador de sequelas anatomo-funcionais que, embora compatíveis com o exercício de atividade profissional, implicam esforços suplementares.

Tal défice permanente repercutir-se-á em diminuição da condição e capacidade física, da resistência, da capacidade de certos esforços e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado, traduzindo-se numa empobrecida capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades humanas em geral e progressiva maior penosidade das laborais (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/02/2019, proferido no âmbito do processo n.º1209/16.0T8CBR.C1, disponível in www.dgsi.pt.).

Saliente-se que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz uma incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.

O dano corporal não depende da existência e prova dos efeitos patrimoniais, estes é que se apresentam como consequência posterior do primeiro, devendo ser considerado reparável ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos e, também, independentemente desta última.

Ora, no que respeita ao dano biológico resultou demonstrado que a demandante civil ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 12,88 pontos, que foi fixável em 13 pontos.

A incapacidade permanente geral do lesado não tem que se refletir necessariamente numa incapacidade dele para o exercício da sua atividade profissional, do seu trabalho; e bem pode acontecer, como sucede no caso sub judice, de aquela subsistir com esforços suplementares.

No nosso caso, o Tribunal considerou que  a repercussão das sequelas nas atividades domésticas são avaliadas pelo Défice Funcional da Integridade físico-psíquica, fixando-se tal com este em 13 pontos, conforme relatório pericial e que as sequelas são compatíveis com a atividade de doméstica e para os atos da vida diária e inclusive para poder cuidar do neto, embora apresente mais dificuldade em efetuar as suas atividades de vida diária, nomeadamente sendo mais lenta na realização das mesmas e com necessidade de pausas maiores entre as mesmas, implicando esforços suplementares.

Em si mesma, a incapacidade permanente geral corresponde a um estado deficitário de natureza anatómico-funcional ou psicosensorial, com carácter definitivo e com impacto nos gestos e nos movimentos próprios da vida corrente, comuns a todas as pessoas, influenciando as atividades familiares, sociais, de lazer e desportivas; mas um prejuízo ou défice funcional que pode não se repercutir na capacidade de desempenho profissional da vítima (cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 15 de Fevereiro de 2005, proferido no âmbito do processo n.º0425710, disponível in www.dgsi.pt.).

É o que sucede no caso em apreço.

Destarte, a demandante civil não ficou afetada na sua capacidade de trabalho doméstico, podendo fazer o mesmo e cuidar do seu neto com relativa autonomia e independência, ao contrário do que consta inclusive no parecer técnico junto aos autos, mas que a nosso ver foi solicitado pela demandante cível e ao nível de independência o relatório pericial datado de 15 de dezembro de 2022 oferece mais rigor, porque quer se queira ou não há um nível de isenção que o deixa imaculado.

Apenas se provou conforme referido supra que, em consequência do acidente de viação em que foi interveniente, ficou afetada com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que foi fixado em 13 pontos, compatível com o exercício da sua atividade profissional habitual, ainda que implique esforços suplementares,  sem se esquecer que a própria lesada admitiu em consulta de fisiatria no Centro Médico ...  do dia 22-10-2020 que a «utente refere diminuição da sintomatologia inicial, diz que consegue realizar as AVDs com mais agilidade e destreza, desde que não faça esforço, sente-se bem. Continua a tomar conta do neto com idade de 11 anos (com necessidades especiais)

Assim, está afastado, para o cálculo indemnizatório, o critério da perda de capacidade de ganho futuro, muito embora a nosso ver terá que se ter em conta até à data da consolidação das lesões/sequelas (134dias) rendimentos equivalentes ao salário mínimo nacional em 2019 (600,00€) no valor de 2.680,00€ (4 meses (120dias)X600 + 14dias ( €280,00), isto porque avançamos desde já que se considera que as lides domésticas têm relevância económica.

E aqui convém fazer um parêntesis para refletir na questão relativa à atribuição de relevância económica ao trabalho das lides domésticas, seja em si mesmo considerado, seja pelos custos da sua realização por terceiro.

Seguindo de perto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo:111/17.3T8MAC.G1.S1 , neste refere-se « não pode deixar de se atribuir relevância económica ao trabalho das “lides domésticas”, seja em si mesmo considerado, seja em função dos custos da sua realização por terceiro», aliás como defende a Dra. Maria da Graça Trigo in revista JULGAR janeiro- abril 2022, fls. 263 a 266.

E ainda tenha-se em conta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo 3969/07.0TBBCL.G1.S1: «Mesmo nos casos em que o lesado não exerça uma atividade profissional remunerada, em sede de dano biológico, deverá atender-se à atividade que ele desempenhava ou podia desempenhar com tarefas de índole económica propiciadoras de rendimento, no quadro do seu modo de vida, e que fique afetada em virtude das sequelas sofridas. Nesse caso, a indemnização deverá ser arbitrada, equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado deixe de produzir, atenta a expectativa média de vida».

Ora, como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente produzido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado deixou de poder produzir, atenta a sua expectativa média de vida[2].

Portanto, mesmo nos casos em que o lesado não exerça uma atividade profissional remunerada, em sede de dano biológico, deverá atender-se à atividade que ele desempenhava ou podia desempenhar com tarefas de índole económica propiciadoras de rendimento, no quadro do seu modo de vida, e que fique afetada em virtude das sequelas derivadas das lesões sofridas.

No caso presente, a A. não exercia uma atividade profissional remunerada, mas ainda assim, com quase 73 anos de idade, à data do acidente, ocupava-se das lides domésticas do seu agregado familiar, ficando afetada nesta atividade com uma incapacidade de 10% resultante das sequelas sofridas. 

Assim, tendo em conta o desempenho económico da A. no seu agregado familiar, conforme o acima descrito, o grau de incapacidade permanente de 10%, uma expectativa de vida média até aos 80 anos e um fator de capitalização da ordem dos 3% a 4%, tem-se por ajustada uma indemnização de base no valor de € 15.000,00, atentos os padrões atuais».

Para além dos Acórdãos vindos de citar e uma vez que esta questão resultou controvertida entre a seguradora e a demandante civil, assinala-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães Processo:1500/18.7T8CHV.G1: « I- Mesmo nos casos em que o lesado não exerce uma atividade profissional remunerada deve atender-se, em sede de indemnização pelo dano biológico, à atividade que desempenhava com tarefas de cariz económico que lhe podiam propiciar rendimento e que influenciavam sua capacidade económica geral. II- Estando provado que a Autora não exercia uma atividade profissional remunerada pois encontrava-se reformada mas, ainda assim, e não obstante ter 72 anos de idade, era ela que se ocupava das lides domésticas do seu agregado familiar, tendo ficado em consequência do acidente com sequelas que lhe determinam um défice funcional permanente da sua integridade física fixável em 9 pontos e a impedem agora de realizar as lides domésticas, implicando que tenha necessidade de contratar uma empregada doméstica para a execução das mesmas, deve considerar-se que tal se traduz numa diminuição da sua capacidade económica geral suscetível de indemnização em sede de indemnização pelo dano biológico».

A jurisprudência tem abordado este tema integrando o dano, assim reconhecido, na categoria de dano biológico, isto é, naquela quebra que se traduz numa diminuição ou lesão da integridade psico-física do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre e que, exatamente por se repercutir na qualidade de vida da vítima, por afetar o seu padrão de vida, não pode deixar de ser indemnizável num sentido tendente à sua superação.

O dano biológico vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais [cfr. Acórdãos do STJ de 20/05/2010, proc. 103/2002.L1.S1 e de 26/01/2012, proc. 220/2001-7.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj] estando na sua origem o direito à saúde, concretizado numa situação de bem-estar físico e psíquico.

«No caso da IPG (ora denominado Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica) ter reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respetiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais - danos futuros - a que se refere o art°. 564°, n°. 2 do Código Civil.

Pode, no entanto, a IPG não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua atividade profissional não é especificamente afetada pela incapacidade, quer porque, embora afetada pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua atividade habitual com um esforço suplementar.

Em todos estes casos pode discutir-se se a IPG (ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica) constitui um dano patrimonial ou um dano não patrimonial.

É entendimento pacífico na nossa jurisprudência que o dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial» .

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1/07/2013, proferido no âmbito do processo n.º2870/11.8TJVNF.P1, disponível in www.dgsi.pt., que aqui seguimos de perto, não pode deixar de se reconhecer um estado de facto, que consiste em perda de aptidões da pessoa (mesmo gerais), um alcance ainda avaliável em dinheiro e, portanto, passível de uma superação com esse sentido.

A dúvida prende-se no modo como fixar a medida justa para o debelar da quebra.

A jurisprudência tem construído algumas formulações que, sem embargo de uma certa falibilidade, que a todas atravessa, tem permitido ao menos que as decisões dos casos não pequem por uma muito sensível flutuação.

Em ótica estritamente normativa, já a opção tem sido, no geral, a da renúncia a uma tomada clara de posição sobre o assunto, deixando precisamente à jurisprudência a ampla margem de liberdade na delimitação do perímetro indemnizatório ajustado.

Ainda assim, a pretexto da formulação de uma proposta razoável de regularização do sinistro pelas empresas de seguros aos lesados vítimas de dano corporal em acidente de viação, e em vista ao aceleramento na respetiva resolução, o novo regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel viabilizou a publicação de instrumento normativo concedente de critérios e valores orientadores para a concretização dos concernentes padecimentos, que se materializou na Portaria n.º377/2008, de 26 de Maio, entretanto alterada pela Portaria n.º679/2009, de 25 de Junho.

Vem-se discutindo a justeza da aceitabilidade pelos tribunais dos critérios contidos em tais instrumentos, como coadjuvantes no arbitramento de indemnizações em processo judicial, e, em regra, a manifestar reservas a respeito dessa aceitabilidade, desde logo, pela circunstância de os resultados por eles obtidos se evidenciarem, no geral, subavaliados relativamente aos que eram (e são) os padrões habituais de medida da indemnização.

Ainda assim, a utilização desses instrumentos justifica-se pela agilização e celeridade na regularização do sinistro, tendente à sua resolução pronta e diligente (art.31.º do D.L. n.º291/2007, de 21 de Agosto); por isso, que se assuma que os seus critérios e valores são meramente orientadores (arts.39.º, n.º5 do D.L. n.º291/2007, de 21 de Agosto, e 1.º, n.º1 da Portaria n.º377/2008, de 26 de Maio), e que, à margem de qualquer imperatividade, não excluem outros danos, nem valores superiores aos que propõem (art.1.º, n.º2 da Portaria n.º377/2008, de 26 de Maio).

Tal instrumento normativo tem a virtualidade de sinalizar uma orientação, a qual, se ajustadamente enquadrada, pode apoiar a decisão judicial.

A portaria n.º377/2008, de 26 de Maio, a pretexto da proposta razoável para indemnização de dano corporal, estabelece que é indemnizável ao lesado, em situação de não-morte, o dano pela ofensa à integridade física e psíquica (dano biológico), de que resulte ou não perda de capacidade de ganho, determinado segundo a Tabela Nacional para Avaliação das Incapacidades Permanentes em Direito Civil (art.3.º, al. b)), adiantando que a compensação assim prevista se calcula de acordo com o quadro do anexo IV (art.8.º).

Vejamos:

A demandante civil tinha 65 anos à data do acidente, tendo ficado a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos.

Do anexo IV da Portaria n.º679/2009, de 25 de Junho, resulta que para os pontos de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica atribuídos ao demandante civil e tendo em consideração a sua idade à data do acidente o valor se encontra fixado um montante entre €441,185 e €589,95.

Trata-se, contudo, de um valor reparatório sub-avaliado, desde logo na medida em que a retribuição mínima mensal garantida em que assentou a elaboração de tal tabela subiu.

Nessa medida, tal valor tem de ser alvo de ajustamentos em face do caso concreto, sendo que, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2018, proferido no âmbito do processo n.º3643/13.9TBSTB.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt., “a jurisprudência emitida pelos nossos tribunais superiores, em sintonia, de resto com o preâmbulo e com o disposto no art.1.º, n.º2 da Portaria n.º377/2008, de 26-05, vem invariavelmente decidindo que “as tabelas constantes da Portaria n.º377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria n.º679/2009, de 25-06, apenas relevam no plano extrajudicial ou, quando muito, como critério orientador ou referencial, mas nunca vinculativo para os tribunais (arts.564.º e 566.º, n.º3 do CC)”.

Observando-se não ter resultado para a demandante qualquer redução da capacidade de ganho, mas antes uma perda funcional geral, determinante de um dano biológico, considera-se o seguinte: Ficando a lesada afetado de um défice funcional que, embora sem reflexos na atividade profissional, lhe exige esforços acrescidos, deve a indemnização ser fixada por recurso à equidade.

No caso em apreço deve considerar-se o facto de as sequelas descritas, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, sendo compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual da demandante civil, implicarem esforços suplementares, exercendo a demandante civil a profissão de doméstica e cuidadora do neto , a qual exige sempre agilidade física, sendo de admitir a existência de dano futuro; a maior penosidade no exercício dessa profissão; a idade do demandante civil (65 anos de idade à data do acidente); a não atribuição de culpa á demandante civil na produção do acidente, na medida em que o embate foi provocado unicamente pela violação das regras estradais por parte do arguido.

A fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art.º 566.º, n.º 2, do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art.º 566.º, n.º 3, do CC).

Para tanto, relevam:

- A idade da lesada à data do sinistro;

- A sua esperança média de vida à data do acidente, que se situará entre 70 e 83 anos (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado);

- O índice de incapacidade geral permanente (13 pontos);

- A remuneração mensal auferida pelo lesado à data do acidente e/ou outros rendimentos por si usufruídos;

- A evolução profissional perspetival, ou não, e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até em simultâneo;

- A taxa média de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade;

- A gravidade das lesões e as suas consequências, e a atribuição do grau de incapacidade ou de défice funcional (no caso tem-se em conta a necessidade de medicação com alguma regularidade e de fisioterapia);

- O recebimento de uma só vez do todo capital/rendimento futuro que é antecipado;

- Os valores indemnizatórios atribuídos pelos tribunais em situações semelhantes;

- Não pode deixar de se atribuir relevância económica ao trabalho das denominadas “lides domésticas”, seja em si mesmo considerado, seja pelos custos da sua realização por terceiro. A respeito do valor económico deste tipo de trabalho, autonomamente considerado, pronunciou-se este Supremo Tribunal no acórdão de 03/12/2015 (proc. n.º 3969/07.0TBBCL.G1.S1) e no acórdão de 29/10.2020 (proc. n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação que se impõe fundada na equidade.

As ditas lesões afetam significativamente a capacidade da lesada para a realização das suas próprias lides domésticas, o que, como se assinalou supra, não pode deixar de se reconhecer revestir valor económico.

Por outro lado, não se mostra provado que as sequelas tenham interferência na sua capacidade de ganho no âmbito da atividade que desenvolve, ou, por outras palavras, que tal défice tenha implicação direta nos rendimentos auferidos relativamente àquela.

1. Seguindo de perto o que nos vem dito no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Maio de 2013, no Proc. 1394/08.5 TBTNV. C1, que passamos a citar: «tendo um âmbito alargado, consideramos que a sua referência para efeitos de cálculo da indemnização não tem de ser o salário auferido pelo lesado, nem tão pouco o salário mínimo nacional, conforme tem vindo a ser entendido, quando o lesado não exerce actividade profissional. O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho (se for o caso pode ter lugar a indemnização pelo dano patrimonial reflexo que dele decorre), antes determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as atividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce um profissão remunerada com € 5.000,00 ou com € 500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano»..

Como se escreveu, por exemplo, no acórdão deste Supremo Tribunal  de 20 de Novembro de 2020, www.dgsi.pt, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.1, “Como se disse já no acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Março de 2012 (www.dgsi.pt, 1145/07.1TVLSB.L1.S), na linha dos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 203/99.9TBVRL.P1.S1) ou de 20 de Maio de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 103/2002.L1.S1), “É sabido que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz esta incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial. No que aos primeiros respeita, o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes frisou que «os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não [se] reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução (…)” (cfr. também os acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, e de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, disponíveis em www.dgsi.pt).» – acórdão de 30 de Outubro de 2008 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B2978); a perda de rendimento que resulte da redução, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar (cfr. o acórdão de 20 de Outubro de 2011 (www.dgsi.pt, proc. Nº 428/07.5TBFAF.G1-S1). A lesão que a incapacidade revela pode, naturalmente, causar danos patrimoniais que se não traduzem em perda de ganho (…)”.  Assim, cfr, ainda os acórdãos de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.p, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 3 de Dezembro de 2015, www.dgsi.pt, proc. n.º 3969/07.0TBBCL.G1.S1, ou de 19 de Setembro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1.

Em qualquer das vertentes, patrimoniais ou não patrimoniais, repete-se a indemnização pelo dano biológico deve ser calculada segundo a equidade: artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3 do Código Civil.

Como o Supremo Tribunal da Justiça observou em outras ocasiões (cfr., por exemplo, os acórdãos de 7 de Outubro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 839/07.6TBPFR.P1.S1, de 28 de Outubro de 2010 www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1, em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt proc. nº 381-2002.S1,  de 6 de Dezembro de 2017, www.dgsi.pt, proc. n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1, de 23 de Maio de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 1046/15.0T8VNF.P1.S1, de 30 de Maio de 2019, www.dgsi.pt, proc., n.º 3710/12.6JVNF.G1.S1, ou de 19 de Setembro de 2019, já citado), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se o Supremo Tribunal da Justiça é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio» (acórdão de ”28 de Outubro de 2010).

A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações. “A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” ( cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt., proc. n.º 2044/06.0TJVNF.P1.S1).

Em face do exposto, considerando os resultados emergentes da aplicação da Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho (muito) subavaliados, se consultarmos a bitola jurisprudencial comum, afigura-se-nos temperado e equitativo, fixar a título de dano biológico (dano futuro) uma compensação, atualizada nesta data, de €30.000,00 (trinta mil euros), a qual é, segundo cremos, ajustada para permitir superar a violação da integridade física e psíquica, sem quebra de capacidade de ganho futuro, visando-se reparar a incapacidade permanente de que a Autora ficou a padecer, dano biológico, numa vertente dita patrimonial, que engloba a perda da capacidade de ganho e todas as repercussões na sua vida laboral, também futura, pelos esforços acrescidos que sempre terá que suportar e para custear valores com medicação e fisioterapia.

Dos danos não patrimoniais.

Os “prejuízos de natureza não patrimonial”, reportando-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral, não se repercutem no património do lesado e, portanto, não são suscetíveis de avaliação pecuniária, embora sejam compensáveis, correspondem àquilo que na linguagem jurídica se costuma designar por pretium doloris ou ressarcimento tendencial de angústia, da dor física, da doença, ou do abalo psíquico-emocional. Apenas são atendíveis os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cfr. art.496.º do Código Civil) e o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias do caso concreto (cfr. art.º 494.º aplicável ex vi art.496.º, n.º3, ambos do Código Civil).

No âmbito do dano não patrimonial devem ser valorizados os diversos componentes do mesmo, quer ao nível do sofrimento/dor no período de doença, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; a privação das satisfações e prazeres da vida, como sejam, a renúncia a atividades extraprofissionais, desportivas, lúdicas ou artísticas; o dano respeitante à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); a duração dos tratamentos; os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima.

No presente caso provou-se que, na sequência do embate, a demandante civil a caiu desamparada no chão, depois de projetada para o separador central.         

Admitida no Serviço de Urgência no Hospital ... pelas 10:58horas do dia 15.01.2019, tendo nota de alta do Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar ... em 29-01-2019, datada de 31.01.2019.

A demandante civil teve alta do Centro Hospitalar ... em 20.02.2019, tendo sido admitida neste mesmo dia no Hospital ... – ..., para reabilitação, cumprindo um mês de tratamento conservador, tendo tido alta em 13.03.2019.

O internamento deveu-se a «fratura dos ramos púbicos e do sacro (…) Vítima de acidente de viação com traumatismo da bacia»

Observada em consulta de fisiatria no Centro Médico ... em 02.01.2020 foi -lhe prescrita fisioterapia, tendo realizado nesse estabelecimento nos dias 13 a 30 de janeiro de 2020 (12 sessões), nos dias 4, 6, 11, e 13 de fevereiro de 2020, entre 22 e 30 de junho (7 sessões) e entre 1 e 8 de julho de 2020 (6 sessões).

A demandante civil teve consultas de fisiatria no Centro Médico ... em 07-02-2020; 06-07-2020; 13-08-2020; 22-10-2020; 26-10-2020; 12-05-2021.

Os danos resultantes do traumatismo prendem-se com: «fratura dos ramos ileo-isquiopúbicos bilateralmente e do sacro, com queixas dolorosas marcadas e com limitação da marcha e fratura do esterno, com queixas dolorosas à palpação esternal».

As sequelas decorrentes do evento em análise são: queixas dolorosas marcadas da bacia (mais à direita), com recurso a medicação analgésica diária e com limitação da marcha, que se apresenta claudicante e com atitude postural antiálgica bem como queixas dolorosas à palpação da região esternal.

O Défice Funcional Temporário Total situou-se entre 15/01/2019 e 13/03/2019, sendo fixável num período de 58 dias.

O Défice Funcional Temporário Parcial situou-se entre 14/03/2019 e 28/05/2019, sendo assim fixável num período 76 dias.

O Quantum doloris fixou-se no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente, (tendo em conta o tipo de traumatismo (atropelamento), as lesões resultantes (fratura dos ramos ileo-isquiopúbicos bilateralmente e do sacro) os tratamentos efetuados (necessidade de internamento hospitalar de 58 dias com tratamento conservador seguido de tratamentos de fisioterapia) e o período de recuperação funcional.

O Dano Estético Permanente foi fixável no grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente tendo em conta a claudicação da marcha devido às queixas dolorosas.

Mais se refira que em consequência das lesões decorrentes do embate a demandante civil sentiu enorme temor pela sua vida e pela sua integridade física.

Note-se ainda que antes do sinistro a demandante civil já sofria de algumas patologias, todavia era fisicamente ativa (cuidava do neto e fazia as lides domésticas), era sociável e trabalhadora, não conseguindo, por causa das lesões que sofreu, manter a atividade antes desenvolvida, necessitando agora de implementar esforços acrescidos.

Quando recuperou a mobilidade continuou ainda assim e durante muitos meses receosa de sair de casa sozinha.

Por causa do evento sucedido a demandante tornou-se mais reservada, angustiada e isolada.

A demandante era uma pessoa ativa.

Receou, ao aperceber-se da eminência do embate e queda, pela sua vida.

A demandante sentiu-se triste e desgostosa, por se ver impossibilitada de fazer a sua lide doméstica e de assumir, na sua plenitude, o seu papel de avó cuidadora, como até ao evento assumiu, relativamente ao seu neto.

A demandante tem receio de ver perpetuadas no tempo as limitações que padece, tendo que continuar a tomar medicação analgésica e a fazer fisioterapia com regularidade anual.

Que devido às dores tem dificuldades em dormir.

Os danos ora elencados mostram-se relevantes, justificando a tutela do direito.

Considerando os aludidos danos e ainda a idade do demandante civil - 65 anos à data do acidente - e o facto de nenhuma responsabilidade lhe poder ser assacada na produção do acidente, afigura-se-nos equitativamente ajustada a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros).

Atendendo a que a indemnização destinada a ressarcir os danos não patrimoniais sofridos por um qualquer lesado não deve revestir carácter miserabilista, nem deve cair em excessos, e tendo em linha de consideração todo o quadro descritivo acima mencionado, de média gravidade, entende-se  fazendo apego a um juízo de ponderação e equidade, e em respeito pelas regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas (cfr. A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 6. ao artigo 496º, pág. 474), sem esquecer os aumentos dos seguros obrigatórios estradais e seus valores atuais de cobertura, e aumento dos respetivos prémios, justificantes do aumento das indemnizações - ser equilibrado fixar a indemnização por dano moral a favor da demandante em 25.000 €, que se tem por apropriado, adequado e proporcional. ...”.

No presente caso, o tribunal recorrido fixou o dano biológico futuro e os danos não patrimoniais sofridos pela Ofendida com recurso a critérios de equidade, o que podia fazer, porque previsto legalmente (art.ºs 4º/1-a), 496º/4 e 566º/3 do CC[11])[12].

Embora os tribunais de recurso possam alterar o valor do dano fixado com recurso a critérios de equidade, só o devem fazer quando o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”[13].

Ora, não nos parece que este seja um desses casos, a merecer intervenção correctiva.

Na verdade, a decisão recorrida justifica cabalmente a fixação de tais valores, em termos perfeitamente aceitáveis, não afrontando, muito menos manifestamente, aquelas regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Por outro lado, contrariamente ao que afirma a Demandada, da matéria de facto provada consta que a Ofendida “Perdeu até à data da consolidação das lesões/sequelas (134dias) rendimentos equivalentes ao salário mínimo nacional em 2019 (600,00€) no valor de 2.680,00€.[14], e como aquela realça, a matéria de facto não foi impugnada.

Mas entendemos que existe uma duplicação da indemnização arbitrada pelos mesmos danos, porque se se atribui uma indemnização pelo trabalho doméstico que a Ofendida deixou de poder fazer em determinado período, não se pode também atribuir uma indemnização pelo tempo de trabalho que a sua filha prestou para a substituir nas tarefas domésticas.

Na verdade, por um lado, está provado que a Demandante “... era doméstica em casa da filha, onde vivia com o casal e com o filho destes, um jovem que padece de 98% de incapacidade, do qual a sua avó cuidava diariamente, quando este não se encontrava na escola” (23), que “...Em virtude do evento ocorrido a filha da demandante economista/profissional independente reduziu a carga horária de trabalho para cerca de 4 horas por dia, para poder cuidar da mãe ...” (54) e que “... Perdeu até à data da consolidação das lesões/sequelas (134dias) rendimentos equivalentes ao salário mínimo nacional em 2019 (600,00€) no valor de 2.680,00€. ...” (61).

Por outro lado, a fundamentação para este facto 61, foi que “... No que ao ponto 61. dos factos provados diz respeito cumpre salientar que o Tribunal considerou que a atividade da demandante era doméstica e bem assim cuidadora do neto, como resultou de toda a prova testemunhal do PIC e do depoimento da demandante civil, o que bem se sabe são atividades que alguém terá que as fazer e que comportam um custo. Na verdade, se não houver ninguém para cuidar daquele jovem com 98% de incapacidade e se não fosse a avó a progenitora teria que ter alguém para o fazer quando aquele não estava na escola e para que esta pudesse trabalhar e portanto, o Tribunal considerou que apesar de tal atividade não ser remunerada que deve ser tida em conta. ...” (sublinhados nossos).

E para os factos 54 e 55, que “... Relativamente ao facto n.º54 e 55 a prova dos mesmos fez-se através da conjugação dos depoimentos das testemunhas do PIC e das declarações da demandante civil que deu conta necessitar de ajuda de uma terceira pessoa para tomar banho, para se vestir, para lhe fazer as refeições, resultando que a filha reduziu o horário de trabalho de cerca de 8horas diárias para cerca de quatro horas, isto sem olvidar que no ponto 27. e 28 dos factos provados é focado a necessidade de cuidados de terceira pessoa, o que a nosso ver se manteve pelo menos durante os 134 dias que foram tidos sem conta no relatório de avaliação de dano corporal em direito civil, como sendo o período/data de consolidação médico legal das lesões, sendo essa terceira pessoa a filha da demandante civil. ...”.

Ora, parece-nos que a ajuda da terceira pessoa, neste caso a filha, se destinou a suprir a incapacidade da Demandante para, naquele período, realizar as tarefas domésticas e pessoais que antes realizava.

Para explicitar o nosso raciocínio, supunhamos um caso em que A, doméstica, vítima de acidente de viação, fica temporariamente incapacitada para a realização das tarefas domésticas e de higiene pessoal, pelo que contrata B, para a substituir nessas tarefas. Neste caso, este prejuízo patrimonial corresponderá ao que teve que pagar à terceira pessoa, não devendo acrescer a esse prejuízo o valor das tarefas que a deixou de poder realizar, mas que foram realizadas por B.

É, pois, procedente nesta parte este recurso.


*****

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, decidimos:

a) Proceder à correcção da facto provado 61., que passa a ter o seguinte teor “Perdeu até à data da consolidação das lesões/sequelas (134dias) rendimentos equivalentes ao salário mínimo nacional em 2019 (600,00€) no valor de 2.680,00€.”;

b) Julgar parcialmente procedente o recurso do Arg. e, consequentemente, fixar a medida da pena acessória de inibição de conduzir em 6 (seis) meses;

c) Julgar parcialmente procedente o recurso da Demandada e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte em que a condenou a pagar uma “Indemnização relativa a ajuda doméstica temporária, o que comporta €2.680,00 (4horasx5,00€x134dias);”;

d) No mais, confirmar a decisão recorrida;

e) Sem custas crime;

f) Custas cíveis pela Demandante e pela Demandada, na proporção da sucumbência.

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Notifique.

D.N..


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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).

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[1] Arguido/a/s.
[2] Supremo Tribunal de Justiça.
[3]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[4] Assim, o Ac. do STJ de 19/12/1990, proc. 413271/3.ª Secção: " I - Como resulta expressis verbis do art. 410.° do C.P.Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".

[5] Nomeadamente, como se afirma do STJ de 02/10/1997, relatado por José Abranches Martins, in Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ, Ano 1997, Tomo III, p. 183 e ss., “A amplitude estabelecida neste preceito (art.º 47º/2 do CP) quanto ao quantitativo diário da multa visa «eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver», como diz Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 10ª ed., 226.

De todo o modo, como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, «sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade», como se afirma no Ac. Da RC de 13.7.956, in CJ, XX, 4, 48.

Porém, por outro lado, na fixação da pena de multa, o tribunal não deverá deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que ele possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar.”.

Ou no acórdão da RC de 05/04/2000, relatado por Almeida Ribeiro, in Colectânea de Jurisprudência, Ano 2000, Tomo II, p. 60 e ss., “Tudo porque é indispensável que a aplicação da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o “Ersatz” de uma dispensa ou isenção de pena que se não teve a coragem de proferir, impondo-se, pelo contrário, que a aplicação da multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.”.
Ou no acórdão da RC de 05/11/2008, relatado por Fernando Ventura, in www.gde.mj.pt, processo n.º 329/06.4TAMLD.C1, de cujo sumário citamos: “I. - O sistema de sanção pecuniária diária em montante variável, acolhido no nosso ordenamento penal, procura obviar aos inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos, e constitui corolário evidente do princípio da igualdade, impondo o mesmo sacrifício qualquer que sejam os meios de fortuna. II. - Através da autonomização da operação de determinação da pena consubstanciada na definição do quantitativo diário da pena, procura conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva – contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora – como da prevenção especial de integração – obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência.”.
[6] Nesse sentido, ver os seguintes acórdãos:

- ;da RP de 20/09/1995, relatado por Pereira Madeira, no proc. 410/95, in CJ, IV, com o seguinte sumário: “I - Podem ser distintos os objectivos de política criminal ligados à aplicação das penas principal e acessória. II - Consequentemente, a duração desta última também pode ser proporcionalmente diferente da encontrada em concreto para a da pena principal.”;
- da RE de 01/10/2013, relatado por Gilberto Cunha, no proc. 126/13.0GALGS.E1, in www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “A proibição de conduzir veículos com motor - pena acessória - constitui uma censura adicional pelo facto cometido pelo agente, podendo a duração desta pena ser proporcionalmente diferente da concretamente encontrada para a pena principal, por via da diversidade dos objectivos da politica criminal ligados à aplicação de cada uma delas.”:
[7] Entendemos que, nesta matéria, tem plena aplicação aos tribunais de 2ª instância a jurisprudência exposta, relativa à intervenção do STJ na determinação concreta das penas, no Ac. do mesmo Tribunal de 27/05/2009, relatado por Raul Borges, in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484, que passamos a citar: “… A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo nº 2693/00-5ª; de 23-11-2000, processo nº 2766/00 - 5ª; de 30-11-2000, processo nº 2808/00 - 5ª; de 28-06-2001, processos nºs 1674/01-5ª, 1169/01-5ª e 1552/01-5ª; de 30-08-2001, processo nº 2806/01 - 5ª; de 15-11-2001, processo nº 2622/01 - 5ª; de 06-12-2001, processo nº 3340/01 - 5ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5ª; de 09-05-2002, processo nº 628/02-5ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo nº 585/02 - 5ª; de 23-05-2002, processo nº 1205/02 - 5ª; de 26-09-2002, processo nº 2360/02 - 5ª; de 14-11-2002, processo nº 3316/02 - 5ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo nº 3399/03 - 5ª; de 04-03-2004, processo nº 456/04 - 5ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo nº 3182/04 - 5ª; de 23-06-2005, processo nº 2047/05 -5ª; de 12-07-2005, processo nº 2521/05 - 5ª; de 03-11-2005, processo nº 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 - 3ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 - 3ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 - 5ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 - 5ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 - 5ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 - 5ª; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 - 3ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 - 3ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 - 5ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 - 3ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 - 3ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 - 3ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 - 3ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 - 5ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 - 5ª e processo n.º 999/08-3ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 - 3ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 - 5ª; de 15-07-2008, processo n.º 818/08 - 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 - 3ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª … .”.
No mesmo sentido se pronunciou, antes, o acórdão do STJ de 29/01/2004, relatado por Pereira Madeira, no processo 03P1874, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “…Estas considerações levam a que o Supremo Tribunal entenda não interferir na medida concreta encontrada, justamente porque não encontra qualquer assomo de ilegalidade no procedimento seguido para apuramento das penas concretas aplicadas - parcelares e única - sendo certo que, como se sabe, os recursos são meio de corrigir ilegalidades mas não de refinar decisões judiciais.
Neste sentido se vem aqui reiteradamente entendendo (Cfr. por todos, Ac. STJ de 9/11/2000, in Sumários STJ disponível em http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bo14crime.html, e muitos outros que se lhe seguiram) que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada" (Cfr. a solução que, para o mesmo problema, aponta Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 197, § 255).
Ou, dizendo por outras palavras, "como remédios jurídicos, os recursos (salvo o caso do recurso de revisão que tem autonomia própria) não podem ser utilizados com o único objectivo de uma "melhor justiça". (...) A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação do direito material". (Cfr. Cunha Rodrigues, Recursos, in Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 387.) …”.

No mesmo sentido, cf. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2ª Reimpressão, 2009, pág. 197, e Simas Santos e Marcelo Ribeiro, in “Medida Concreta da Pena”, Vislis: “A doutrina (cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 255) mostra-se de acordo com a ideia de que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, e a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. A questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”.
[8] Neste sentido, ver ainda o acórdão de RP de 02/10/2013, relatado por Joaquim Gomes, no proc. 180/11.0GAVLP.P1, in www.dgsi.pt, cujo sumário citamos: “O recurso dirigido à medida da pena visa o controlo da (des)proporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, e não a concretização do quantum exato da pena aplicada.”.
[9] Relevantes nos termos do disposto no art.º 8º/3 do Código Civil, com o seguinte teor: “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”.

[10] Sobre as medidas das penas acessórias de inibição, veja-se a seguinte jurisprudência, toda disponível em www.dgsi.pt:

AcórdãoProcessoRelator/aCrime/sAntecedentesAtitudeInibição
RP de 25/11/20151/13.9PJMTS.P1Fátima FurtadoOfensa à integridade física neg.PrimárioConfessou4 meses
RC de 20/04/2016326/13.3GCTND.C1Fernando ChavesCondução perigosa + ofensa à integridade física neg.Não primárioConfessou14 meses
RL de 16/10/201967/16.0GTCSC.L1Lee FerreiraOfensa à integridade física neg. Não confessou6 meses
RE de 07/01/202089/17.3PAENT.E1Berguete CoelhoOfensa à integridade física neg.PrimáriaNão confessou4 meses
RP de 22/09/202173/16.4MBMTS.P1Paulo CostaOfensa à integridade física neg.PrimárioNão confessou4 meses
RL de 23/03/20221915/19.8T9AMD.P1Maria PerquilhasOfensa à integridade física neg.PrimárioNão confessou4 meses
RL de 07/03/202329/18.2PFHRT.L1Jorge Antunes2  crimes de ofensa à integridade física neg.Não primárioNão confessou6 meses
RG de 20/03/202396/19.1GBVVD.G1Júlio PintoOfensa à integridade física neg 4 meses


[11] Código Civil.
[12] No sentido de que, em casos como o presente o pode fazer quer quanto aos danos patrimoniais quer quanto aos danos não patrimoniais, veja-se a seguinte jurisprudência:

- Acórdão do STJ de 23/04/2009, relatado por Pereira da Silva no proc. 09B0544, com o seguinte sumário: “…I. A IPP, mesmo que não impeça o lesado de continuar a trabalhar, que se não prove, sequer, ser fonte de quebra, actual, da sua remuneração, consubstancia um dano patrimonial indemnizável.
II. O valor do predito dano deve ser apreciado equitativamente, nos termos do artº 566º nº 3 do CC, o seu cálculo urgindo mais assentar em juízos de equidade do que em tabelas financeiras ou cálculos matemáticos. …”;
- Acórdão da RL de 21/04/2009, relatado por Conceição Saavedra no proc. 11170/2008-9, do qual citamos: “…Constitui, na verdade, Jurisprudência dominante que o recurso às fórmulas matemáticas ou de cálculo financeiro para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros ou lucros cessantes jamais poderá substituir o prudente arbítrio do julgador e o apelo aos critérios de equidade referidos no acima transcrito art. 566, nº 3, do C.P.C.. Nessa medida, constituirão critérios últimos de compensação patrimonial por danos futuros a referida equidade a par da teoria da diferença prevista no nº 2 do mesmo dispositivo. …”;

- Acórdão do STJ de 28/10/2010, relatado por Lopes do Rego no proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1, do qual citamos: “…Daqui decorre que, enquanto em sede de avaliação do dano moral o que normalmente estará em causa num recurso de revista é verificar se o montante indemnizatório arbitrado - através do inevitável e decisivo apelo à equidade - como compensação da lesão de bens eminentemente pessoais se conforma com os padrões e critérios jurisprudenciais adequados, seguidos por uma jurisprudência actualista para situações idênticas ou equiparáveis à do caso concreto «sub juditio» , a aplicação do regime prescrito no nº3 do art 566º do CC em sede de puros e típicos danos patrimoniais envolve, desde logo, a questão de saber se a indefinição factual acerca do real valor do dano sofrido é susceptível de suprimento através de uma ponderação equitativa ; é que, como atrás se referiu, o apelo à equidade é, neste caso, puramente complementar e acessório da aplicação da teoria da diferença, pressupondo que o «núcleo essencial» do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado – não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário «salto no desconhecido», dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados.
A previsão contida no referido preceito legal supõe, na verdade, o preenchimento de duas condições ou requisitos: não estar determinado apenas o «valor exacto» do dano mas terem sido provados «limites» , máximo e mínimo, para esse dano – que não podem considerar-se verificadas quando, no momento do julgamento, ocorre uma essencial indefinição acerca do valor real do dano material sofrido, pressupondo a formulação do juízo complementar de equidade uma base factual minimamente sólida e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa : é que, se essa base consistente não existir no processo, a solução legalmente imposta é o proferimento de condenação genérica, relegando-se para ulterior tramitação incidental a concretização do montante exacto e preciso dos danos, por ser de supor que a remoção da situação de dúvida sobre o valor de tal tipo de danos possa razoavelmente ser ainda suprida por uma ulterior actividade probatória, sujeita, aliás, a um particular reforço do inquisitório ( cfr. art. 380º, nº4, do CPC). …”.
[13] Neste sentido, veja-se a seguinte jurisprudência:

- Acórdão do STJ de 09/06/2010, relatado por Fernando Frois no proc. 562/08.4GBMTS.P1.S1, do qual citamos: “…Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos» – Antunes Varela/Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º - «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» – só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos.

Neste sentido podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2000, processo n.º 2747/00-5ª; de 29-11-2001, processo n.º 3434/01-5ª; de 16-05-2002, processo n.º 585/02-5ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02-5ª; de 08-05-2003, processo n.º 4520/02-5ª; de 17-06-2004, processo n.º 2364/04-5ª; de 09-12-2004, processo n.º 4118/04-5ª; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5ª; de 13-07-2006, processo n.º 2172/06-5ª; de 07-12-2006, processo n.º 3053/06-5ª; de 27-11-2007, processo n.º 3310/07 -5ª; de 06-12-2007, processo n.º 3160/07-5ª; de13-12-2007, processo n.º 2307/07-5ª; de 13-03-2008, processo n.º 2589/07-5ª; de 03-07-2008, processo n.º 1226/08-5ª; de 11-09-2008, processo n.º 587/08-5ª; de 11-02-2009, processo n.º 313/09-3ª; de 25-02-2009, processo n.º 390/09-3ª; de 12-03-2009, processo n.º 611/09-3ª; de 15-04-2009, processo n.º 3704/08-3ª.

No acórdão de 11-07-2006, revista n.º 1749/06-6ª, consignou-se que salvo caso de manifesto arbítrio na fixação da indemnização, o STJ não pode sobrepor-se ao Tribunal da Relação na apreciação do quantum indemnizatório por esta julgado equitativo.
O juízo equitativo é critério primordial e sempre corrector de outros critérios. …”;

- Acórdão do STJ de 28/10/2010, relatado por Lopes do Rego no proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1, do qual citamos: “…Temos entendido que – quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, - ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub juditio».

Como se afirma, por ex., no ac. de 5/11/09, proferido no p. 381-2002.S1:
Finalmente – e no nosso entendimento – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá , em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e , em última análise, o princípio da igualdade. …”;
- Acórdão do STJ de 07/12/2011, relatado por Santos Carvalho no proc. 461/06.4GBVLG.P1.S1, do qual citamos: “…Além de que não só «escapam à admissibilidade de recurso “as decisões dependentes da livre resolução do tribunal”» como, em caso de julgamento segundo a equidade, «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses [que não é a dos autos] em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”» (STJ 16-10-2000, recurso n.º 2747/00-5, 17-06-2004, recurso n.º 2364/04-5 e STJ 27-11-2007, recurso n.º 3310/07-5). …”;

- Acórdão da RC de 01/02/2012, relatado por Maria Pilar de Oliveira, no proc. 6/06.6PTLRA.C1, do qual citamos: “…Como o dano não patrimonial consiste num prejuízo que atinge bens imateriais, insusceptível de avaliação pecuniária, é irreparável mas susceptível de ser compensado por um equivalente monetário, residindo a dificuldade em encontrá-lo, por apelo, sempre imperfeito, ao que o dinheiro pode propiciar e que constitua um lenitivo no sentido de encontrar um equilíbrio entre a dor psicológica e física e o que o dinheiro em substituição pode propiciar. No encontro desse ponto de equilíbrio reside o exercício da equidade, critério para que a lei aponta.
E nesta matéria, ao invés de buscar exemplos que possam servir de comparação, entende-se mais significativo salientar que o Supremo Tribunal de Justiça vem acentuando que estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida (cfr. entre outros o Acórdão de 7.12.2011 proferido no processo 461/06.4GBVLG.P1.S1 publicado em www.dgsi.pt), como igualmente acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica (cfr. entre outros o Acórdão proferido no processo 526/08.4TMS.P1.S1 de 8.6.2010). …”.
[14] Tenha-se em conta o lapso corrigido.