Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
783/20.1T8BRG.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: ACÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
NULIDADE DA SENTENÇA
CADUCIDADE DA ACÇÃO
NULIDADES E ANULABILIDADES DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
JUSTA CAUSA DE DESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. A contradição entre factos provados não integra a nulidade da decisão do art.615º/1-c) do C. P. Civil mas pode desencadear um dos efeitos do art.662º/2-c) do C. P. Civil.
2.O prazo de 30 dias para instaurar ação de anulação de deliberação social, tomada em assembleia onde o sócio não diligenciou por estar presente ou se fazer representar, conta-se desde o encerramento da assembleia (art.59º/2-a) do C. S. Comerciais), e não desde o conhecimento da ata da mesma (art.59º/2-c) do C. S. Comerciais), quando o sócio foi previamente convocado para a assembleia com a indicação do assunto da deliberação (destituição do sócio gerente, nos termos do art.257º/1 e 2 do C. S. Comerciais, norma respeitante à livre destituição, com ou sem justa causa), nos termos do art.377º/8-1ª parte, ex vi do art.248º/1 do C. S. Comerciais, ainda que a convocatória não tenha indicado os factos concretos que viriam a fundamentar a proposta de destituição por justa causa apresentada na assembleia, indicação essa inexigível para a contagem do prazo da ação de anulação.
3. A contagem do prazo de caducidade, em caso de absolvição da instância, obedece ao regime dos arts.331º, 332º e 327º/3 do C. Civil, ressalvado no regime processual do art.279º/2 do C. P. Civil. Para os efeitos do art. 327º/3 do C. Civil é imputável ao autor a absolvição da instância por incompetência material do Tribunal, em relação a ação na qual foi formulado o pedido principal de declaração de nulidade e de anulação de deliberações sociais (de que os demais pedidos eram dependentes) e foi instaurada no Juízo Central Cível e não foi instaurada no Juízo de Comércio (art.128º/1-c) e d) da LOSJ).
4. Não é nula a deliberação de destituição de gerente por justa causa, realizada por maioria dos sócios presentes na assembleia geral da sociedade por quotas, nos termos do art.56º/1-d) do C. S. Comerciais, em referência ao regime imperativo do art.257º/3 do C. S. Comerciais (para quando existe um direito especial à gerência), por não se poder interpretar a cláusula 4ª do contrato social («1. A administração da sociedade, remunerada ou não conforme for deliberado em assembleia geral, bem como a representação, cabem a todos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes. 2. Para vincular a sociedade em todos os seus actos e contratos, é necessária a intervenção de três gerentes.»), de acordo com os arts.236º ss do C. Civil, como instituindo um direito especial à gerência de cada um dos 3 sócios da sociedade (pois, em caso de dúvida sobre a interpretação de cláusula, é menos oneroso e mais equilibrado interpretar, nos termos do art.237º do C. Civil, que a atribuição aos sócios da administração e da representação da sociedade é vestibular da sua nomeação como gerentes, passível de realizar na assembleia, sem a compressão da regra supletiva de nomeação futura de gerentes do art.252º/2 e 1 do C. S. Comerciais e sem atribuição a cada um dos três sócios de direitos especiais (art.24º do C. S. Comerciais), a acrescer aos direitos gerais de que todos dispõem (art.21º do C. S. Comerciais).
5. A descaracterização da justa causa de destituição (nomeadamente por os factos que fundamentarem não terem a gravidade exigida pelo art.257º/6 do C. S. Comerciais, por estarem justificados por outros factos e/ou por a invocação da justa causa pelos sócios votantes ser abusiva por violação da boa fé, na vertentes do venire contra factum proprium): pode ser relevante na ação em que seja pedido o reconhecimento da falta de justa causa da destituição e se peça a condenação em indemnização por destituição sem justa causa (art.257º/7 do C. S. Comerciais); mas não é relevante para decretar a nulidade da deliberação de destituição por justa causa por invocado abuso de direito (art.56º/1-d) do C. S. Comerciais ou 334º d C. Civil), uma vez que a deliberação de destituição de sócio gerente sem direito especial à gerência é livre e pode ser tomada com ou sem justa causa (art.257º/1 e 2 do C. S. Comerciais), conduzindo a falta de justa causa apenas a efeitos indemnizatórios (art.257º/7 do C. S. Comerciais).
6. Quando a matéria de facto provada e não provada, que foi impugnada no recurso, não é relevante para a decisão do objeto do litígio e do recurso (nomeadamente, por integrar fundamentos da descaracterização da destituição por justa causa referidos em 5 supra, não relevantes para a apreciação do pedido de nulidade da deliberação formulado na ação), pode ser rejeitada a apreciação de mérito da impugnação e ser expurgada da decisão de facto (de matéria provada e não provada) toda a matéria impugnada irrelevante para a decisão.
Decisão Texto Integral:
As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte:

ACÓRDÃO

I. Relatório:

Na presente ação de anulação de deliberações sociais, sob a forma de processo comum, movida por AA contra E..., L.da:

1. O autor, por petição inicial de 04.02.2000, dirigida ao Juízo Central Cível ...:

1.1. Pediu:
a) Que fosse declarada nula ou anulável a deliberação social constante da ata nº...2, que aprovou a sua destituição do cargo de gerente da sociedade ré, bem como declarados inválidos e sem efeito todos os atos praticados e que se tivessem produzido ou viessem a produzir em resultado daquela deliberação, designadamente a nomeação para gerente de BB.
b) Que, em consequência da ilicitude da deliberação de destituição, fosse investido no cargo de gerente da sociedade ré, condenando-se esta a pagar-lhe as remunerações mensais que deixou de auferir desde a data da sua destituição até à efetiva reintegração no cargo de gerente, no montante mensal de € 3.100,00, acrescidos do montante em dinheiro de € 1 000,00.
c) Que, subsidiariamente, fosse reconhecida a falta de justa causa na destituição do cargo de gerente da ré e fosse esta condenada a pagar-lhe a indemnização prevista no artigo 257º/7 do C. S. Comerciais, no valor de € 229 600,00, acrescido dos juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.
1.2. Como fundamento dos pedidos, em síntese:
1.2.1. Alegou, como enquadramento geral (arts.1º a 9º da petição inicial):
a) Que é sócio da ré com uma quota correspondente a 33, 33% e que o art. 4º do contrato de sociedade incumbiu a gerência aos três sócios, sendo necessária a intervenção dos três para obrigar a sociedade.
b) Que foi convocado, por notificação judicial avulsa, para uma assembleia em que a ordem de trabalhos integrava: a sua destituição como gerente nos termos do art.257º/1 e 2 do C. S. Comerciais; a nomeação de nova gerente; a alteração do art.4º do contrato de sociedade, nos termos indicados; outros assuntos de interesse geral.
c) Que não esteve presente na assembleia, nem se fez representar, tendo tido conhecimento da ata da mesma (nº...2) a 08.01.2020, altura em que teve conhecimento da sua destituição como gerente e dos factos que fundamentaram a sua destituição com justa causa.
1.2.2. Alegou, como fundamentos da anulabilidade da deliberação de destituição (arts.24º a 32º da petição inicial): que não constavam da convocatória os factos que integravam os comportamentos e as condutas que lhe foram imputados, com base nos quais veio a ser destituído por justa causa, o que considera abusivo, ilegal e fundamento de anulabilidade.
1.2.3. Invocou e alegou, como fundamentos da nulidade da deliberação de destituição, a violação do art.4º do contrato de sociedade, que atribui ao autor um direito especial à gerência, face ao qual apenas poderia ser destituído por justa causa e por via judicial ou por alteração prévia do contrato de sociedade, não estando a destituição, por natureza, sujeita a deliberação dos sócios (arts.13º a 16º da petição inicial).
1.2.4. Impugnou os factos constantes da ata nº...2 como fundamento da justa causa da destituição e alegou factos com vista a justificar alguns dos comportamentos que lhe foram imputados:
a) Quanto aos factos em geral: impugnou-os (arts.10º-1ª parte, 17º, 23º-1ª parte, 65º da petição inicial) e defendeu que os atos surpresa que lhe foram imputados, ainda que fossem verdadeiros, não levariam a qualquer prejuízo patrimonial ou para a própria imagem da ré, sendo pormenores que poderia justificar e atualizar nos serviços administrativos da ré se esta permitisse, nem implicariam justa causa de destituição (arts.23º-2ª parte, 80º a 82º, 84º da petição inicial).
b) Quanto às imputações feitas em especial como fundamento da deliberação de destituição de gerente por justa causa nos pontos 1 a 8 da ata:
b1) No que se refere à falta de entrega no escritório da empresa de talões dos depósitos em cheque e em numerário realizados (para que se pudesse fazer o acerto com as contas dos clientes) e à falta de realização das conciliações de pagamentos:
__ Impugnou de forma simples e motivada a imputação (arts.33º a 35º, 38º, 46º e 47º da petição inicial).
__ Alegou, em exceção: que, após o tempo de ausência de uma trabalhadora da ré entre 2018 e 2019, só pôde fazer os acertos da conta corrente quando esta regressou em 2019 (arts.36º a 42º da petição inicial); que nunca ninguém da ré o alertou da necessidade de realizar as conciliações ou alegou que tal estava a ser reclamado pelos clientes ou perturbava o funcionamento da empresa (art.43º da petição inicial); que, numa das operações de conciliação que estava a fazer com a trabalhadora, esta foi impedida pelo sócio CC de o continuar a fazer, sócio que mais tarde a veio a proibir também de realizar essas operações; que apenas ficaram por realizar três ou quatro conciliações e, face aos referidos impedimentos, respeitantes aos clientes indicados na ata nº...2 (arts.34º e 45º da petição inicial), clientes em relação aos quais alegou que a A... tinha problemas de contabilidade (arts.48º a 50º da petição inicial), que a cliente 840 – B... tinha uma dívida com a ré que ficaria saldada em acerto de contas por o próprio ter um  automóvel a reparar na sua oficina (arts.53º e 54º da petição inicial), que a cliente V... era um bom cliente e pagaria a sua dívida insignificante de € 72, 58, conforme já há muito informara a ré (art.55º da petição inicial).
b2) No que respeita à má-imagem causada à ré pelos comportamentos imputados ao autor: impugnou o facto (arts.51º e 52º da petição inicial).
b3) No que se refere às suas despesas: impugnou que a ré tivesse deliberado a entrega semanal dos comprovativos de despesas e que não os tivesse entregado e afirmou que sempre poderiam ser verificadas no extrato bancário do cartão as despesas em relação às quais foi imputado a falta de comprovativos (arts.56º e 58º da petição inicial); alegou que sempre usou este procedimento há mais de 15 anos (de entregar as despesas quanto fosse solicitado), sem que a ré ou os seus sócios alguma vez o tivessem questionado (art.57º da petição inicial).
b4) No que respeita à falta de rotinas de trabalho: impugnou os factos (arts.58º a 61º da petição inicial).
b5) No que se refere ao processo de contraordenação: impugnou o facto (arts.62º a 64º da petição inicial).
1.2.5. Defendeu o abuso de direito da fundamentação da justa causa de destituição (ao concluir que «Em concreto, nunca a destituição do cargo de gerente possa revelar justa causa, o que foi abusivamente invocado na deliberação constante da ata nº...2 e a fere de abuso de direito» e «Assim, ainda que (…) se possa entender que (…) a assembleia geral da Ré tinha a possibilidade legal de destituição de gerente do A. (…), nunca  a mesma poderia, com base nos factos que constam da ata nº...2, ser fundamentada em justa causa» (arts.87º e 88º da petição inicial), sem indicar expressamente o efeito decorrente do mesmo e por si pretendido, defesa essa no âmbito da qual alegou: que a sociedade sempre apresentou resultados positivos (art.69º da petição inicial); que tem experiência de vários anos, foi sempre zeloso, cumpridor e considerado pelos clientes (art.70º da petição inicial); que até à data em que os sócios se incompatibilizaram nunca foi feito qualquer reparo à sua forma de trabalhar (art.71º/1ª parte da petição inicial); que aguardou o regresso da trabalhadora DD para fazer os acertos das contas dos clientes e que foi a própria gerência da ré quem o impediu de realizar com a mesma a conferência e a conciliação dos movimentos em falta (arts.83º, 85º a 86º da petição inicial); que os sócios gerentes EE e CC pretenderam beneficiar pessoalmente a mulher daquele como nova gerente (que nada sabe da atividade e dos clientes), afastando-o da gerência da sociedade apenas com o intuito de poderem manipular a empresa a seu belo prazer e com vista a prosseguirem interesses pessoais (arts.22º, 71º/2ª parte a 74º, 79º da petição inicial), após contexto de dissensões desde 2018 e de tentarem comprar a sua quota sem sucesso (arts.18 a 22º da petição inicial); que os gerentes atuais estão a prejudicar intencionalmente os interesses patrimoniais da ré/sociedade (arts.77- 1ª e 78º parte da petição inicial).
1.2.6. Invocou e alegou também, como fundamento dos pedidos b) e c) referidos em I- 1.1. supra: o prejuízo causado pela sua destituição, face aos rendimentos que indica que deixou de auferir, estando contratado um novo funcionário para a sua antiga zona de Trás-os-Montes (arts.66º a 68º, 75º, 76º, 77º-2ª parte da petição inicial); as operações de contabilização dos valores pedidos nos pedidos b) e c) (arts.89º a 92º da petição inicial).
2. A ré apresentou contestação, na qual:
2.1. Defendeu-se por exceção, invocando: a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria; a exceção perentória de caducidade, defendendo que caducou o direito de anulação, uma vez que a assembleia ocorreu a 2 de janeiro de 2020, o prazo de instauração da ação era de 30 dias (art.59º/2-a), b) e c) do C. S. Comerciais; art.298º/2 do C. Civil) e a ação entrou no Tribunal a 4 de fevereiro de 2020.
b) Defendeu que, face ao contrato de sociedade, não existe qualquer direito especial à gerência previsto nos arts.24º/1 e 257º/3 do C. S. Comerciais.
c) Defendeu a justa causa da destituição, alegando, em referência aos temas da justa causa indicados na ata nº...2, os factos respeitantes aos mesmos.
3. O autor, em 25.02.2020, pronunciou-se quanto: à exceção de incompetência; à exceção de caducidade, defendendo que, não constando da ordem de trabalhos os factos que lhe eram imputados e apenas tendo tido conhecimento dos factos novos a 09.01.2020, quando recebeu a ata nº...2 enviada a 08.01.2020, apenas se pode contar o prazo de caducidade desde aquela data de 09.01.2020, sendo a ação tempestiva nos termos do art.59º/2-b) do C. S. Comerciais.
4. A 4 de setembro de 2020 foi proferido despacho, que: julgou verificada a exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria, absolveu a ré da instância dos pedidos formulados pelo autor; e ordenou, após trânsito em julgado, a remessa dos autos ao tribunal competente, nos termos do art.99º/2 do C. P. Civil.
5. Remetidos os autos ao Juízo de Comércio ..., onde entraram a 30.09.2020 e aí foram distribuídos, após ter sido ordenada a notificação das partes para se pronunciarem sobre a incompetência material do referido Juízo para apreciar o pedido de condenação em indemnização por destituição sem justa causa, a 25.11.2020 foi proferido despacho em fase de saneamento do processo, com dispensa de realização de audiência prévia, no qual:
5.1. Conheceu-se da exceção dilatória de incompetência do tribunal de comércio para conhecer do pedido de indemnização por destituição sem justa causa, nos seguintes termos constantes do final da decisão:
«Também assim entendemos, pelo que este tribunal é incompetente em razão da matéria para julgar do pedido de declaração de destituição sem justa causa e consequente condenação solidária da R a pagar ao A a quantia de € 229.600,00 a título de indemnização por destituição sem justa causa.
Pelo exposto, sendo a presente exceção matéria que deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal, procede a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria do pedido acima apontado, julgando-se este Juízo de Comércio incompetente para conhecer do mesmo e, nessa medida, julgar extinta a instância quanto a esse pedido- artigos 96º, alínea a), 97º, nº1, 99º, nº1 e 278º, nº1, alínea a) todos do CPC.».
5.2. Foi relegado o conhecimento da exceção de caducidade para o final.
5.3. Identificou-se o objeto do litígio («aferir dos pressupostos de verificação de nulidade ou anulabilidade da deliberação social e destituição do A de gerente tomada na assembleia geral de 2-1-2020».
5.4. Fixaram-se os temas de prova, nos seguintes termos:
«-apurar da data em que o A teve conhecimento do teor da deliberação da assembleia geral de 2-1-2020;
-apurar se a deliberação de destituição do gerente é anulável por não constar da ordem de trabalhos a destituição do gerente com justa causa;
- apurar se a deliberação de destituição do gerente é nula por violar o direito especial à gerência do A».
5.5. Foi admitida a prova e designada data para a audiência de julgamento.
6. Inconformado, o autor recorreu do despacho saneador, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães decidido a 08.02.2021 julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida quanto à incompetência deste Tribunal de Comércio para conhecer do pedido indemnizatório por destituição sem justa causa, nos seguintes termos finais:
«Assim sendo, e aderindo a tal Jurisprudência, entendemos que também no caso dos autos, o Tribunal Recorrido é incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido subsidiário deduzido sob a al.. c) (ser reconhecida a falta de justa causa na destituição do autor do cargo de gerente da ré e ser esta condenada a pagar ao autor a indemnização prevista no artº 257, nº 7 do CSC, do montante de 229.600,00€).
Impõe-se, assim, a improcedência da apelação.»
7. A 04.03.2021 o autor declarou reduzir o pedido e pediu a retificação do valor da ação, nos seguintes termos:
«Em sede do, aliás douto, despacho saneador proferido, confirmado pelo Acórdão do Tribunal da Telação de Guimarães, julgou-se o tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar os pedidos formulados pelo aqui Autor sob as alíneas c) e d) da petição inicial, julgando extinta a instância quanto a esses mesmos pedidos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 96.º alínea a), 97.º n.º 1, 99.º n.º 1 e 278 n.º 1 alínea a) do CPC.
Em face de tal entendimento, torna-se necessário corrigir o valor atribuído à presente causa.
Assim, e não tendo sido fixado o valor da causa no despacho saneador já proferido, nos termos e para os efeitos do nº 1 e 2.º do artigo 306.º do CPC, o Autor vem requerer a redução do pedido por si formulado nos autos.
Dispõe o artigo 265.º n.º 2 do CPC que “o Autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido … até ao encerramento da discussão em 1.º instância …”.
Por sua vez, o artigo 296.º do Código de Processo Civil refere que “a toda a causa deve ser atribuído um valor certoo qual representa a utilidade económica imediata do pedido”, referindo o artigo 303.º da mesma disposição legal que “as acções sobre interesses imateriais”, como in casu, “consideram-se sempre de valor equivalente á alçada da Relação e mais € 0,01.”
Deste modo, face ao supra exposto e atendendo ao pedido e à causa de pedir dos autos, requer o Autor a redução do seu pedido, para o montante de € 30.000,01, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º e n.º 1 do artigo 303.º do Código de Processo Civil, devendo ser este, o valor a atribuir à presente causa.».
TERMOS EM QUE,
Atento o exposto supra, deve admitir-se a presente redução do pedido, corrigindo-se, em conformidade, o valor da ação para o montante de € 30.000,01.».
8. A 14.05.2021, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
«(…) Cumpre decidir.
Dispõe o artigo 299º, nº1 CPC que na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal.
Não é o caso dos autos já que não foi deduzida reconvenção nem intervenção principal.
Mas foi julgado incompetente este tribunal para apreciar o pedido formulado na petição na parte constante das alíneas c) e d).
Então qual deve ser o valor da causa? (…)
Assim, o valor da causa é de € 229.600,00, quantia fixada pelo A na petição e correspondente à utilidade económica do pedido aquando da apresentação da petição inicial.
Pelo exposto, indefiro a requerida alteração do valor da causa.».
9. Posteriormente, realizou-se a audiência de julgamento, na qual:
9.1. A ré pediu que o Tribunal conhecesse imediatamente da exceção de caducidade (defendendo, ainda, que o autor não aproveitava da extensão do prazo do art.279º/2 do C. P. Civil ou dos arts.327º/3 e 332º/1 do C. Civil, por lhe ser imputável o motivo processual que determinou a absolvição da instância, pelo que estaria decorrido o prazo, contado entre a notificação da ata ao autor e a propositura da ação nesse tribunal competente), o que, após contraditório do autor, foi indeferido pelo tribunal a quo face ao decidido no despacho saneador.
9.2. O autor pediu a sua audição em declarações de parte à matéria dos arts.9 a 12, 14, 18 a 31, 34 a 64, 67 a 86 da petição inicial, tendo sido proferido despacho a admitir as declarações de parte do autor à matéria de que este tivesse conhecimento pessoal.
9.3. Ouviram-se o autor e os três gerentes da ré em declarações de parte e inquiriram-se as testemunhas arroladas pelas partes.
9.4. Encerrou-se a audiência de julgamento com as alegações dos mandatários das partes.
10. A 25.11.2021 proferiu-se sentença, que decidiu:
«Pelo exposto,
a) julgo verificada a exceção de caducidade do direito de interpor a ação com fundamento em anulabilidade da deliberação;
b) absolvo a R E..., L.da, dos pedidos contra si deduzidos.
Custas pelo A- artigo 527º, nº1 e 2 CPC.».
11. O autor interpôs recurso de apelação da sentença, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1. É entendimento do Recorrente que o seu direito de ação não se encontra caduco, contrariamente ao que entendeu o tribunal recorrido.
2. Como decorre dos preceitos dos artºs 332, nº 1 e 327, nº 3 ambos do Cód. Civil, a questão suscitada reconduz-se a saber se a absolvição da instância, por incompetência do tribunal, numa ação de anulação de deliberação social, deve ou não ser imputável ao aqui Recorrente.
3. O Ac. Rel. do Porto proferido em 06/10/2008, no âmbito do processo 0840011, disponível em www.dgsi.pt, dispõe que “a absolvição da instância, por incompetência do tribunal, não deve ser imputável ao autor quando a complexidade da causa de pedir ou a dificuldade de interpretação da lei sobre a competência possam justificar o erro na escolha do tribunal competente “.
4. Na doutrina, afirma Vaz Serra que, pode não ser imputável a negligência ao titular do direito, o facto de se ter proposto a ação num tribunal incompetente, por exemplo, “por ser difícil a interpretação da lei sobre a competência. (Prescrição extintiva e caducidade, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, 1961, p. 257, nota 1010)
5. É princípio aceite e invariavelmente afirmado na nossa jurisprudência, o de que a competência do tribunal, tal como sucede com todos os pressupostos processuais, deve ser aferida pelo desenho da lide resultante dos termos do pedido formulado na petição inicial.
6. Ora, no que ao caso sub judice diz respeito, se quanto ao primeiro pedido formulado pelo Recorrente na sua petição inicial de “ser declarada nula ou anulável a deliberação social constante da ata número ...2 que aprovou a destituição do recorrente” não há dúvidas de que cai na esfera da al. d) do art. 128º da LOSJ supra citado, já relativamente aos restantes pedidos efetuados, tal assim não acontece.
7. Relativamente ao segundo pedido formulado pelo recorrente na petição inicial, designadamente o de “condenar a R. a pagar ao A. as remunerações mensais que este deixou de auferir, desde a data da sua destituição até à efetiva reintegração no cargo de gerente, no montante mensal bruto de 3.100,00€, acrescidos do montante em dinheiro de 1.000,00€, bem como, a indemnização reclamada nos termos do artº 257, nº 7 do CSC, do montante de 229.600,00€”, a nossa jurisprudência tem considerado ser esta matéria da competência dos juízos cíveis dos Tribunais Judiciais e não do Tribunal de Comércio.
8. No que ao ponto concreto se refere, dispõe, ainda, o artº 82º nº 2 do CPC que “Se o autor cumular pedidos para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos tribunais, pode escolher qualquer deles para a propositura da acção……”.
9. O recorrente, tal como resulta da p.i., deduziu vários pedidos, sendo certo que, tal como se veio a demonstrar, a competência para o respetivo julgamento cabe a tribunais diferentes, isto é, o Tribunal de Comércio para o primeiro pedido e o Tribunal Judicial para o segundo pedido.
10. Daí que, salvo melhor opinião, e segundo a disposição legal supracitada, podia o Recorrente ter optado por qualquer um dos Tribunais competentes, em função dos pedidos formulados, para a propositura da ação, o que efetivamente fez, razão pela qual, em matéria de caducidade, estando em causa o direito de ação, entende o Recorrente que não deve ser penalizado por ter efetuado uma opção quanto à competência do Tribunal, relativamente a uma questão que o próprio sistema jurídico não dá uma resposta clara e inequívoca e faculta ou permite ao Recorrente a opção de intentar a ação em qualquer dos Tribunais competentes para apreciar os pedidos que deduziu no seu articulado inicial.
11. Acresce que, independentemente de tal questão, nunca o direito de ação por parte do aqui Recorrente teria caducado face à suspensão dos prazos de caducidade determinada pelo estado epidemiológico que assolou o nosso país.
12. De facto, a respeito da caducidade do direito de propor a ação, importa considerar, tal como supra referido, o disposto no artigo 332 n.º 1 do Código Civil, o qual refere que “quando a caducidade se referir ao direito de propor certa ação em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 327.º do Código Civil”, mas se o prazo para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito.
13. A referida disposição legal respeitante à caducidade do direito de ação do Recorrente, devia ter sido interpretada com referência à Lei da suspensão dos prazos processuais aprovada no âmbito das medidas de contenção tomadas pela necessidade de controle da pandemia Covid 19 e perante a declaração do estado de emergência.
14. De acordo com o disposto no artº 6º-B e 6ºC da Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março - à data em vigor – e alterada posteriormente pela Lei 4/B/2021 de 1/02, foi decretada a suspensão dos prazos de caducidade, determinando a referida Lei que, a situação excecional constituiu igualmente causa de suspensão dos prazos de caducidade e ainda que, em matéria de prescrição ou caducidade, prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo correspondente à vigência da suspensão.
15. Assim, uma vez que o despacho de absolvição da instância da Recorrida só foi proferido apenas em 04/09/2020, só após esta data que é que se inicia o prazo de contagem dos dois meses a que se reporta o nº 3 do artº 327 do CC e não sobre a data em que a deliberação foi notificada de 9/01/2020.
16. Daí que, atento igualmente o disposto nos normativos legais acima citados, deveria o tribunal recorrido ter considerado, na situação sub judice, as regras relativas à suspensão dos prazos de caducidades impostas pelo estado epidemiológico e o seu reflexo direto na contagem do prazo da caducidade, e em face de tal facto, ter considerado não se verificar a caducidade do direito de ação do aqui recorrente.
17. Deve assim, ser revogada a decisão do tribunal recorrido no que concerne à verificação da exceção da caducidade do direito do recorrente de interpor a ação de anulação da deliberação em apreço, devendo a mesma ser substituída por outra que decida pela não verificação da aludida exceção de caducidade.
18. O Recorrente alegou na sua p.i. vícios conducentes à nulidade da deliberação impugnada, os quais, por força do disposto no artº 286 do CC, são invocáveis a todo o tempo, podendo mesmo esta ser oficiosamente declarada pelo tribunal, pelo que, a deliberação recorrida, constante da ata nº ...2 datada de 2 de Janeiro de 2020, sempre haveria de ter sido declarada nula e de nenhum efeito.      
19. A deliberação constante da ata 22 só podia ter sido validamente tomada com o recurso simultâneo à alteração do contrato de sociedade.
20. Como resulta do artigo 3º da matéria de facto dada como provada “A administração e representação da Ré, conforme foi previsto no artigo 4.º do contrato de sociedade foi incumbida no contrato de sociedade a todos os seus sócios, nomeados gerentes naquele acto de constituição da empresa, sendo que, para vincular a sociedade em todos os actos e contratos é necessária a intervenção de três gerentes, conforme resulta do previsto no artº 4 do pacto social que se junta.”.
21. O artº 4º do pacto social dispõe expressamente o seguinte: “A administração da sociedade, remunerada ou não, conforme for deliberado em assembleia geral, bem como, a sua representação, cabe a todos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes”.
22. O que se verifica em resultado da deliberação tomada aqui em crise no presente processo é que a recorrida “E..., L.da, está a ser administrada e representada em juízo não por todos os seus sócios, tal como expressamente consta do seu pacto social, mas apenas por dois deles e um terceiro gerente, externo e de fachada, não sócio.
23. Desde a sua constituição em 2 de Março de 2004 que, em obediência ao disposto no artigo 4.º do pacto social a Ré sempre foi gerida pelos seus 3 sócios fundadores, (cfr artigo 8.º da matéria de facto provada), sendo que, ficou expressamente previsto no artigo 4º do pacto social que “a administração da sociedade, remunerada ou não - conforme for deliberado em assembleia geral, bem como a sua representação, cabem a todos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes”. (Cfr artigo 9º da matéria de facto provada)
24. Esta remissão do artº 4 do pacto social da Recorrido quanto à sua administração e representação em juízo para todos os sócios constitui uma verdadeira clausula imperativa do pacto social cuja alteração é essencial para que a composição da gerência possa ser diferente daquela que foi expressamente prevista por todos os sócios fundadores da empresa.
25. Se tivesse sido outra a intenção dos sócios fundadores bastava que se tivesse previsto no pacto que para administrar e representar a empresa era necessária a assinatura de três gerentes, ficando desde logo nomeados os seus três sócios.
26. No caso concreto, estamos perante uma situação em que os sócios previram de forma expressa e voluntária no seu pacto social que a gerência da empresa cabe a todos os sócios.
27. Aliás, foi este o sentido que o A. Recorrente em sede de declarações de parte gravadas digitalmente no ficheiro ...46-2870549 assegurou ao tribunal.
28. Esta versão ou entendimento do recorrente foi confirmada em declarações de parte pelo gerente CC, as quais se encontram gravadas digitalmente no ficheiro ...46-2870549, com a duração global de 15:21.
29. Correspondendo à vontade de todos os sócios e tendo sido vertida no pacto social a intenção de que todos eles deviam ser os gerentes da empresa, sem se proceder a uma alteração do artigo 4º do pacto social, a deliberação em crise é nula, pois viola preceitos imperativos expressos no contrato de sociedade.
30. E nem se diga que a própria empresa recorrida não estava consciente deste problema da necessidade de alteração do artº 4 do seu pacto social.
31. Do ponto três da ordem de trabalhos da convocatória enviada ao Recorrente consta expressamente que:
3.º Alteração do artigo 4.º do Pacto Social passando o mesmo a dizer o seguinte: 1. A administração da sociedade, remunerada ou não, conforme deliberado em assembleia geral, bem como, a sua representação, cabem a três gerentes, podendo ou não ser os seus sócios. 2. Para vincular a sociedade em todos os seus actos e contratos, é necessário a intervenção de dois gerentes;
32. Daqui resulta a consciência da própria Recorrida da necessidade de alteração do seu pacto social para poder destituir de gerente o Recorrido e nomear em sua substituição um terceiro estranho à sociedade, uma vez que o pacto social original não o permitia.
33. Estava vedado à livre disposição dos sócios em assembleia geral e sem o quórum legal necessário fazer a destituição de gerente do A./Recorrido e nomear em sua substituição um terceiro, externo à empresa, sem previamente ter feito a alteração do pacto social, designadamente, a redação inicial conferida ao seu artigo quarto, por forma a poder administrar e representar a empresa uma pessoa não sócio e estranha à empresa.
34. A deliberação de destituição do aqui Recorrente das funções de gerente, é abusiva, uma vez que, apenas se destinou a privilegiar o interesse dos dois sócios-gerentes em detrimento do aqui Recorrente.
35. Foi nomeada como gerente, na assembleia geral de 02-01-2020, a Sra BB, esposa do gerente EE e irmã do outro gerente CC, a qual, nada sabe do negócio da Ré, não conhece as peças e os materiais que são vendidos, não conhece os clientes ou fornecedores nem executa qualquer outra atividade na empresa Recorrida, para além da assinatura dos documentos que lhe são pedidos pelos outros dois sócios- cfr artigo 22.º da matéria de facto dada como provada.
36. A nomeação como gerente da esposa de um dos gerentes da Recorrida, destinou-se apenas a contornar a obrigação de fiscalização imposta pelo contrato de sociedade aos três sócios, a qual, tal como já referido e prevista no artigo 4.º do pacto social, ficou incumbida no contrato de sociedade a todos os sócios e que foram nomeados gerentes naquele ato de constituição da empresa.
37. Nos termos expostos supra, a deliberação em crise que destituiu o Recorrente de gerente da Ré é nula, pois foi tomada sem assegurar a alteração do contrato de sociedade, designadamente, o disposto no artigo 4.º do pacto social, com violação expressa das disposições conjugadas dos artigos 257º nº 5, 56.º al. d) ambos o Código das Sociedades Comerciais e por imposição do estipulado pelos artigos 980.º e 981.º do Código Civil, com todos os efeitos legais previstos no artº 286.º do Código Civil.
38. A deliberação de destituição do recorrente constante da ata número ...2 foi tomada em manifesto e absoluto abuso de direito, exercido por parte da recorrida e com vista a favorecer o interesse pessoal dos dois sócios presentes na assembleia.
39. Tal como foi alegado pela recorrida no seu articulado, o comportamento que motivou a destituição do recorrente do cargo de gerente foi sempre o comportamento que este assumiu e praticou no âmbito da empresa desde a altura da constituição da sociedade Ré, em 2004.
40. Não tem qualquer justificação, o porquê de só em 2020, passados mais de 15 anos da constituição da sociedade Ré/recorrida esta ter entendido que o seu comportamento era de tal modo grave que não havia outra solução, que não a sua destituição do cargo de gerente.
41. Uma parte dos factos ou fundamentos que estiveram na base da deliberação de destituição do Recorrente do cargo de gerente reportam-se ao ano de 2016 - cfr artigo 41.º da matéria de facto dada como provada – os quais sempre foram do conhecimento dos restantes sócios.
42. Estas situações invocadas pela recorrida, nunca poderiam fundamentar a deliberação de destituição com justa causa atento o prazo consagrado e disposto no artº 254, nº 4 do CSC, aplicável por analogia mesmo a situações que não configurem a violação do dever de não concorrência.
43. Se desde 2004 a recorrida aceitou e se conformou com o comportamento do recorrente, nunca tendo tomado qualquer medida concreta para alterar o que quer que fosse, decorridos mais de 15 anos sobre o mesmo comportamento do Recorrente, não pode agora tal aceitação ou reconhecimento tácito vir fundamentar uma destituição e com justa causa do gerente visado.
44. O que não foi muito grave durante mais de 15 anos (o comportamento do Recorrente visado na deliberação de destituição) e não mereceu qualquer censura ou medida sancionatória por parte da Recorrida, não pode depois em 2020 revestir tal gravidade que possa fundamentar a destituição de gerente e com justa causa.
45. É que desde logo e em primeiro lugar o decurso do tempo sobre os factos praticados pelo gerente e com o conhecimento dos restantes gerentes e sócios tem os inegáveis reflexos de extinguir por efeito da prescrição a sua responsabilidade e impedir que os mesmos sejam aptos a fundamentar a sua destituição com justa causa por esses mesmos fundamentos.
46. De qualquer modo, o que resulta à saciedade é que a destituição do Recorrente com justa causa configura, desde logo, um claro abuso de direito por parte da Recorrida e deveria ter sido declarado pelo tribunal recorrido, considerando a destituição ilegítima.
47. A razão deste amplo poder conferido à sociedade de destituir, a todo o tempo, não significa o total sacrifício dos interesses dos gerentes.
48. A deliberação de destituição de um gerente tem de satisfazer o interesse da sociedade ou, pelo menos, tal intenção ou propósito tem de presidir à mesma.
49. Nunca existiu qualquer causa válida, justificativa e atual, suscetível de integrar o conceito de justa causa, traduzido na violação grave dos deveres de gerente e capaz de fundamentar a destituição do recorrente do cargo de gerente.
50. É pacífico que a destituição com justa causa será aquela que tenha por fundamento a verificação de um motivo grave, de tal modo que não seja exigível à sociedade manter a relação de gerência.
51. Saliente-se, ainda, que para a justa causa de destituição, releva o facto que, pela sua gravidade e consequências, se tornar praticamente impossível a manutenção do gerente nas suas funções.
52. Todos os fundamentos constantes da ata número ...2 que serviram para destituir o aqui recorrente, foram devidamente justificados por parte deste, mas, ainda que o não fossem, o comportamento aí imputado ao recorrente como fundamento da sua destituição, não é de tal modo grave e ou atual que se revele apto ou capaz de justificar a sua destituição de gerente.
53. No que respeita aos depósitos efetuados na conta da empresa do Banco 1... e que a empresa alega não conhecer a quem se reporta, refira-se que, uma grande parte deles ocorreu já após a data do envio da convocatória da própria assembleia geral, ou seja, a carta registada da convocatória tem a data de 4/11/2019 e a notificação judicial deu entrada em tribunal no dia 26/11/2019 e os alegados depósitos que a empresa diz desconhecer prolongam-se para além da data destas convocatórias.
54. Mas mais estranho, é o facto de a empresa alegadamente desconhecer a que se reportam os depósitos efetuados na sua conta do Banco 1..., quantias que soma o valor total de 10.945,07€ e por outro lado, só ter desatualizado o extrato de conta de 4 clientes cujo montante total ascende ao valor de 8.956,53€.
55. Ora, esta disparidade de valores é inaceitável, pois desde logo, o que se verifica é que a aceitar que a empresa não sabe a quem pertencem depósitos efetuados na conta do Banco 1... no montante de 10.945,07€, no  mínimo, tem que ter contas de clientes que representem um diferencial de montante, pelo menos, de igual valor ou superior, quando a Recorrida apresenta apenas 4 clientes como sendo os que não têm o extrato correto, que perfazem um total de 8.956,53€, sendo que, o cliente 840 B..., possui um débito de 3.800,34€ não pagou, não obstante a empresa ter descontado ao recorrido este valor em valores por si a receber da empresa, perfazendo o restante apenas o montante de 5.156,19€.
56. A ser verdadeira a tesa da Recorrida empresa este valor supostamente em falta em clientes, nunca poderá ser inferior ao valor que alegadamente diz que se mostra excedentário em depósitos no Banco 1... e que não sabe a que clientes pertencem os pagamentos.
57. Para ser credível a tese da recorrida, muitos outros extratos de conta de clientes haveriam de se mostrar desatualizados o que não se verifica e só demonstra a falsidade dos argumentos invocados na deliberação.
58. Reitera-se, ainda que fossem verdadeiros, os factos alegados na deliberação constante da ata nº ...2 não são de tal modo graves que possam sustentar a deliberação com justa causa das funções de gerente exercidas pelo Recorrente.
59. Perante tais factos e evidências, deveria o tribunal recorrido ter configurado a situação dos autos de destituição de gerente do Recorrente com justa causa como um claro e manifesto abuso de direito, declarando a deliberação recorrida nula e de nenhum efeito ao abrigo do disposto da cláusula geral do artigo 334.º do Código Civil.
60. Assegurado como se mostrou supra a falta de verificação da exceção da caducidade, devia o Tribunal recorrido ter decidido que a deliberação constante da ata nº ...2 que aprovou a destituição do aqui recorrente do cargo de gerente é igualmente anulável.
61. Da convocatória da assembleia geral junta aos autos- artigos 4.º e 5.º da matéria de facto dada como provada - não consta qualquer alusão aos motivos ou fundamentos para destituir o Recorrente do cargo de gerente, não tendo tido o aqui Recorrente qualquer informação dos fundamentos em que a pretendida destituição assentava, para que se pudesse defender das acusações imputadas pela recorrida.
62. Por força do estatuído no artigo 248.º n.º 1 do CSC é aplicável às sociedades por quotas, o disposto no artigo 377.º do referido diploma legal.
63. O n.º 8 do artigo 377.º do Código das Sociedades Comerciais estabelece que “o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto, for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica á disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação…”
64. Estipula o artigo 58º al. c) do Código das Sociedades Comerciais que “são anuláveis as deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação”.
65. A convocatória para a assembleia geral da sociedade Ré, é completamente omissa quanto aos “mínimos de informação” atinentes às imputações ao aqui recorrente conducente à cessação do seu cargo, não lhe tendo sido fornecida qualquer informação sobre os fundamentos por que viria a ser deliberada a sua destituição.
66. Da convocatória para a assembleia geral do dia 2/01/2020, dirigida ao aqui Recorrente por notificação judicial avulsa, efetuada pelo sócio EE, não consta nenhum dos fundamentos que esteve na origem da fundamentação da deliberação tomada pela recorrida. (cfr artigo 5.º da matéria de facto provada)
67. De acordo com o Ac. do STJ de 15/01/2019, proferido no processo 5808/15.0T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, “As indicações dos fundamentos da exclusão de sócios visada pela sociedade são mínimos de informação habilitantes de defesa e contestação das imputações. Sendo a convocatória para a assembleia geral da Ré totalmente omissa quanto aos mínimos de informação atinentes às imputações aos gerentes conducentes à cessação antecipada dos seus mandatos, não lhes permitindo, nem antes nem na assembleia, saber dos fundamentos por que era pedida a destituição dos cargos, foi cometido vicio procedimental que torna a deliberação anulável”.
68. Como defende Joaquim Taveira Fonseca, Suspensão e Destituição dos Membros dos Orgãos de Administração das Sociedades por Quotas, V Congresso – Direito das Sociedades em Revista – Almedina, pág. 209, “No aviso convocatório deve constar a ordem do dia e a mesma ser inteiramente clara quanto à indicação nominativa do gerente a destituir. Também a fundamentação da proposta de destituição tem de ser colocada à disposição dos sócios e acionistas porque os mesmos têm de estar preparados para, no decurso da assembleia, poderem, na fase da discussão das propostas, participar nela invocando argumentos, pedir esclarecimentos, refutar, quando for caso disso, algumas das imputações, apresentando justificações, o que quase inevitavelmente sucederá se o gerente ou administrador for também sócio ou acionista. Só assim os sócios poderão exprimir, através do voto, a sua vontade sem equívocos e ou sem incorrer em erro.”.
69. Assim, é manifesto que, o tribunal recorrido, deveria ter entendido que foi cometido, de modo inquestionável, um vicio procedimental que torna a deliberação em crise, no mínimo, anulável.
70. Verifica uma contradição manifesta na resposta dada entre alguns pontos da matéria de facto por parte do tribunal recorrido, constando doutros pontos juízos de valor de caracter genérico e sem fazer referência a factos concretos e circunstanciados.
71. Ora, consta da matéria de facto dada como provada que:
10 - “Até finais de 2017, a relação entre os três sócios foi uma relação normal e sem conflitos, tendo a sociedade prosperado de acordo com as estratégias assumidas pela gerência e de acordo com as condições de mercado”.
11 - “Sucede que, em inícios de 2018 por questões pessoais e estranhas ao funcionamento da empresa, a relação entre os 3 sócios começou a deteriorar-se, chegando mesmo ao ponto de o relacionamento ser o estritamente necessário ao funcionamento da empresa.”
72. Por sua vez, no ponto 24.º da matéria de facto, dá o tribunal recorrido como provado que “Desde a data da constituição da Ré, a relação existente entre os seus sócios/gerentes nunca foi muito coesa, na medida em que foi pautada por grande discordância e pequenas fricções, que tiveram sempre na sua génese os comportamentos perpetrados pelo Autor, quer quanto ao funcionamento e gestão da Ré, quer quanto à sua responsabilidade individual e o empenho demonstrado por aquele Autor no desenvolvimento das suas tarefas no quotidiano da empresa”.
73. Estes pontos da matéria de facto estão em evidente contradição lógica, no que concerne às relações existentes entre os sócios e aos atos de gestão da sociedade e seu desenvolvimento, e como tal, não podem manter-se nos exatos termos em que foram proferidas, pelo que, deve verificar -se a referida contradição/divergência na matéria de facto.
74. Atenta a contradição supra referida, é evidente que se verifica, in casu, uma ambiguidade que torna a decisão ininteligível quanto à matéria de facto, nomeadamente, quanto à data em que as relações pessoais entre os sócios se deterioraram e o seu reflexo na gestão da empresa.
75. Refere o artigo 615.º alínea d) que é nula a sentença quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pelo que, atento tal facto, a sentença proferida deve ser considerada nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º alínea d) do CPC.
76. Nos artigos 24º, 25.º, 26.º, 33.º, 34.º e 35.º da matéria de facto dada como provada, o tribunal recorrido limitou-se, pura e simplesmente, a recorrer a juízos conclusivos e genéricos, os quais, contrariam, todas as regras da lógica processual.
77. De facto, dos pontos supra referidos não consta matéria de facto individualizada e circunstanciada suscetível de ser considerada na matéria de facto de uma sentença, resultando apenas imputações de caracter genérico e não factos concretos e circunstanciados, sendo que, no entender do recorrente não podem figurar no elenco dos factos provados.
78. No âmbito de vigência do CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
79. De acordo com o n.º 4 do artigo 607.º do CPC “o juiz deve atender à distinção entre factos, direito e conclusão e acolher apenas o facto simples e afastar de tal decisão os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilação das premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”.
80. A matéria retratada nos artigos 24º, 25.º, 26.º, 32.º, 33.º, 34.º e 35.º dos factos provados, não encerram mais do que afirmações vagas e genéricas, que contêm apenas asserções conclusivas/valorativas incidentes sobre questões do litígio, não resultando em pontos factuais concretos sobre a matéria em análise.
81. Refere apenas o tribunal recorrido que a relação entre os sócios/gerentes nunca foi muito coesa, na medida em que foi pautada por grande discordância e pequenas fricções que tiveram sempre na sua génese os comportamentos perpetrados pelo Autor, e que o Recorrente, desde sempre, demonstrou comportamentos inadequados, desorganizados e nocivos para a gestão da Ré, comportamentos esses que levaram à concretização de diversas advertências pelos seus sócios em diversas reuniões havidas, causando desorganização no funcionamento da Ré, má imagem, prejuízos, levando mesmo ao afastamento de alguns clientes de estabelecer relações comerciais com a Ré. No entanto, não se concretiza matéria fáctica que possa suportar cada um dos conceitos elencados nos mencionados artigos.
82. Devem, assim, os pontos supra referidos ser expurgados da matéria de facto, como aliás tem vindo a ser a orientação consistentemente firmada pelo STJ, relativamente à eliminação do elenco da matéria de facto, das expressões e asserções na mesma incluídas que revistam natureza puramente conclusiva.
83. A decisão do tribunal recorrido no que respeita à matéria de facto dada como provada não reflete com rigor a prova produzida em sede de julgamento.
84. Entende o Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado outra resposta à matéria de facto, no que concerne a factos que considerou como provados, quando salvo o devido respeito, deveriam ter sido considerados não provados e quanto a factos que considerou como não provados, quando deveriam ter sido dados como provados.
85. Neste âmbito mostram-se incorretamente julgados e dados como provados os factos constantes dos artigos 25.º 26.º, 29.º, 33.º, 34.º, 38.º, 43.º, 44.º, 45.º e 49.º da sentença e os factos dados como não provados constantes das alíneas A, C, D, E, F, G, H, I, J, K, , L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, EE, FF,GG, HH, II, JJ, KK, da matéria de facto dada como não provada.
86. Não pode, assim, o Recorrente concordar com a matéria de facto dada como provada e não provada supra indicada, na medida em que a mesma não espelha a prova produzida em audiência de julgamento.
87. Não podia face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, o tribunal dar como provado que o Recorrente, desde sempre demonstrou comportamentos inadequados, desorganizados e nocivos para a gestão da sociedade ré e ainda que tenha causado uma má imagem junto dos clientes da Ré, transmitindo uma ideia de total desorganização e descrédito, que motivou o afastamento de alguns clientes.
88. Não podia o tribunal recorrido ter considerado provado que os comportamentos alegadamente imputados ao aqui recorrente são contrários à organização interna da sociedade ré e que todas as semanas, ao longo de 15 anos de atividade da empresa, o recorrente tenha sido alertado para a urgência da apresentação da conciliação de contas e para qualquer prejuízo decorrente dos seus comportamentos.
89. O tribunal só permitiu que fosse efetuada prova testemunhal aos pontos dos temas de prova e nada mais. Daí que, toda a prova produzida para além da que se relaciona com os temas de prova e que não se mostre provada por documento ou acordo das partes deve ser eliminada.
90. Das declarações prestadas por parte do aqui recorrente AA, foi referido que:
- fundou a sociedade com dois outros sócios, acordando que as quotas e as decisões dos três sócios seriam iguais;
- só teve conhecimento dos fundamentos da sua destituição quando leu a ata da assembleia e não aceita os mesmos;
- referiu que a relação entre os sócios era boa mas após a morte dos seus pais, o sócio CC, seu cunhado, levou para a sociedade assuntos graves;
- desde essa altura, sentia que algo de mau se passava, os restantes sócios faziam contratos com fornecedores sem o seu conhecimento e alteravam-lhe a senha de acesso ao computador, havia conta correntes de fornecedores, extratos bancários, novos funcionários contratados, sem o seu conhecimento;
- apenas soube das novas instalações da sociedade Ré quando o negócio estava decidido;
- no ano de 2009, os outros sócios tentaram comprar a sua parte;
- fazia as cobranças pessoalmente e a funcionária DD ligava-lhe a perguntar se já tinha recebido dos clientes e para depositar o dinheiro na conta o quanto antes;
- os recebimentos eram em dinheiro e como andava longe de casa e dormia em pensões, tinha que ir ao banco depositar o dinheiro recebido dos clientes com receio de ser assaltado;
- os outros gerentes não iam ao Banco depositar;
- marcava o número do cliente no talão de depósito e entregava o talão à funcionária da Ré, DD, e o recibo pessoalmente ao cliente na semana a seguir;
- referiu que a funcionária DD também ia ao banco efetuar depósitos;
- as notas de crédito para descontar ao valor das faturas não foram emitidas quando a funcionária ficou doente, razão pela qual, a conta corrente de um ou dois clientes não foi regularizada;
- ainda atualmente, se for à empresa, explica detalhadamente a quem se reportam os depósitos efetuados na conta da empresa, quer pela análise das listagens de débitos dos clientes que lhe eram entregues, quer pela análise do talão de depósito do banco onde consta o número de cliente a que se reporta cada depósito;
- o débito do cliente B... foi descontado do seu subsidio de férias e devia estar regularizado;
- a empresa sempre teve resultados positivos e nunca foi efetuado nenhum reparo ao seu comportamento;
- a divida do cliente V... foi por si assumida pessoalmente, pelo que, devia a empresa ter dado a mesma como liquidada com o acerto de contas dos seus créditos dos talões de despesas que a empresa lhe devia a si, tendo informado de tal facto.
- o cliente FF pagou todas as suas faturas, tendo o recorrente utilizado uma parte do dinheiro por este entregue, de acordo com as instruções da D. DD, para ir pagar uma conta ao X... das jantes.
91. Do depoimento da testemunha GG, escriturário da sociedade Ré desde Janeiro de 2019, gravado digitalmente no ficheiro ...64-2870549, com a duração global de 13:13 resultou, do minuto 10:00 ao minuto 12:05 que:
- recebeu as contas do Sr AA enquanto a funcionária DD se encontrava de baixa médica:
- que a única conta corrente que se encontra aberta era a do cliente V...;
- que o Sr AA sempre lhe entregava os talões de depósitos de clientes que visitara, ainda que tardiamente.
- relativamente à conta corrente dos clientes que estava incumbido, tudo se encontra regularizado.
92. Daqui resulta que nenhum comportamento existiu por parte do Recorrente que causasse qualquer prejuízo para a sociedade Ré, contrariamente ao que entendeu o tribunal recorrido, sendo que, todos os recebimentos e documentos eram entregues pelo aqui recorrente, ainda que com algum atraso, não significativo.
93. A testemunha FF, cujo depoimento se encontra gravado digitalmente no ficheiro ...46- 2870549, com a duração global de 12:37, declarou ter uma empresa de comércio e manutenção de automóveis que é cliente da Ré, referindo que:
- pagava em dinheiro, mensalmente, ao aqui recorrente e este assinava um extrato em como ficou tudo pago;
- ficou com má imagem do Sr HH e não da sociedade Ré porque este último, visitou a testemunha a reclamar um pagamento que já tinha sido efetuado, mas a testemunha exibiu os extratos assinados pelo Sr AA a confirmar que estava tudo pago.
94. Do depoimento da testemunha DD, empregada de escritório na Ré, desde o ano de 2004, gravado digitalmente no ficheiro ...46-2870549, com a duração global de 15:25, resultou que:
- entrou de baixa prolongada em Janeiro de 2019;
-o aqui recorrente entregava os talões de depósitos tardiamente, como sempre o fez desde que lá trabalha;
- quando entrou de baixa médica, deixou a conta corrente com alguns clientes por acertar, com alguns atrasos, porque o aqui Recorrente fazia depósitos no banco mas não lhe entregava, de imediato, os talões de depósito;
- quando regressou do período de baixa médica, o aqui recorrente acertou as contas pendentes que tinha.
95. Resulta assim, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, que não resultaram provados factos suficientes para que o tribunal recorrido desse como provada a matéria ora colocada em causa pelo recorrente, designadamente, que os fundamentos constantes da ata 22 correspondem à verdade, que o recorrente não entregava no escritório da Ré, os correspondentes talões de depósito de clientes, nem a listagem do que recebeu de cada cliente, não dando sequer conhecimento desses depósitos nem sequer informação de que cliente recebeu os valores depositados.
96. O recorrente semanalmente levava as listagens dos clientes para receber e quer pelos valores depositados (correspondentes ao valor das listagens) quer pela anotação do número de cliente que o mesmo fazia nos talões de depósito era possível identificar imediatamente a quem correspondia o depósito efetuado, razão pela qual o problema levantado pela recorrida neste aspeto é uma falsa questão.
97. As situações isoladas e que serviram para a Recorrida justificar a destituição do recorrente do cargo de gerente foram situações pontuais, intencionalmente causadas pela própria e que, tal como o recorrido afirmou, o próprio ainda hoje sabe e consegue explicar de quem foram os pagamentos efetuados e que a recorrida alegadamente não consegue explicar, sendo que, quanto à conta-corrente dos 4 clientes referidos na ata 22, três deles deveriam estar regularizados, pelos motivos já supra expostos, e quanto a um deles estava o recorrente a aguardar o fim do período de baixa médica da testemunha DD para serem regularizadas, o que efetivamente veio a suceder em parte.
98. De qualquer forma, o que resultou demonstrado foi que, quanto à conta corrente dos clientes B..., V... e FF se a recorrida não tinha os extratos de conta regularizado foi por sua culpa exclusiva, pois estas situações estavam perfeitamente esclarecidas e resolvidas com agerência da recorrida.
99. Mais, da própria tese da recorrida resultou à saciedade que o comportamento sancionado na assembleia geral de 2.01.2020, foi o comportamento que o recorrente sempre assumiu desde o início da constituição da sociedade Ré, o qual nunca foi colocado em causa por quem quer que fosse, pelo que urge perguntar e indagar, o porquê, de apenas no ano de 2020, volvidos mais de 15 anos desde a constituição da sociedade, tal comportamento ter começado a incomodar a Recorrida e ter motivado a deliberação em causa.
100. Por outro lado, não podia o tribunal a quo considerar que a situação relatada nos autos, designadamente, os factos constantes da ata número ...2 da sociedade Ré, provocaram diversos problemas na organização interna da empresa, nomeadamente por não se conseguir tirar os recibos dos clientes, dar baixa daqueles recebimentos nas respetivas contas correntes e ainda que “tal comportamento tem gerado, por um lado desconfiança dos clientes e uma péssima má imagem da empresa…”.
101. Em primeiro lugar, porque todos os factos constantes da referida ata que serviu de base à destituição do recorrente do cargo de gerente são falsos, sendo que, o Recorrente sempre foi um gerente e vendedor zeloso e cumpridor, muito considerado pelos clientes, sendo que, todas as situações apontadas como fundamento para a sua destituição foram perfeitamente justificadas e podiam ser regularizadas aquando do fim da baixa médica da testemunha DD.
102. Não merece qualquer credibilidade a tese da Recorrida de que o recorrido fez vários depósitos na conta do Banco 1... e que não sabem a que clientes pertencem e que quatro extratos de conta de clientes não se mostrem actualizados.
103. O valor efetuado em depósitos na conta da empresa do Banco 1... e que a Recorrida alega não conhecer a quem se reportam, no montante total de 10.945,07€, não pode ser superior ao valor do “desacerto” dos 4 clientes que possuem o seu extrato desatualizado, no montante de 8.956,53€, sendo que a empresa já recebeu do recorrido (pois deixou de lhe entregar) o valor do cliente 840 - B... de 3.800,34€ e tem eu seu poder o valor de 72,58€ da V..., assim como o débito do FF foi utilizado para pagar uma dívida da empresa nas Jantes X....
104. Ora, esta disparidade de valores é inaceitável e demonstra que a recorrida não está a agir com seriedade e está a manipular intencionalmente os números da sua contabilidade para prejudicar o recorrente, pois o valor supostamente em falta nos extratos de conta de clientes, nunca poderá ser inferior ao valor que alegadamente diz que se mostra depositado (excedentário em depósitos) no Banco 1... e que não sabe a que clientes pertencem os pagamentos, pois se distribuísse o valor dos depósitos que diz desconhecer, pelas contas dos clientes que estão desatualizados, continuava a sobrar dinheiro, ou a faltar mais clientes com extratos de conta desatualizados, o que não vem alegado.
105. Por outro lado, porque nenhuma prova credível e concreta foi efetuada acerca destas questões, tanto mais que, o tribunal por várias vezes alertou os mandatários das partes de que só admitiria a produção de prova acerca dos temas de prova e nada mais.
106. Acresce que, o ónus da prova dos factos invocados e constantes da deliberação social da ata 22 competiam à recorrida, o que efetivamente também não se verificou.
107. Da prova da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente, do depoimento das testemunhas FF e II, clientes da Ré, resultou manifesto que nunca ficaram com má imagem da sociedade Ré ou do aqui Recorrente mas sim do sócio CC, quanto à forma da sua interpelação depois da destituição do Recorrente.
108. Ora, atento o comportamento adotado por parte dos outros dois sócios, os quais, tomavam decisões sem dar qualquer satisfação ao recorrente quanto ao funcionamento e organização do seu trabalho, é evidente que a deliberação da sua destituição de gerente serviu apenas para afastar o recorrente da gerência da recorrida com o objetivo de poderem os sócios que tomaram a deliberação fazer a gestão da empresa a seu belo prazer e sem dar contas ao recorrente.
109. Como já se deixou referido, na própria tese da recorrida o comportamento apontado ao recorrente como fundamento para a sua destituição do cargo de gerente já vinha sendo por este praticado, desde o ano de constituição da sociedade Ré, em 2004, o que, no mínimo, implica um reconhecimento e aceitação tácita para o mesmo.
110. Não pode este comportamento que se imputou ao recorrente, que foi praticado durante mais de 15 anos, ser tomado e considerado como uma violação grave dos deveres de gerente e suscetível de integrar o conceito de justa causa para a sua destituição.
111. Se o comportamento do A./Recorrente era grave e apto a fundamentar a sua justa causa, a deliberação de destituição devia ter sido tomada logo perto do ano de 2004 na altura da constituição da empresa.
112. Face aos factos ora em causa, bem como aos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento e à prova documental existente nos autos, devia o tribunal recorrido ter considerado como provados os factos constantes da matéria de facto não provada, nas alíneas A, C, D E, F, G, H, I, J, K, , L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, EE, FF,GG, HH, II, JJ, KK, bem como, devia ter dado como não provados os factos que constam dos artigos 25.º 26.º, 29.º, 33.º, 34.º, 38.º, 43.º, 44.º, 45.º e 49.º dos factos provados na sentença.
113. Em face do exposto e salvo o devido respeito, procedendo a uma análise cuidada e critica dos depoimentos supra identificados, deve a resposta à matéria de facto ser alterada, nos moldes supra referidos devendo a mesma ser alterada em conformidade com o exposto supra.
114. Por último, mas não menos importante, deixa-se uma nota para uma das últimas considerações vertidas na sentença proferida, que se desconhece em absoluto de onde terá sido retirada.
115. A sentença em crise refere no seu penúltimo parágrafo antes da decisão que: “..., não se vislumbram factos provados que concretizem para a sócia única vantagem especial para siou para terceiros com a destituição do A. nem qualquer prejuízo para a sociedade decorrente da destituição de gerente do A. já que, como resultou provado, a R. mais que duplicou o seu volume de facturação.”.
116. Não faz o menor sentido uma afirmação destas na sentença em crise uma vez que nenhuma das partes alegou nos articulados ou por qualquer outro meio se logrou demonstrar que no caso em apreço houvesse uma “sócia única”, quando na realidade a recorrida tem três sócios e por outro lado nenhuma alusão ou prova foi efetuada quanto “ao volume de faturação” da sociedade e seu aumento ou diminuição.
117. Daí que, mais uma vez a sentença demonstra o desacerto da sua decisão e a consideração errada de pressupostos inexistentes, pelo que deve ser corrigida em conformidade.
118. A decisão ora impugnada não pode, pois, manter-se, pois violou, entre outras, o disposto no artigo 334.º, 980.º e 981.º do Código Civil, bem como, as disposições conjugadas dos artigos 257.º n.º 5, 56.º alínea d), 58.º alínea c) e n.º 8 do Código das Sociedades Comerciais e artigo 662.º do Código de Processo Civil.
TERMOS EM QUE,
Deve o presente recurso ser decidido nos termos das conclusões referidas supra, com que se fará inteira JUSTIÇA.».
12. A ré respondeu, apresentando as seguintes conclusões:
«1. Nenhum reparo pode ser assacado à douta sentença colocada em crise, motivo pelo qual não poderá o presente recurso merecer qualquer provimento.
2. O instituto da caducidade encontra-se referido no n.º 2 do artigo 298.º e regulada, enquanto instituto geral, nos artigos 328.º a 333.º do Código Civil.
3. A ocorrência da caducidade determina a absolvição do pedido nas acções judiciais, podendo ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, já que não carece de ser invocada por aquele a quem aproveita, como decorre do n.º 1 do artigo 333.º do Código Civil, porém, a Recorrida, invocou-o!
4. O Tribunal recorrido julgou verificada a excepção de caducidade do direito de interpor acção com fundamento em anulabilidade da deliberação, pois concluiu que “O prazo de caducidade para intentar a anulabilidade da deliberação, se considerarmos a data de 9-1- 2020, invocada pelo A como a data em que teve conhecimento da deliberação, sendo de 30 dias, terminaria a 9-2-2020. Pelo que, quando os autos deram entrada neste tribunal onde foram julgados, a 30-9-2020, há muito tinha decorrido tal prazo. A respeito da caducidade do direito de propor a ação, importa considerar o disposto no artigo 332º, nº1 do CC: “Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 327º, mas se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito”. Mas, mesmo que substituamos o prazo de caducidade para dois meses, ainda assim teriam decorrido antes da chegada a este tribunal dos autos. E sempre teríamos o encómio para que remete o artigo 332º, nº1, constante do artigo 327º, nº 3: “Se, por motivo não imputável ao titular do direito (…)”. Este requisito não se verifica nos autos, pois a interposição da ação em tribunal incompetente é imputável à parte, pelo que nunca poderia beneficiar do aumento do prazo de caducidade.”.
5. Mesmo que se entendesse que a contagem do prazo para o Recorrente propor a acção de anulação da deliberação tomada na Assembleia Geral Extraordinária da Ré – que ocorreu no dia 2 de Janeiro de 2020 –, fosse de 30 dias contados a partir da data em que teve conhecimento da deliberação e mesmo que esta incidisse sobre o assunto que não constasse da convocatória, nos termos do disposto na aliena b) do n.º 2 do art.º 59º do Código das Sociedades Comerciais - o que se não concede -, sempre aquele direito se encontra caducado, devendo ser julgada procedente a excepção de caducidade do direito de interpor a acção, senão vejamos:
6. O Autor intentou no dia 4 de Fevereiro de 2020, ou seja, naquele que considerou ser o vigésimo sexto dia do prazo previsto no artigo 59.º, n.º 2, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais, no tribunal incompetente em razão da matéria (Juízo Central Cível ...), acção de anulação de deliberações sociais, tendo aquele tribunal – por decisão transitada em julgado – decidido considerar-se materialmente incompetente para apreciar a causa e absolver da instância a aqui Recorrida dos pedidos contra si formulados pelo Recorrente.
7. Naquela decisão foi decretada a remessa dos autos ao tribunal competente, visando um aproveitamento dos actos processuais praticados – manutenção dos efeitos civis –, pelo que o Recorrente não beneficia da extensão do prazo de caducidade previsto n.º 2 do artigo 279.º do Código de Processo Civil ou nos artigos 327.º, n.º 3, e 332.º, n.º 1, do Código Civil, independentemente de pretender propor nova acção ou da remessa dos autos para o tribunal competente, por lhe ser imputável o motivo processual que levou à absolvição da Recorrida da instância (obrigação de propor a acção de anulação de deliberações sociais no tribunal materialmente competente para o efeito).
8. A decisão de absolvição da Ré da instância determina a extinção da acção antes intentada, iniciando-se uma nova instância neste tribunal competente – Juízo de Comércio ... – Tribunal Judicial da Comarca ....
9. O Autor só poderia tirar proveito do efeito impeditivo da caducidade provocado pela propositura da primeira acção, quando esta tenha terminado pela absolvição da instância por motivo que não lhe seja imputável e apenas nos restritos prazos estabelecidos na lei.
10. Atento o decurso de prazo decorrido entre a notificação da deliberação social ao Autor e a propositura da acção neste tribunal competente deve verificar-se aquela caducidade.
11. Esta questão - que já foi amplamente discutida na doutrina e na jurisprudência – sendo hoje pacífica nos Tribunais da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça, veja-se a título meramente exemplificativo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 18-06- 2019, proc. n.º 1011/14.4TBALM.L2-1.
12. Não colhe a argumentação vertida pelo Recorrido quando alega que “a absolvição da instância, por incompetência do tribunal, não deve ser imputável ao autor quando a complexidade da causa de pedir ou a dificuldade de interpretar a lei sobre a competência possam justificar o erro na escolha do tribunal competente”.
13. Não se vislumbra – ainda que com muito esforço – qual a complexidade a que se refere o Recorrente, pois como bem cita em seguida a tal alegação, o art.º 128º da LOSJ é inequívoco quando refere expressa e taxativamente que compete aos juízos de comércio preparar e julgar (…) d) as acções de suspensão e de anulação e deliberações sociais.
14. O Recorrente, não podia, nem devia ignorar que, se por um lado, o pedido principal por si materializado da sua petição inicial, só poderia ser apreciado por um juízo de comércio, em razão da sua matéria, por outro, o pedido subsidiário deduzido, configura não um direito social, mas antes um direito de crédito, cuja competência para dirimir tal litígio pertence aos juízos cíveis, pelo facto daquele não caber no art.º 128.º da LOSJ.
15. O legislador apesar de facultar no artigo 554.º do CodProcCivil a possibilidade do Autor/Recorrente formular pedidos subsidiários, prevê logo no número 2 do referido preceito legal que as circunstâncias que impedem a coligação de autores e réus obstam à formulação de pedidos subsidiários.
16. Nesse sentido, dá-nos conta o Juiz Conselheiro Jubilado do Supremo Tribunal de Justiça Fernando Pereira Rodrigues “dentro da harmonia do sistema, as circunstâncias que impedem a coligação de autores e réus obstam à formulação de pedidos subsidiários, sabendo-se que a coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processos diferentes ou a cumulação possa ofender as regras de competência internacional ou em razão da matéria e da hierarquia [37º, n.º 1]”
17. Dito isto, resta questionar qual é a consequência da referida ilegalidade processual e, para esse mesmíssimo efeito, damos a palavra ao saudoso Professor Alberto dos Reis: “a circunstância de se cumularem pedidos com infracção dos requisitos relativos a forma do processo e à competência do tribunal dá em resultado ficar sem efeito um ou alguns dos pedidos. Qual ou quais? Naturalmente aquele ou aqueles a respeito dos quais a forma do processo empregada é imprópria ou o tribunal é incompetente em razão da matéria ou da hierarquia.”.
18. Decidiu muito bem o Tribunal recorrido, na medida em que a fundamentação exposta naquela sentença mostra-se inteiramente conforme aquilo que vem sendo defendido maioritariamente na jurisprudência, bem como na doutrina, aliás como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-02-2012, “(…) a ratio que parece atravessar todo o regime inovatoriamente instituído no Código Civil é a que se traduz em considerar que quem está onerado com um prazo de caducidade não pode – para impedir eficaz e definitivamente a extinção do direito exercitado judicialmente – limitar-se a apresentar em juízo tempestivamente uma qualquer petição, independentemente da sua consistência e da adequação para obter uma decisão de mérito no processo por ela iniciado.”.
19. Acrescentando que “(…) o ónus decorrente da fixação de um prazo – normalmente curto – de caducidade, traduzindo a intenção do legislador de ver resolvido definitivamente, em período temporal curto, o litígio porventura existente entre as partes, implicará um particular ónus de zelo, diligência e prudência técnica na propositura da acção e no subsequente desenrolar do processo, obstando a frustração da causa por motivo imputável em exclusivo ao autor a uma automática renovação do prazo de caducidade, entretanto consumado, decorrente da irrestrita oportunidade de repetir a causa e com isso obter automaticamente a sobrevivência dos efeitos civis decorrentes, no âmbito do instituto da caducidade, da proposição atempada da acção originária.”.
20. Sublinhando ainda o mesmo aresto que se tiver agido com diligência, não lhe sendo imputável as razões que subjazem à decisão de forma, de absolvição do réu da instância, então, justifica-se a concessão do prazo adicional. Só assim se repõe um certo equilíbrio entre as partes, já que a concessão do prazo adicional beneficia apenas o autor.
21. Sendo que a concessão do prazo de 30 dias, mesmo nos casos de a absolvição da instância ser imputável ao autor, criaria uma vantagem desproporcional para este em relação ao demandado, como se realça no referido acórdão, fundamento com o qual não se pode deixar de concordar:
22. Como referia Vaz Serra – o regime emergente da versão originária do n.º 2 do art. 298º do CPC acabava por ser desproporcionalmente favorável ao autor, ao permitir-lhe uma - eventualmente sucessiva - repetição de acções para suprimento de deficiências culposamente provocadas e que obstaram à obtenção de decisão de mérito, com a única condição de irem sendo repetidas no prazo de graça de 30 dias, contado da absolvição da instância que o autor culposamente provocou: fracassada a acção inicial por ineptidão da petição, o autor intentava nova acção, dentro dos 30 dias, a qual, por ex., estava inquinada de manifesta incompetência absoluta do tribunal, novamente suprível em 30 dias – e assim sucessivamente…».
23. Donde se conclui em face do regime instituído no Código Civil que, estando em causa o prazo de caducidade para propositura de uma ação, a absolvição do réu da instância, por razão imputável ao autor, não permite que o mesmo beneficie de qualquer extensão de prazo, seja do prazo de 60 dias previstos no regime civil, seja do prazo de 30 dias previstos no regime processual civil, por este ceder perante aquele.
24. No caso dos autos, atentos os elementos que dele se colhem, afigura-se inquestionável que não pode deixar de ser imputável ao Recorrente a propositura da acção num tribunal absolutamente incompetente.
25. Por força do regime jurídico supra analisado, o Recorrente não beneficia do prazo de 60 dias previsto na lei civil, nem do prazo de 30 dias previsto no regime processual civil, que não se sobrepõe àquele, para instaurar nova acção, seja por via da instauração de uma nova acção no tribunal competente, seja por via da remessa da anterior acção para o tribunal competente ao abrigo do n.º 2 do artigo 99.º do CódProCivil, encontrando-se o direito de propor nova acção caducado por se ter esgotado o prazo de caducidade previsto no artigo 59.º, n.º 2, do CódSocComerciais, no dia 9 de Fevereiro de 2020.
26. O sentido decisório que consta da sentença quando declarou extinto, por caducidade, o direito do autor, aqui Recorrente, quanto ao pedido de anulação das deliberações sociais, não pode deixar de ser corroborado, não procedendo as conclusões do apelante no que diz respeito a esta matéria.
27. Também não pode colher qualquer mérito a alegação proferida pelo Recorrente de que “nunca o direito de acção por parte do Recorrente teria caducado face à suspensão dos prazos de caducidade determinada pelo estado epidemiológico que assolou o nosso país.”, justificando a sua argumentação com a entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março.
28. Será de referir que muito bem andou o Tribunal a quo sentenciando que “O prazo de caducidade para intentar a anulabilidade da deliberação, se considerarmos a data de 9-1- 2020, invocada pelo A como a data em que teve conhecimento da deliberação, sendo de 30 dias, terminaria a 9-2-2020. Pelo que, quando os autos deram entrada neste tribunal onde foram julgados, a 30-9-2020, há muito tinha decorrido tal prazo.”.
29. Aquando da entrada da acção no Tribunal materialmente competente em razão da matéria, encontrava-se já o direito de propor nova acção caducado por se ter esgotado o prazo de caducidade previsto no artigo 59.º, n.º 2, do CódSocComerciais, no dia 9 de  Fevereiro de 2020.
30. Mesmo que se concebesse que o Recorrente beneficiasse do prazo de dois meses estatuído no n.º 3 do artigo 327º do CódCivil – o que apenas se considera como mera hipótese de trabalho, mas se não concede – também aquela douta sentença muito bem andou a este propósito pois refere expressamente que: “(…) mesmo que substituamos o prazo de caducidade para dois meses, ainda assim teriam decorrido antes da chegada a este tribunal dos autos.”, encontrando-se assim, o direito de propor nova acção já caducado por se ter esgotado o prazo de caducidade, aquando da entrada em vigor da supra mencionada Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março, já o direito do Recorrente propor nova acção se encontrava caducado, por todos os argumentos a cima referidos, pelo que a citada Lei, para o caso concreto dos autos, não veio suspender qualquer prazo de caducidade em curso, não beneficiando por isso, o aqui Recorrente, de qualquer prazo de suspensão.
31. Mas mesmo ainda que tivesse suspendido o prazo de caducidade em curso de 30 dias – o que se não concede –, com a retoma dos prazos então suspensos (2/6/2020), sempre aquele direito havia caducado, muito antes da entrada da acção no Tribunal materialmente competente - 30-9-2020.
32. Assim, o sentido decisório que consta da mui douta sentença quando julgou verificada a invocada excepção de caducidade do direito do autor quanto ao pedido de anulação das deliberações sociais, não pode deixar de ser corroborado na sua íntegra, não procedendo as conclusões do Recorrente no que diz respeito a esta matéria.
33. Também será ainda de referir que estipula o n.º 2 do art.º 279.º, do CódProcCivil, que “Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos, os efeitos civis da proposição da primeira causa e da citação do réu, mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.”.
34. Decorre deste normativo que, caso a decisão de absolvição da instância proferida na acção intentada no tribunal incompetente em razão da matéria, não interfira com questões
de prescrição ou de caducidade, o autor tem 30 dias para intentar uma nova acção.
35. Este regime será aplicável, mutatis mutandis, quando os autos sejam remetidos ao tribunal competente, nos termos do disposto no artigo 99.º, n.º 2, do CódProcCivil, ficando o Autor dispensado de propor nova acção, aproveitando-se os actos processuais praticados na anterior até à fase dos articulados.
36. Porém, se estiverem em causa prazos de prescrição ou de caducidade, o regime processual civil manda aplicar o disposto na lei civil previsto artigo 327.º, n.º 3, ex vi do artigo 332.º, n.º 1, do CódCivil, concedem uma extensão de 60 dias ao prazo de caducidade do direito de propor a acção.
37. Sucede porém, que a acção está sujeita a prazo de caducidade e a razão da absolvição da instância da Ré, aqui Recorrida, ficou a dever-se a uma causa imputável ao Recorrente, pelo que este prolongamento do prazo de caducidade para propor a nova acção, não se aplica.
38. O Recorrente só poderia tirar proveito do efeito impeditivo da caducidade provocado pela propositura da primeira acção, quando esta tenha terminado pela absolvição da instância por motivo que não lhe seja imputável e apenas nos restritos prazos estabelecidos na lei, o que de todo não sucedeu, como bem fundamentou aquela douta sentença agora recorrida e, que tivemos oportunidade de escalpelizar detalhadamente supra, onde o motivo que deu origem à absolvição da instância só ao Recorrente lhe pode ser imputada.
39. O Recorrente, vem ainda alegar vícios conducentes à nulidade da deliberação tomada pela Recorrida e, por essa razão, invocáveis a todo o tempo, para o efeito, invoca que deliberação recorrida, constante da acta n.º ...2, datada de 2 de Janeiro de 2020, deveria ter sido declarada nula e de nenhum efeito, por não ter sido realizada por via judicial, e com recurso prévio à alteração do contrato de sociedade por existir um direito especial à gerência por parte do Autor por força do disposto no artigo 4º do pacto social, em violação expressa das disposições conjugadas dos artigos 257º, n.º 5, 56º, d) e 57º, n.º 4 do CódSocComerciais e por imposição do estipulado pelos artigos 980º e 981º do Código Civil, com todos os efeitos legais previstos no art.º 286º do CódCivil.
40. Ora a este propósito também nenhum reparo ou censura deverá merecer a mui douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que a esse respeito decidiu pela não verificação de qualquer nulidade da deliberação tomada pela Recorrida, onde concluiu que:
“O direito especial à gerência consiste no direito que um sócio tem de ser designado gerente e só poder ser afastado por justa causa, isto é, o sócio terá “direito a ser gerente por toda a sua vida, ou enquanto for sócio, ou enquanto durar a sociedade”.
“O direito especial à gerência do A existe? De acordo com a tese do A tal direito à gerência estaria consagrado no artigo 4º do pacto social, que dispõe: “a administração da sociedade, remunerada ou não conforme for deliberado em assembleia geral, bem como a sua representação, cabem a todos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes”.
“Não ficou expresso que qualquer dos sócios tinha um direito especial à gerência. Apenas foram todos assim designados no contrato de sociedade. Nenhum indício existe, nem no texto, nem nos depoimentos ouvidos, de que se tenha querido com tal nomeação consagrar um direito especial para qualquer dos sócios à gerência da sociedade. E, sendo assim, parece-nos que não ficou consagrado qualquer direito especial à gerência para qualquer dos sócios.”.
41. A douta sentença agora posta em crise, vai mais longe – não se limitando a subsumir os factos ao direito, a apreciar e fundamentar as provas segundo a sua prudente convicção, ou mesmo a analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais –, sustenta essa decisão, quer na jurisprudência, quer na doutrina.
42. Referenciando consagrados autores como o Professor Coutinho de Abreu, que a este respeito nas suas obras tem defendido “Tem sido entendido por alguma doutrina que a mera indicação no contrato de sociedade de que a gerência da sociedade será exercida por todos os sócios, que ficam desde logo nomeados gerentes, não consubstancia a criação de qualquer direito especial, uma vez que não resulta em qualquer vantagem especial ou posição de supremacia, obtida por via contratual, de qualquer dos sócios perante os demais
(…). No entanto, determinar apenas no contrato de sociedade, que todos os sócios são gerentes em nada consubstancia a atribuição de um direito especial, mas apenas constitui um modo alternativo de nomear os sócios (em relação à nomeação por deliberação social).
Para que a cláusula que determine que todos os sócios são gerentes seja considerada uma atribuição de um direito especial, não é necessário que refira expressamente que se trata de um direito especial, mas é indispensável que confira a inderrogabilidade do direito, ie, que indique que o respectivo direito não pode ser retirado ou limitado aos sócios sem que os sócios titulares do direito nisso consintam”.
43. Ou ainda, mencionando autores sobejamente reconhecidos na doutrina do direito comercial como Alexandre Soveral Martins e Ricardo Costa, autores do Código das Sociedades Comerciais em Comentário - volume I, cit. p. 413, e Ac. TRL de 29-6-1993, processo nº ...81 - “Haverá um direito especial à gerência quando a designação é feita por toda a vida do gerente ou por todo o tempo em que este for sócio; igualmente quando a alteração da cláusula ficar sujeita a um regime que torne indispensável o assentimento do sócio, mesmo que necessário seja também o voto de outros sócios, como no caso de ser exigida a unanimidade de votos”,
44. bem como referindo acórdãos do Tribunal da Relação (Ac. do TRC de 13-4-2010 e de 19-10-2010), que se pronunciaram no mesmo sentido.
45. Os direitos especiais de algum sócio encontram-se regulamentados no n.º 1 do art.º 24º do CodSocComerciais, o n.º 1 deste artigo regulamenta a criação deste tipo de direitos, estipulando que os mesmos devem constar no contrato de sociedade, apresentando assim, carácter estatutário, uma vez que têm de ter consagração e estipulação expressa no contrato social para que sejam válidos e eficazes.
46. Não existem direitos especiais se não existir a sua correspondente consagração em cláusula estatutária.
47. O Professor António Menezes Cordeiro diz a este respeito que “os sócios optam, muitas vezes, por proceder à nomeação de gerentes logo no contrato de sociedade. No entanto, a simples designação de um gerente no pacto social não implica, necessariamente, a atribuição de um direito especial à gerência a esse sócio, isto porque é habitual proceder-se a esta designação, ao invés de haver lugar à tomada de deliberação para designação dos membros do órgão de gerência (art.º 252º, nº 2 do CSC), sendo por isso mesmo, uma alternativa a esta nomeação ulterior.
Tal eleição feita, desde logo, no contrato social, justifica-se por “razões de simplicidade, rapidez e economia”.
48. Esta é também a posição de Professor Jorge Manuel Coutinho de Abreu, que considera a designação de gerente no contrato de sociedade um modo alternativo à posterior eleição em deliberação social, não sendo atribuído qualquer direito especial à gerência a esse sócio– “Perante uma cláusula em que não existe, então, configuração de um direito especial à gerência, o regime jurídico aplicável a esse direito é o regime geral e, como tal, será necessário apenas a existência de uma maioria simples para que haja lugar à destituição do sócio-gerente determinado no pacto social.”.
49. Tal gerente poderá ser destituído através de deliberação votada favoravelmente pela maioria dos sócios, pois estamos perante a destituição de um gerente que não possui direito especial à gerência e poderia ter sido eleito através de deliberação dos sócios.
50. Também o Professor Raúl Ventura já se pronunciou afirmando que, havendo dúvidas na interpretação de cláusula estatutária no sentido de esta atribuir, ou não, um direito especial à gerência, deve ser negado este direito – “Para que se esteja perante a atribuição deste direito têm de existir elementos bastantes na cláusula que permita determinar que foi essa a intenção e vontade dos sócios quando elaboraram o contrato de sociedade.”.
51. Ao nível jurisprudencial, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de março de 1991 determinou que “o facto de um gerente ser nomeado no pacto social não significa, sem mais, que se tenha pretendido atribuir-lhe um direito especial a essa gerência, pois tal nomeação pode ser puramente ocasional, não tendo mais significado do que uma eleição de gerente pela assembleia geral”, considerando que a consagração de um direito especial à gerência resulta de uma cláusula que estabelece o exercício da gerência por determinado sócio e que fica, desde logo, nomeado gerente da sociedade.”.
52. De igual forma, um Acórdão do mesmo Tribunal, datado de 12 de junho de 1996 corrobora do entendimento do supra citado acórdão, determinando que “a estipulação do contrato de sociedade, segundo a qual a gerência social é exercida por ambos os sócios, desde logo nomeados gerentes, e é necessária a intervenção conjunta de dois gerentes para obrigar a sociedade, não concede a esses sócios um direito especial à gerência” e, assim sendo, “a simples nomeação do gerente não impede que ele possa ser destituído por maioria simples; por via de regra, a nomeação no estatuto é meramente ocasional; para que assim não seja, exige-se cláusula expressa ou que tal resulte inequivocamente da interpretação do contrato”.
53. Também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de Outubro de 2007 considerou que “a simples designação de gerente no contrato de sociedade não significa a atribuição de um direito especial à gerência, antes constituindo, por razões de simplicidade, rapidez e economia, um modo alternativo e por opção dos sócios, da eleição posterior por sua deliberação”.
54. Verifica-se que este tema já foi profunda e abundantemente apreciado, tratado e debatido, quer na jurisprudência, quer na doutrina, sendo hoje um tema pacífico e que não levanta grandes questões de consideração, tendo sido muito bem analisado na sentença recorrida.
55. Da análise dos depoimentos prestados, quer pelas testemunhas, quer pelo depoimento das partes, nomeadamente das passagens transcritas nas alegações de recurso a que agora se responde, outra conclusão não pode ser retirada que não seja a de a simples designação do cargo de gerentes no contrato de sociedade não significa a atribuição de um direito especial à gerência, antes constituindo, por razões de simplicidade, rapidez e economia, um modo alternativo e por opção dos sócios, da eleição posterior por sua deliberação, pelo que a simples nomeação do gerente não impede que ele possa ser destituído por maioria simples.
56. Nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de outubro de 2007 considerou que “a simples designação de gerente no contrato de sociedade não significa a atribuição de um direito especial à gerência, antes constituindo, por razões de simplicidade, rapidez e economia, um modo alternativo e por opção dos sócios, da eleição posterior por sua deliberação.”
57. O aqui Recorrente invoca abuso de direito da deliberação da sua destituição como gerente, constante da acta n.º ...2, sem qualquer consistência quer de direito quer de facto, pelo que deve falir, na medida que não se vislumbram factos provados que concretizem para a Recorrida, para os restantes sócios ou ainda para terceiros qualquer vantagem especial com a destituição do Recorrente, muito menos qualquer prejuízo para a sociedade decorrente da destituição de gerente do Recorrente.
58. O escopo e desígnio daquela assembleia geral e o resultado alcançado da mesma – deliberação de destituição do Recorrente com justa causa – foi proteger e defender o interesse social e económico da Recorrida, mormente a continuidade da actividade lesiva e prejudicial dos interesses daquela sociedade, protegendo-a de todos os comportamentos e atitudes perpetradas pelo Recorrente, que mantinha uma conduta imoral, prejudicial e violadora de todas as regras éticas e boas práticas que pudessem ser aceites pela Recorrida e pelos restantes sócios, comportamentos esses, que pela sua gravidade e reiteração se tornaram inexigíveis à Recorrida de manter a relação de gerência pelo Recorrente.
59. Também a este respeito nenhuma censura ou reparo deve ser assacada à mui douta sentença agora posta em crise, que apreciou a temática à luz do direito, da jurisprudência e doutrina, concluindo que: “Não cremos que possa em abstrato afirmar-se tal da deliberação de destituir o gerente da sociedade Ré. Nem se vislumbra que norma imperativa tal restituição pudesse violar, não tendo o A concretizado qualquer norma. Antes pelo contrário, a norma do artigo 257º, nº1 CSC, permite a livre destituição do gerente. Ora, se pode livremente nomear gerentes, não se entenderia porque não poderia livremente destituí-los.
Pelo que não violou a deliberação o disposto no artigo 56º, nº1, alínea d) do CSC.”.
60. A sentença posta em crise, uma vez mais, justifica com recurso quer à jurisprudência, quer à doutrina aplicável ao caso dos autos, nomeadamente citando o Acórdão do TRL de 2- 11-2017, onde expressamente se refere: “O voto é abusivo, na previsão da alínea b) do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais, quando a deliberação seja objectivamente apta a satisfazer uma intenção subjectiva de um ou mais sócios votantes, de obter vantagens especiais, para si ou terceiros, em detrimento da sociedade ou de outros sócios, ou de causar danos à sociedade ou a outros sócios. Não demonstrando a autora a verificação nem do pressuposto objectivo, nem do subjectivo, para se considerar abusiva a identificada deliberação social, naufraga a respectiva acção de anulação”.
61. O Tribunal a quo foi mais além do que interpretar a aplicação ao caso concreto da cláusula geral contida no mencionado art.º 334º do CódCivil, socorrendo-se de normas mais concretas e especificas à luz do Código das Sociedades Comerciais, também enquadráveis na figura do abuso, nomeadamente a norma do artigo 56º, n.º 1, alínea d) que estipula: “São nulas as deliberações dos sócios cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios”.
62. Socorreu-se ainda do artigo 58º, n.º 1, alínea b) que estipula: “São anuláveis as deliberações que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou par terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”.
63. Concluindo a final, que no caso apreciado nos presentes autos, não se crê que possa em abstrato afirmar-se tal da deliberação de destituir o gerente da sociedade Ré, nem se vislumbra que norma imperativa tal restituição pudesse violar, não tendo o Autor, aqui Recorrente, concretizado qualquer norma, pelo contrário, a norma do artigo 257º, n.º 1 do CódSocComerciais, permite a livre destituição do gerente. Ora, se pode livremente nomear gerentes, não se entenderia porque não poderia livremente destituí-los. Pelo que não foi violada a deliberação o disposto no artigo 56º, n. º 1, alínea d) do CódSocComercias.
64. Não poderíamos estar mais de acordo com o raciocínio e conclusão extraída daquela mui douta sentença, que julgou o pedido de anulação da deliberação com fundamento em abuso de direito, por a deliberação ser abusiva, totalmente improcedente, devendo à contrario, entender-se ser legítimo o exercício de um direito quando o seu titular o exerça dentro dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, tal como foi o caso apreciado nos presentes autos.
65. E, assim sendo, - como, na perspectiva da ora Recorrida, efectivamente é -, nenhum reparo pode ser assacado àquela douta decisão, motivo pelo qual não poderá o presente recurso merecer qualquer provimento.
66. Sem prescindir de tudo o supra exposto, sempre se dirá, que não se verificando qualquer causa de nulidade e, tendo sido verificada a invocada excepção de caducidade do direito de interpor a acção com fundamento em anulabilidade da deliberação, ficou prejudicado o conhecimento por aquele Tribunal de qualquer outro fundamento ou pedido formulado pelo Recorrente.
67. Esta excepção peremptória corresponde à invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo Recorrente e cuja verificação determina a absolvição (total ou parcial) do pedido - n.º 3 do artigo 576.º do Código do Processo Civil.
68. O Autor tinha perfeito conhecimento, dos motivos e intenções que estariam na génese da convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária a realizar no dia 2 de Janeiro de 2020, pois tais factos tinham-lhe sido comunicados pelos seus sócios em momento anterior à ocorrência da mesma, pelo contabilista da empresa, e pela funcionária do escritório, motivo pelo qual o mesmo se furtava a receber as cartas registadas que lhe eram dirigidas nesse sentido.
69. A mencionada convocatória, para além de outros assuntos da ordem de trabalho, versava por:
1º - Deliberar sobre a destituição do Exmo. Senhor AA do cargo de gerência, nos termos dispostos no artigo 257º, n.º 1 e n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais;  
2º - Nomeação de novo gerente BB;
70. O n.º 2 do art.º 257º menciona que “o contrato de sociedade pode exigir para a deliberação de destituição uma maioria qualificada ou outros requisitos se, porém, a destituição se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por maioria simples”.
71. Na mesma convocatória, o Recorrente foi alertado ainda, para o disposto na alínea f), do n.º 1 do Artigo 251º do CódSocComerciais, em que está impedido de votar na deliberação constante do ponto 1 supra, tratando-se de justa causa.
72. O Recorrente não poderia ignorar de que tal convocatória teria como objecto deliberar sobre a sua destituição e, eventualmente, com justa causa, justa causa essa que – como é óbvio – carecia de ser apreciada, analisada e votada perante os comportamentos que lhe seriam imputados naquela assembleia geral.
73. Deste modo nunca poderia proceder o invocado motivo para a anulabilidade de tal deliberação.
74. O Tribunal da Relação do Porto – acórdão n.º 193/09...., ... Secção (apelação), de 6.2.2007, disponível em www.dgsi.pt, a propósito deste tema decidiu que: “A convocatória também não tem de que ser acompanhada de qualquer documento fundamentador da destituição, nem dos motivos da mesma. Basta que aos sócios seja dado conhecimento do thema deliberandum, que no caso é a destituição de um gerente e a nomeação de outro para o seu lugar.”.
75. Esta informação cumpre suficientemente a tripla função da convocatória na sociedade: “dar aos seus membros oportunidade para ajuizarem do seu interesse na participação do processo; instruírem-se e habilitarem-se a participar dele com conhecimento de causa; excluir do processo os concretos membros do colégio sem legitimidade para nele intervirem”.
76. Em reforço, deve dizer-se que a nossa Lei - art.º 257º, n.º 1, do CódSocComerciais, consagra o princípio da livre destituição dos gerentes, o que significa que não é exigível a invocação de justa causa.
77. Salvo casos excepcionais, a destituição pode ocorrer quer haja quer não haja justa causa (embora a justa causa releve para efeitos de haver ou não indemnização ao destituído). Daqui decorre até que os sócios que deliberam a destituição do gerente sem para tanto invocarem justa causa não abusam, só por isso, do seu direito, já que o exercem nos precisos termos em que tal direito lhes é conferido pelo normativo citado.
78. As deliberações tomadas na reunião da assembleia geral de 2 de Janeiro de 2020, não padecem do invocado vício de falta de informação, pelo que por aqui a invocada anulabilidade a ser conhecida – mas que muito bem, pelos motivos já supra expostos (caducidade), não o foi –, também haveria de improceder.
79. O Recorrente alega que se verifica uma contradição manifesta na matéria de facto dada como provada relativa à data em que as relações pessoais entre os sócios se deterioraram e o seu reflexo na gestão da empresa, reproduzindo os pontos 10º, 11º e 24º da matéria de facto dada como provada, afirmando que os pontos 10º e 11º estão em contradição lógica com o facto dado como provado no ponto 24º.
80. Para quem esteve presente da audiência de julgamento e mesmo da simples leitura daqueles factos, percebe-se bem a diferença entre aqueles dois raciocínios e conclusões, pois tratam de situações totalmente distintas, não existindo qualquer contradição entre si.
81. A primeira daquelas conclusões (pontos 10º e 11º), que tiveram por base das declarações das testemunhas que depuseram em julgamento, tratam de referir que até certa data o funcionamento da sociedade era o considerado normal e, a partir de certa data a relação dos sócios começou a deteriorar-se chegando ao pondo do relacionamento entre os sócios ser o estritamente necessário para o funcionalmente da empresa.
82. A segunda daquelas conclusões (ponto 24º), que também teve por base o depoimento das testemunhas que prestaram as suas declarações em julgamento, tratam de referir que desde a data de constituição da sociedade a ligação dos sócios nunca foi muito coesa e se pautou por grande discordância e pequenas fricções que tiveram na sua génese os comportamentos perpetrados pelo Recorrente.
83. Da simples leitura, daquela matéria de facto dada como provada, é totalmente inteligível e compreensível, que as relações entre os sócios nunca foram as melhores – as mais perfeitas e saudáveis – no entanto, só a partir de determinada data é que se agudizaram – agravaram – ao ponto de o relacionamento ser o estritamente necessário ao funcionamento da empresa.
84. Não há qualquer contradição na matéria de facto dada como provada, resultando tais factos da correcta ponderação do Tribunal a quo, cumprindo os princípios da imediação e oralidade.
85. A douta sentença em crise fez – segundo é firme convicção da Autora, ora Recorrida – uma ponderada, criteriosa, serena e equilibrada apreciação da prova produzida, sendo a matéria de facto dada por assente um adequado reflexo do conteúdo dos elementos probatórios trazidos pelas partes para os presentes autos.
86. E, assim sendo, - como, na perspectiva do ora Recorrido, efectivamente é -, nenhum reparo pode ser assacado àquela douta decisão, motivo pelo qual não poderá o presente recurso merecer qualquer provimento.
87. De resto, como vem sendo apontado de forma segura e, julga-se que pacífica, pela Jurisprudência, importa recordar, neste momento, que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Juiz, princípio este que, no caso presente, assume particular importância e relevo.
88. Na formação dessa convicção, o julgador de 1ª instância atendeu a circunstâncias, aspectos e pormenores que só a imediação da produção da prova permitem apreciar, como sejam as reacções dos sujeitos processuais e, em especial das testemunhas, do seu comportamento corporal e da expressão facial, das suas hesitações ou da espontaneidade da resposta, das alterações do tom de voz ou da cadência do discurso e, em resumo, de tudo quanto releva que se considere como credível ou não credível de um depoimento.
89. A douta sentença que decidiu o objecto do litígio e os temas de prova – do qual não foi apresentada qualquer reclamação – encontra-se devida e coerentemente fundamentada.
90. Ao Tribunal de 2ª jurisdição compete, na análise das provas produzidas, gravadas ou escritas, determinar se a convicção expressa pelo julgador a quo tem ou não suporte razoável naqueles elementos provatórios (conjuntamente, como é obvio, com os demais elementos existentes nos autos), devendo a decisão sobre a matéria de facto ser alterada, apenas, naquelas situações em que tais elementos não sustentem com razoabilidade a decisão proferida no tocante aos pontos concretos impugnados sem sede de recurso.
91. No caso concreto dos presentes autos, a decisão sobre a matéria de facto, tomada pelo julgador de acordo com o seu prudente critério e as regras da experiência, encontra-se devida e suficientemente fundamentada, motivo pelo qual deverá tal decisão ser inatacável, já que se configura como uma solução plausível segundo as regras da experiência, tendo sido proferida em plena obediência à Lei, que impõe que o julgador aprecie a prova segundo a sua livre e prudente convicção.
92. O processo lógico do julgamento de facto levado a cabo pelo Tribunal, com base no princípio da livre apreciação da prova e tendo em conta a fundamentação invocada para o mesmo, não deixa qualquer margem para dúvidas de que concorrem todos os elementos de facto e de direito, objectivos e subjectivos, para que se tenha julgado improcedentes a pretensões deduzida pelo Recorrente.
93. Foi, assim, realizada uma correcta e inatacável aplicação da Lei e do Direito à matéria de facto que veio a ser dada por provada, pelo que outro não poderia ser, neste contexto, o sentido da decisão recorrida, que julgou totalmente improcedente a presente acção.
TERMOS EM QUE,
negando provimento ao presente recurso e confirmando integralmente e nos seus precisos termos a decisão constante aquela douta sentença, farão Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a habitual e sempre esperada
J U S T I Ç A!».
13. O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo sido recebido também nesta Relação.
14. Colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do C. P. Civil.
Definem-se, como questões a decidir:
1. Quanto à validade ou invalidade da sentença:
Se a sentença é nula, nos termos do art.615º/1- d) do C. P. Civil, por ambiguidade que torna ininteligível a decisão de facto, decorrente da contradição entre os factos 10 e 11 e o facto 24 (conclusões 70 a 75).
2. Quanto à decisão de caducidade da ação de anulação da deliberação e quanto ao conhecimento deste pedido:
2.1. Se ocorreu erro de direito na decisão de caducidade da ação de anulação, por o recorrente entender: que o erro da instauração da ação no tribunal materialmente incompetente não lhe é imputável (arts. 332º/1 e 327º/3 do C. Civil), face à diferença de competências entre os pedidos da al. a) (al. d) do art.128º da LOSJ) e da al. b), reclamado nos termos do art.257º/7 do CSC (que a jurisprudência tem entendido corresponder aos juízos cíveis) e o disposto no art.82º/2 do C. P. Civil; que ocorreu a suspensão de prazos de caducidade com os arts.6º-B e 6º-C da Lei nº1-A/2020, de 19 de março (conclusões 1 a 13).
2.2. Se, na sequência da decisão de 2.1. supra, se a mesma for revogada, deve considerar-se a deliberação da ata 22 anulada por a convocatória não indicar os motivos de destituir o requerido do cargo de gerente, nos termos dos arts. 58º/c), art.377º, ex vi do art. 248º/1 do C. S. Comerciais (conclusões 60 a 69).
3. Quanto à decisão de inexistência de nulidade da deliberação da ata nº...2, se ocorreu erro de direito, por, no entender do recorrente:
3.1. A deliberação ser nula, nos termos dos arts. 56º/1-d) e 257º/5 do C. S. Comerciais, arts.980º e 981º, 286º do C. Civil, por violação do art.4º do contrato de sociedade e haver falta de quórum para a deliberação (conclusões 18 a 33, 37).
3.2. A deliberação ser nula por abuso de direito, nos termos do art.334º do C. Civil. no âmbito do qual há que decidir:
3.2.1. Se é relevante conhecer a impugnação da matéria de facto, no âmbito da qual o recorrente, para além da contradição referida em 1 supra, pediu:
a) Que fossem eliminados os pontos de facto provados em 24, 25, 26, 33.º, 34 e 35, por incluírem apenas juízos genéricos e conclusivos (conclusões 76 a 82).
b) Que fossem julgados não provados os pontos 25, 26, 29, 33, 34, 38, 43, 44, 45 e 49 dos factos provados na sentença e fossem julgados provados os factos das alíneas A, C, D E, F, G, H, I, J, K, , L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, EE, FF,GG, HH, II, JJ, KK: por o tribunal não ter permitido produzir prova que não constava dos temas de prova; por a prova produzida não permitir a prova dos factos e permitir a prova dos não provados (conclusões 83 a 117).
3.2.2. Se os fundamentos invocados pelo recorrente, para os efeitos do abuso de direito do art.334º do C. Civil, permitem reconhecer uma nulidade da deliberação de destituição, que defendeu ocorrer: por a destituição ter sido feita para favorecer interesses de dois dos sócios; por a ré sociedade ter aceitado os seus comportamentos em 15 anos em que os praticou e os factos de 2016 serem do conhecimento da ré, o que inviabiliza a justa causa pela aplicação analógica do art.254º/4 do C. S. Comerciais; porque não existe causa válida, justificativa e atual para a justa causa, por a mesma exigir motivo grave, em si e nas consequências, que torne inexigível à sociedade manter a gerência; porque os fundamentos de destituição da ata 22 foram também justificados pelo autor; porque, quanto aos depósitos, grande parte são posteriores à convocatória para a assembleia (de 4.11.2029 e notificada a 26.11.2019), sendo que é estranho a ré defender que não sabe a quem pertencem os depósitos de € 10 945, 07 da conta Banco 1... e só ter desatualizado o extrato da conta de 4 clientes num valor total que ascende apenas a € 8 956, 53, sendo que o cliente 840 B... possui um débito de € 3800, 00 que não pagou (que lhe foi descontado nos valores a receber da empresa), perfazendo o restante apenas o valor de € 5 156, 19 (conclusões 34 a 36, 38 a 59).
3.2.3. Se o penúltimo parágrafo antes da decisão não respeita ao caso em análise na sentença e, dessa forma, e deve ser revogado (conclusões 114 a 117).

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto declarada provada e não provada na sentença recorrida:

«Factos Provados (relevantes para a decisão a proferir)
1- A Ré é uma sociedade comercial, constituída em março de 2004, que tem por objeto o comércio, importação e exportação de veículos automóveis e respetivas peças e manutenção e reparação de veículos automóveis, possui o capital social de 30.000,00€, distribuído por 3 quotas, cada uma do valor nominal de 10.000,00€, detidas pelos sócios EE, CC e o aqui A.
2- O A. é, assim, sócio da R. e titular de uma quota de 10.000,00€, correspondente a 33,33% do capital social, conforme se comprova com cópia da certidão comercial que se junta e dá por reproduzida.
3- A administração e representação da Ré, conforme foi previsto no art. 4º do contrato de sociedade foi incumbida no contrato de sociedade a todos os seus sócios, nomeados gerentes naquele ato de constituição da empresa, sendo que, para vincular a sociedade em todos os atos e contratos é necessária a intervenção de três gerentes, conforme resulta do previsto no artº 4º do pacto social que se junta.
4- No dia 2 de Janeiro de 2020, pelas 19:30h, teve lugar na sede social da R. uma assembleia geral extraordinária, conforme convocação dirigida ao A. por notificação judicial avulsa, efetuada pelo sócio EE.
5- A ordem de trabalhos, conforme consta da convocatória em mérito foi a seguinte: "1º deliberar sobre a destituição do Exmº. Senhor AA do cargo de gerência, nos termos do disposto no artigo 257º, nº.1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais"; 2º - Nomeação de novo gerente BB" 3º - Alteração do artigo 4º do Pacto Social, Passando a dizer o seguinte: "1. A administração da sociedade, remunerada ou não, conforme deliberado em assembleia geral, bem como a sua representação, cabem a três gerentes, podendo ser ou não os seus sócios; 2. Para vincular a sociedade em todos os seus actos e contratos, é necessário a intervenção de dois gerentes. 4º - Outros assuntos de interesse geral."
6- O A. não esteve presente na assembleia geral em mérito, nem se fez representar, pelo que, por carta registada datada de 08/01/2020 e recebida em 09/01/2020 foi notificado da ata nº ...2, através da qual teve conhecimento das deliberações dela constantes, designadamente, da sua destituição de gerente com justa causa e pelos factos que dela expressamente constam e a nomeação de gerente da Srª BB.
7- Só com esta notificação teve, então, conhecimento o A. dos factos que lhe foram imputados para justificar a sua destituição com justa causa de gerente da Ré.
8- Na verdade, desde a sua constituição em 2 de março 2004 que, em obediência ao disposto no artº 4º do pacto social a Ré sempre foi gerida pelos seus 3 sócios fundadores.
9- Com efeito, ficou expressamente previsto no artigo 4º do pacto social que “a administração da sociedade, remunerada ou não conforme for deliberado em assembleia geral, bem como a sua representação, cabem a todos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes.”
10- Até finais de 2017 a relação entre os três sócios foi uma relação normal e sem conflitos, tendo a sociedade prosperado de acordo com as estratégias assumidas pela gerência e de acordo com as condições do mercado.
11- Sucede que, em inícios de 2018 por questões pessoais e estranhas ao funcionamento da empresa, a relação entre os 3 sócios começou a deteriorar-se, chegando mesmo ao ponto de o relacionamento ser o estritamente necessário ao funcionamento da empresa.
12- A tentativa de aquisição da quota do A. levada a cabo por parte dos outros dois sócios em meados de 2019 não chegou a surtiu efeito, já que as negociações havidas para o efeito se lograram por falta de acordo quanto ao montante do negócio.
13- Na assembleia geral realizada em 02/01/2020, foi imputado ao A. o de ter efetuado depósitos em numerário e cheques na conta bancária da empresa sem entregar os talões de depósito no escritório para que se pudesse fazer o acerto de contas com a conta- corrente dos clientes.
14- Era à colaboradora da Ré, DD, funcionária do escritório, que incumbia verificar e conferir os depósitos efetuados pelo A. e registar os mesmos no conta-corrente dos clientes.
15- Durante a ausência desta colaboradora, foi o gerente JJ, quem assumiu estas funções administrativas, a quem o A. devia entregar todos os talões de depósito e solicitava os recibos.
16- Muito embora diga respeito ao veículo automóvel que o A conduzia, o processo de contra-ordenação rodoviária foi instaurado à sociedade, aqui R. e não ao A., tendo sido esta notificada para apresentar defesa e/ou indicar o condutor responsável, o que não fez, para não identificar o A, tendo o veículo sido imobilizado.
17- O A. neste período passou a utilizar o seu veículo automóvel pessoal, continuando a visitar os clientes e a fazer o seu trabalho, como sempre fez, assegurando a continuação da sua atividade ao serviço da empresa.
18- O A. para além das funções de gerente desempenhava as funções de vendedor da Ré, não exercendo atualmente qualquer função ao serviço desta.
19- O único rendimento que auferia era o seu vencimento como gerente e vendedor ao serviço da Ré do montante bruto de € 3.100,00/mensais, tal como cada um dos outros dois gerentes. – fls 49
20- A R. é uma sociedade comercial que sempre apresentou resultados positivos.
21- O A. possui experiência de vários anos de gerência da R.
22- A esposa do gerente EE, BB, agora nomeada gerente, nada sabe do negócio da Ré, pois não conhece as peças e os materiais que a Ré vende, não conhece os clientes ou fornecedores, nem vai executar qualquer atividade na empresa para além da assinatura dos documentos que lhe vão ser pedidos pelos outros dois gerentes.
23- Para fazer a zona de trás os montes e visitar os clientes que o A. habitualmente fazia a Ré previamente e sem o conhecimento do A. contactou e contratou um novo comercial.
24- Desde a data da constituição da Ré, a relação existente entre os seus sócios/gerentes, nunca foi muito coesa, na medida em que foi pautada por grande discordância e pequenas fricções, que tiverem sempre na sua génese os comportamentos perpetrados pelo Autor, quer quanto ao funcionamento e gestão da Ré, quer quanto à sua responsabilidade individual e o empenho demonstrado por aquele Autor no desenvolvimento das suas tarefas no quotidiano da empresa.
25- O Autor, desde sempre, demonstrou comportamentos inadequados, desorganizados e nocivos para a gestão da Ré, comportamentos esses que levaram à concretização de diversas advertências pelos seus sócios em diversas reuniões havidas.
26- O Autor reiteradamente e de forma continuada causava constante desorganização no funcionamento da Ré, má imagem, prejuízos e danos e ainda mal-estar entre os sócios, trabalhadores, colaboradores e clientes, ao ponto de tal situação se mostrar insustentável para o normal funcionamento da Ré.
27- No decurso do pretérito ano de 2019, o Autor e os restantes sócios da Ré, reuniram na sede da empresa, de forma informal, na presença do Técnico Oficial de Contas da empresa, com vista a alcançar uma solução consensual para pôr termo àquela querela.
28- Com base numa avaliação realizada ao valor comercial da empresa, elaborada pelo seu Técnico Oficial de Contas, foi proposta ao Autor, pelos seus sócios a aquisição da sua quota social.
29- O Autor manteve-se ao serviço da Ré, como trabalhador, sócio e gerente, sendo que todos os seus comportamentos se mantiveram porque de forma reiterada não dava conhecimento aos seus sócios das quantias recebidas dos clientes, nem dos depósitos realizados junto dos bancos com quem a Ré trabalha, gerando uma total desorganização na contabilidade e contas bancárias da Ré, existindo assim, ainda hoje, várias quantias depositadas nas contas bancárias da empresa, sem que se saiba a que é que dizem respeito e a que clientes pertencem tais pagamentos/depósitos, impossibilitando assim, a Ré, de dar baixa daqueles pagamentos nas contas correntes dos clientes e emitir os competentes recibos de quitação.
30- Tais comportamentos levaram a que os seus sócios, funcionários de escritório da Ré, por diversas vezes, tivessem necessidade de confrontar o Autor, no sentido de lhe solicitar explicações ou esclarecimentos.
31- Não era possível ao Técnico Oficial de Contas, proceder a uma reconciliação das contas da empresa, por falta de elementos contabilísticos, gerando-se assim, uma total confusão e desorganização nas contas da empresa e causando um sério mal-estar entre aqueles colaboradores da Ré e o Autor.
32- Bem como, um compreensível mal-estar entre os sócios e gerentes da Ré, em virtude de tal conduta.
33- Tal atitude causou, igualmente, uma má imagem junto dos clientes da Ré, pois diversas vezes, aqueles foram contactados por colaboradores da empresa e pelos outros sócios do Autor, no sentido de os interpelar para a realização de pagamentos que se julgavam em atraso, quando tais pagamentos já se encontravam realizados.
34- Esta situação causou uma má imagem junto dos clientes da Ré, transmitindo uma ideia de total desorganização e descrédito, que levou ao afastamento de alguns clientes de estabelecer relações comerciais com a Ré.
35- Tal comportamento gerou ainda, desconfiança, incerteza e desconforto entre os sócios do Autor, no sentido de não saberem se tais pagamentos foram efetivamente realizados pelos clientes, tal como o afirmavam, uma vez que os mesmos não se encontram depositados nas contas da Ré.
36- Os comprovativos das despesas realizadas pelo Autor, ao serviço da Ré, como despesas de combustível, de alimentação e alojamentos, não eram entregues a tempo e horas e na sua globalidade junto da Ré, causando assim, uma vez mais, a impossibilidade de conferência de contas, por parte dos colaboradores da Ré (escritório e Técnico Oficial de Contas).
37- Alguns pagamentos realizados pelos clientes afetos ao Autor, não se encontram depositados nas contas da Ré, ou pelo menos tais pagamentos não se encontram documentados de forma espelhada na conta corrente da Ré.
38- Tais comportamentos, perpetrados pelo Autor, ao longo de vários anos, de forma continuada, são contrários à organização interna da empresa e totalmente em desacordo com as boas práticas comerciais e contabilísticas, que por diversas vezes e variadíssimas formas, pelos seus sócios, foram solicitadas que cessassem.
39- O sócio e gerente da Ré EE convocou uma assembleia-geral extraordinária, a ter lugar no dia 2 de Janeiro de 2020, pelas 19:30h, na sede na Ré.
40- Assembleia-geral extraordinária essa, que veio a ocorrer, sem a presença do Autor, uma vez que apesar de devidamente notificado para o efeito, não compareceu à mesma, nem se fez representar.
41- Apresentados à discussão os pontos constantes daquela convocatória, foi deliberado, entre outros assuntos, a destituição do Autor do cargo de gerente, por justa causa, na medida em que se verificaram uma série de factos que no entendimento dos restantes sócios gerentes consubstanciavam o preenchimento daquele fundamento, a saber:
“A) O sócio gerente AA, realizou depósitos em numerário e cheques na conta bancária da empresa que correspondem a recebimentos junto de clientes.
Sucede, porém, que aquele não entrega no escritório da empresa os correspondentes talões de depósito, nem a listagem do que recebeu de cada cliente, não dando sequer qualquer conhecimento desses depósitos, nem sequer informação de que clientes recebeu os valores depositados.
Esta situação provoca diversos problemas na organização interna da empresa, nomeadamente por não se conseguir tirar os recibos de clientes, dar baixa daqueles recebimentos nas respetivas contas correntes, originando a informação financeira da empresa incorreta e desatualizada.
Para além disso, o gabinete que presta os serviços de contabilidade solicita constantemente os talões de depósito e respetivos recibos, para poder fazer a reconciliação bancária.
Em virtude disso, o escritório não consegue prestar essa informação porque não a possui, apesar de constante e reiteradamente solicitar ao Sr. AA, tais informações imprescindíveis para o bom funcionamento da mesma.
Esta situação tem originado problemas de diversa ordem, nomeadamente com os clientes, em que muitas vezes a empresa solicita pagamentos junto daqueles que se julgam em atraso e é confrontada com uma situação em que os clientes informam que já realizaram tais pagamentos junto do Sr. AA.
Ora, tal comportamento, tem gerado por um lado desconfiança dos clientes e uma péssima má imagem da empresa, e por outro lado, origina a incerteza e desconfiança por parte da empresa se tais clientes realizaram tais pagamentos tal como afirmam.       
Tal situação não permite aferir se os valores depositados conferem com os valores recebidos, porque o Sr. AA não presta essa informação à empresa, facto este que têm vindo a ser recorrente ao longo destes anos, este por sua vez, entende que não deve dar a informação nem entregar os valores no escritório para conferência de contas.
Esta é uma obrigação do Sr. AA, pois está obrigado a entregar no escritório da empresa os valores recebidos, de forma discriminada, mencionando o que cada cliente pagou e quais as faturas que foram pagas, para se fazer o depósito de acordo com os pagamentos dos clientes, emitir os competentes recibos e enviar para os mesmos como prova de quitação.
Em face do supra exposto, infra se discrimina algumas situações apuradas nos últimos meses da conta do Banco 1..., que a empresa não sabe a que dizem respeito: 1-Deposito efetuado em 20-12-2018, no valor de 1.127.00€; 2-Deposito efetuado em 20-12-2018, no valor de 333.88€; 3-Deposito efetuado em 26-12-2018, no valor de 2.000.00€; 4-Depósito efetuado em 16-05-2019, no valor de 635.00€; 5-Depósito efetuado em 22-05-2019, no valor de 600.00€; 6-Depósito efetuado em 11-06-2019, no valor de 500.00€; 7-Depósito efetuado em 07-06-2019, no valor de 75.00€; 8-Depósito efetuado em 25-07-2019, no valor de 3.105.00€; 9-Depósito efetuado em 19-09-2019, no valor de 63.50€; 10-Depósito efetuado em 11-10-2019, no valor de 545.00€; 11-Depósito efetuado em 28-11-2019, no valor de 108.00€; 12-Depósito efetuado em 02-12-2019, no valor de 249.00€; 13-Depósito efetuado em 02-12-2019, no valor de 609.00€; 14-Depósito efetuado em 11-12-2019, no valor de 500.00€; 15-Depósito efetuado em 23-12-2019, no valor de 324.69€; e 16-Depósito efetuado em 23-12-2019, no valor de 170.00€.
B) – Algumas das contas correntes dos clientes afetos ao sócio gerente AA como vendedor encontram-se desatualizadas e incorretas, uma vez que os saldos das mesmas não refletem o valor em dívida na empresa, por aqueles clientes afirmarem já ter procedido a pagamentos juntos daquele sócio e gerente, sem que tais pagamentos tenham entrado na empresa os mesmos tivessem tido a correspondente entrada na empresa, a saber:
• Cliente 840 - B... - conta corrente com saldo a nosso favor de € 3.800.34 referente a consumo no ano de 2016; cliente diz estar tudo pago por ter contas a acertar com o Sr. AA;
• Cliente 582 - FF - conta corrente com saldo a nosso favor de € 905.55 referente a consumo de Junho a Dezembro de 2019; cliente diz estar incorreta por estarem pagos a maior parte dos meses;
• Cliente 917 - A... - conta corrente com saldo a nosso favor de € 4.178.06 referente a consumo de Abril a Dezembro de 2019, cliente diz estar tudo pago;
• Cliente 5035 - V... - conta corrente com saldo a nosso favor de € 72.58 referente a consumo no mês de Agosto de 2019; cliente diz estar pago;
Para além disso, apesar de ter pleno conhecimento do procedimento da empresa, em entregar os comprovativos dos depósitos semanalmente no escritório dos valores recebidos, continua a não o fazer e quando o faz é muito tardiamente, chegando ao ponto de não saber a que clientes correspondem ou mesmo o que é que foi pago, criando graves problemas ao funcionamento interno da empresa, dando uma má imagem da empresa e prejudicando a mesma.
Refira-se ainda, que quando o faz é de forma incompleta, aleatória e desprovida de qualquer justificação.
Como podemos verificar pelo exemplo a seguir da conta do Banco 1...:
• No dia 28-06-2019, entregou depósitos efetuados em 09-05-2019, 16-05-2019 e 30-05-2019;
• no dia 05-07-2019, entregou depósitos efetuados em 27-03-2019, 05- 04-2019, 22-05-2019 e 30-05-2019;
• no dia 23-09-2019, entregou depósitos efetuados em 02-08-2019, 22-08-2019 e 05-09-2019; • no dia 19-11-2019, entregou depósitos efetuados em 28-03-2019, 25-07-2019, 30-07-2019, 22-08-2019, 16-09-2019, 19-09-2019, 18-10-2019 e 31-10-2019;
• no dia 19-12-2019, entregou depósitos efetuados em 25-11-2019; e
• no dia 23-12-2019 entregou depósitos efetuados em 28-11-2019.
C) – Na senda do anteriormente descrito o sócio e gerente AA, não entrega semanalmente os comprovativos de despesas que realiza com o cartão da empresa que possui para o efeito.
E quando o faz, tal só sucede alguns meses após e depois de muito lhe ser solicitado pelo escritório da empresa e pelo gabinete de contabilidade, realizando algumas entregas de comprovativos de forma aleatória e sem qualquer organização, sem qualquer justificação para o sucedido.
A título de exemplo:
• no dia 08-08-2019 entregou 10 documentos de despesas várias (almoços e outros);
• no dia 07-09-2019 entregou 14 talões de despesa de combustível e 7 documentos de despesas várias;
• no dia 02-12-2019 entregou 33 talões de despesa de combustível, reportando o mais antigo a Novembro de 2018 e 13 documentos de despesas várias (almoços, alojamento, etc) tendo o mais antigo mais de um ano de antiguidade.
D) – Procede ao pagamento de despesas com o cartão de crédito da empresa não justificando tais despesas com a respetiva entrega de documentos comprovativos (faturas) – listagens em anexo.
E) - Ausência total de rotinas nas visitas aos clientes a seu cargo, veja-se a título de exemplo, os clientes da zona de Trás-os-Montes que ele tem a seu cargo, uma vez que o faz de forma aleatória, alternada e não programada, criando má imagem e insatisfação junto dos clientes e manifesta falta de organização e planeamento;
F) - Como sócio-gerente trabalhador, o Sr AA exerce as funções de vendedor pouco empenhada e zelosa, o que se reflete nos resultados mensais claramente abaixo dos objetivos. A título de exemplo nos cerca de quarenta clientes na sua zona de intervenção, Trás-os-Montes, em dois dias, visita menos de uma dezena.
Por outro lado, há já longos meses que não angaria novos clientes pois não faz prospeção de mercado.
G) – O sócio e gerente AA, é um elemento desestabilizador e conflituoso de toda e qualquer organização de trabalho dentro da empresa, pois não executa as tarefas que lhe estão confiadas e interfere constantemente no trabalho dos restantes sócios e gerentes e dos colaboradores da empresa (ex. aquando da chegada diária de materiais dos fornecedores através das transportadores, recolhe as facturas dos vários volumes das mercadorias, impossibilitando o funcionário encarregue de as conferir e de executar o seu trabalho, pondo em causa qualquer eventual reclamação que houvesse a fazer, prejudicando assim a empresa).
H) - O sócio gerente AA, recentemente ignorou por completo uma multa por excesso de velocidade, ocorrida no dia 14-11-2018, na viatura da empresa em que não se quis identificar como o condutor da viatura automóvel.---Tal conduta, culminou com uma proibição da viatura em causa poder circular no prazo de 30 dias, além do pagamento de uma coima de € 180.00, causando ainda, graves prejuízos em virtude da imobilização da viatura em questão essencial para a atividade da empresa”».
42- Em face dos factos acima descritos e após discussão sobre os mesmos, os sócios presentes deliberaram por unanimidade aprovar o ponto n.º 1 da ordem de trabalhos e destituir com justa causa o sócio gerente Ex. Sr. AA, do cargo de gerente por considerarem ter o mesmo violado gravemente os deveres de gerente sendo o mesmo considerado incapaz para o exercício normal das respetivas funções, inviabilizando definitivamente a sua continuidade naquele cargo.
43- O Autor apenas apresentava - junto da colaboradora DD, funcionária do escritório da Ré -, os talões de depósitos de pagamentos de clientes, de forma parcial e apenas quando instado a fazê-lo pelos seus sócios e/ou por essa colaboradora, o que nem deveria ser necessário fazer, uma vez que esse deveria ser um procedimento semanal – entrega dos talões de depósito, para conferência, atualização das contas correntes dos clientes e emissão dos respetivos recibos de quitação.
44- O Autor nem deveria realizar qualquer depósito nas contas da empresa, pois não é esse o procedimento interno da empresa para os recebimentos de clientes, quer seja em cheque ou numerário na medida em que esses recebimentos, deveriam ser entregues no escritório da empresa, para que lhes fosse dado o devido tratamento - registo nas contas correntes de clientes e emissão dos correspondentes recibos – respetivo depósito na conta da instituição bancária da empresa, que fosse decidido como sendo mais apropriada, em função da estratégia e dos compromissos assumidos pela Ré.
45- Ao longo de 15 anos de atividade, foi por diversas vezes explicado e solicitado ao Autor, pelos seus sócios que não deveria realizar esses depósitos diretamente nas contas da empresa.
46- Apesar disso, e contra todas orientações e regras implementadas na empresa - ao contrário do que é realizado pelos restantes funcionários e sócios, - o Autor nunca respeitou ou cumpriu tal orientação.
47- No dia 1 de Janeiro de 2019 a Ré havia contratado um novo colaborador com experiência para realizar o trabalho de escritório, nomeadamente o Sr. GG.
48- E mesmo, durante a ausência por baixa médica da mencionada colaboradora de escritório da Ré, o Autor sabia que devia entregar no escritório da Ré, os recebimentos dos clientes, junto do seu sócio JJ (mais vocacionado para os atos administrativos e financeiros da empresa) e/ou ao colaborador GG, o que fez algumas vezes, mas de forma parcial, sem critério e desorganizada.
49- Todas as semanas, ao longo de 15 anos de atividade da empresa, o Autor foi alertado para a urgência destas conciliações e para o enorme prejuízo que estes seus recorrentes comportamentos significavam, quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista organizacional, quer do ponto de vista da imagem da empresa.
50- Esses alertas, foram repetidamente efetuados, quer pela colaboradora DD, quer pelos seus sócios, e ainda mais recentemente, pelo colaborador GG.
51- A Ré, viu-se na necessidade de contratar um vendedor com experiência na zona de Trás-os-Montes, para substituir o Autor para fazer vendas naquela zona de Trás-os-Montes e acompanhar os clientes da Ré ali sedeados.
Factos Não Provados
A- Os factos constantes da ata nº ...2 imputados ao A não correspondem à verdade, tratando-se apenas de uma manobra arquitetada pelos outros dois sócios e igualmente gerentes da Ré para afastar o A. da gestão da empresa e da própria sociedade.
B- Os dois sócios do A., CC e o sócio JJ, começaram em conjunto a delinear um plano para afastar o A. do centro das decisões da empresa, com o intuito de o forçarem a vender a sua quota social, afastando-o da empresa.
C- Nunca ninguém da Ré alertou o A. da necessidade urgente destas conciliações ou alegou que tal estava a ser reclamado pelos clientes ou perturbava o funcionamento da empresa, facto que motivaria o A. de forma diferente.
D- Numa das situações em que o A. junto da colaboradora DD estava a conciliar as contas dos clientes e atualizar os extratos de conta destes, os mesmos foram interrompidos pelo sócio gerente CC, que os impediu de continuar a fazê-lo, insinuando mesmo diretamente à colaboradora DD se estava feita com o A. ou se era sua funcionária pessoal.
E- Mais tarde, o A. tomou conhecimento de que o gerente da R. CC proibiu mesmo a colaboradora DD de continuar a fazer os acertos e a conferência de conta-corrente dos clientes com o A, motivo pelo qual o A ficou impedido de atualizar todas as contas destes clientes.
F- Todos as contas com os vários clientes da Ré lidados pelo A. foram efetuadas, com exceção dos 3 ou 4 clientes que o A. foi impedido de efetuar.
G- Foi o que aconteceu relativamente aos clientes referidos na ata de assembleia extraordinária (nº. 22), sendo certo que todas as situações eram do conhecimento dos restantes gerentes.
H- Relativamente ao cliente A..., (cliente 917), a Ré tem conhecimento que sempre existiu um problema de contabilidade com o mesmo, uma vez que o cliente 917 - A..., quando procede a alguma devolução, ao invés de aguardar a emissão da nota de crédito por parte da Ré, desconta o preço da peça na fatura a liquidar.
I- Esta situação, contra a qual o A. já se insurgiu junto do cliente, causa alguns problemas no sistema de faturação da empresa, que se reflete na conta -corrente, mas que tem resolução fácil desde que seja permitido ao A. junto dos serviços administrativos corrigir a situação.
J- É absolutamente falso que essa demora na atualização das conta-correntes tenha afetado os clientes ou a imagem da empresa R. junto deles, como ficou a constar da ata de assembleia nº 22.
K- Todos eles são clientes com quem o A. tem bom relacionamento e nunca manifestaram perante a Ré qualquer desagrado ou insatisfação decorrente desta situação.
L- Já relativamente ao cliente 840 - B... - este cliente tem efetivamente uma dívida para com a R., facto que o A. sempre confirmou.
M- No entanto, conforme o A. também já comunicou à R., esta dívida será paga pelo aqui A. em acerto de contas, uma vez que este tem lá um veículo automóvel seu que se encontra para reparação nessa oficina, sendo certo que, também com este cliente não existe qualquer problema.
N- Relativamente ao cliente V..., desconhece o A. por que razão se invoca esta questão, quando já há muito informou a Ré de que ele próprio pagaria o valor de € 72,58, pois que se trata de um bom cliente da Ré e que nem vale a pena levantar questões por um montante insignificante.
O- Relativamente às despesas efetuadas por este, nunca foi deliberado pela Ré que a entrega das despesas tivesse que ser efetuada semanalmente, sendo que o A. entrega toda a documentação quando é solicitado para o efeito.
P- Há mais de 15 anos que o A. segue esse procedimento na empresa e nunca foram levantadas quaisquer questões pela R ou pelos seus sócios.
Q- E, quanto às despesas, cujos talões comprovativos a Ré diz não existirem, a verdade é que todas podem ser verificadas e comprovadas no extrato bancário do cartão.
R- Há cerca de 4 anos o A. foi obrigado a assumir o cargo de vendedor na zona de Trás-os-Montes, para onde se desloca 2 dias por semana, mantendo uma rotina de visita aos clientes.
S- O A. percorre dezenas de quilómetros diariamente, mantendo uma excelente relação comercial com os clientes numa zona em que a R. tinha inúmeros problemas de recebimentos no passado.
T- É igualmente falso que o A. tenha ignorado um processo de contra- ordenação de trânsito.
U- Os factos que constam do conteúdo que consta da acta nº ...2 resultante da assembleia geral de 2/01/2020, são uma absoluta surpresa para o A. e não correspondem minimamente à verdade.
V- Acresce que, a presente deliberação social é manifestamente prejudicial para os interesses patrimoniais do A. e da própria sociedade E..., L.da
W- O A sempre foi um gerente e vendedor zeloso e cumpridor, muito considerado pelos clientes.
X- Até à data em que os sócios se incompatibilizaram nunca foi feito qualquer reparo à sua forma de trabalhar, procurando os sócios gerentes EE e CC beneficiar pessoalmente ao indicar como nova gerente a esposa daquele.
Y- A gerência da R, atualmente (a cargo dos dois sócios CC e EE e da esposa deste BB) tem feito um exercício daquelas funções como muito bem entende, completamente à revelia do interesse societário e do A., também sócio.
Z- O A. foi afastado da gerência da sociedade apenas com o intuito de poderem manipular a empresa a seu belo prazer e com vista a prosseguirem interesses pessoais.
AA- Os factos imputados ao A. não acarretaram qualquer prejuízo para a Ré, facto que nem sequer foi alegado, tratando-se de pequenos pormenores que podem ser facilmente satisfeitos e justificados desde que a própria Ré, através dos seus gerentes, permita ao A. a sua explicação e atualização junto dos serviços administrativos.
BB- Para o ente societário não resultou qualquer prejuízo patrimonial ou para a própria imagem, tanto mais que, foi a própria gerência da Ré quem em tempo oportuno impediu o A. de juntamente com a sua colaboradora administrativa, de fazer a conferência e a conciliação dos movimentos em falta.
CC- Em momento algum foi imputado ao A. algum comportamento que se traduzisse num prejuízo para a sociedade.
DD- Lograda a possibilidade de aquisição da quota do A., o plano dos seus outros dois sócios passou pela destituição do A da gerência, sem qualquer motivo ou fundamento, numa tentativa de o afastar do centro de decisões da empresa e de provocar o seu afastamento.
EE- O A. sempre deu conhecimento à Ré e aos seus sócios das quantias recebidas dos clientes e dos depósitos por si efetuados na conta bancária da empresa.
FF- Na verdade, o A. sempre que efetuava depósitos de numerário ou cheques de pagamentos efetuados por clientes, entregava os respetivos talões comprovativos no escritório, à colaboradora DD, colocando nos mesmos, para melhor identificação, o nome dos clientes respetivos.
GG- Em finais de 2018, a colaboradora do escritório da Ré DD ficou doente, com um esgotamento, e entrou de baixa médica por tempo prolongado.
HH- Só com três ou quatro clientes, dos quais os gerentes da Ré eram conhecedores, o A. aguardava o regresso da DD para acertar as contas do extrato de conta-corrente, quer com os créditos a fazer aos clientes.
II- Só com esta colaboradora era possível esclarecer e corrigir todas as contas, já que os valores a acertar provinham ainda de situações de atrasadas e de quando esta se encontrava ao serviço da Ré.
JJ- Era necessário acertar contas com pagamentos efetuados pelo A. a fornecedores, devoluções de peças e materiais efetuadas por clientes e outras, que só com esta colaboradora era possível efetuar por estar já a par das mesmas.
KK- Apenas quando aquela funcionária voltou ao serviço, em Outubro de 2019, é que o A. passou a ter oportunidade de fazer a conciliação destas situações.
LL- Foi proposta ao A a compra da sua quota pelo dobro do seu valor, tendo ficado acordado que num prazo de 30 dias o Autor daria uma resposta.
MM- O A nunca deu uma resposta.
NN- Quando confrontado pelos funcionários da A para dar explicações ou esclarecimentos das quantias recebidas e depositadas o Autor não sabia dar resposta ou simplesmente negava-se a fazê-lo.».

2. Apreciação de mérito do recurso:

2.1. Arguição de nulidade da sentença:

O recorrente arguiu a nulidade da sentença, por considerar: que existe uma contradição lógica entre os factos 10 e 11 e o facto 24, não podendo manter-se os mesmos nestes termos; que a ambiguidade torna a decisão ininteligível quanto à decisão de facto, nomeadamente quanto à data em que as relações pessoais entre os sócios se deterioram e quanto ao seu reflexo na gestão da empresa; que «é nula a sentença quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pelo que, atento tal facto, a sentença proferida deve ser considerada nula, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º alínea d) do CPC.» (conclusões 70 a 75).
A recorrida opôs-se à arguição, defendendo que não existe contradição entre os factos e que os mesmos são congruentes e inteligíveis.
Impõe- se apreciar a arguição.
Preliminarmente, verifica-se que o recorrente, apesar de ter indicado que a sentença incorreu na nulidade do art.615º/1-d) do C. P. Civil, citou o conteúdo de ininteligibilidade da sentença que se refere ao fundamento do art.615º/1-c) do C. P. Civil. De facto, o fundamento do art.615º/1-d) do C. P. Civil, em referência à inobservância da obrigação do art.608º/2 do C. P. Civil, ocorre quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;», enquanto o fundamento do art.615º/1-c) do C. P. Civil refere-se à situação em que «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;».
Subsequentemente, importa verificar se a contradição entre factos provados (indicado pelo recorrente como sendo entre a matéria constante dos factos 10 e 11 e a matéria constante do facto 24) é apta a integrar o fundamento da nulidade da sentença previsto no art.615º/1-c) do C. P. Civil.
Ora, a nulidade do art.615º/1-c) do C. P. Civil, como referem sumariamente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa: quanto à primeira parte, ocorre «quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.»; quanto à segunda parte, «A decisão é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.»[1].
Esta nulidade da sentença distingue-se da anulabilidade da decisão previstas no art.662º/2-c) do C. P. Civil, em caso de contradição entre factos provados, e que pode ser suprida pela Relação caso disponha de elementos para o efeito. De facto, a Relação deve, ainda, oficiosamente, «c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;». Como referem os mesmos autores assinalados supra, «Quanto a segmentos da decisão que (sendo imprescindíveis para a decisão) se revelem deficientes, obscuros ou contraditórios (STJ 12-5-16, 2325/12), a Relação deverá supri-los, desde que constem do processo (ou da gravação) os elementos em que o tribunal se fundou (…). Não sendo o caso, deve anular a decisão recorrida e remeter o processo para a 1ª instância.»[2].
Ora, neste contexto, verifica-se que os fundamentos expostos pelo recorrente não integram a causa de nulidade da sentença prevista no art.615º/1-c) do C. P. Civil, uma vez que nos mesmos não foi invocada uma oposição no silogismo judiciário (em que os fundamentos apontem num sentido e a decisão proferida num sentido oposto), nem uma verdadeira obscuridade/ininteligibilidade do teor da decisão final (da caducidade da ação de anulação de deliberação e da improcedência dos pedidos de declaração de nulidade da deliberação) ou uma ambiguidade da decisão final quanto às mesmas matérias (por ser passível de distintas interpretações).
A existir contradição entre factos provados que fossem relevantes para a decisão, e que devesse ser suprida nos termos do art.662º/2-c) do C. P. Civil, deveria a mesma ser conhecida aquando da apreciação da impugnação à matéria de facto.
Desta forma, indefere-se a arguição de nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-c) do C. P. Civil.

2.2. Invocação de erro da decisão de caducidade da ação de anulação da deliberação e pretensão de conhecimento do pedido de anulação da deliberação:

2.2.1. Sobre a decisão de caducidade da ação de anulação:
A sentença recorrida julgou caduca a ação de anulabilidade das deliberações, com o seguinte fundamento:
«Efetivamente, os presentes autos foram intentados em tribunal materialmente incompetente para conhecer do pedido, que assim o declarou, tendo sido remetidos a este Juízo e autuados a 30-9-2020.
O prazo de caducidade para intentar a anulabilidade da deliberação, se considerarmos a data de 9-1-2020, invocada pelo A como a data em que teve conhecimento da deliberação, sendo de 30 dias, terminaria a 9-2-2020. Pelo que, quando os autos deram entrada neste tribunal onde foram julgados, a 30-9-2020, há muito tinha decorrido tal prazo.
A respeito da caducidade do direito de propor a ação, importa considerar o disposto no artigo 332º, nº1 do CC: “Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no nº3 do artigo 327º, mas se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito”. Mas, mesmo que substituamos o prazo de caducidade para dois meses, ainda assim teriam decorrido antes da chegada a este tribunal dos autos.
E sempre teríamos o encómio para que remete o artigo 332º, nº1, constante do artigo 327º, nº3: “Se, por motivo não imputável ao titular do direito (…)”. Este requisito não se verifica nos autos, pois a interposição da ação em tribunal incompetente é imputável à parte, pelo que nunca poderia beneficiar do aumento do prazo de caducidade.
Pelo exposto, julgo verificada a invocada exceção de caducidade do direito de interpor a ação com fundamento em anulabilidade da deliberação.»
O recorrente invocou que esta decisão de caducidade da ação de anulação incorreu em erro de direito, por entender: que o erro da instauração da ação no tribunal materialmente incompetente não lhe é imputável (arts. 332º/1 e 327º/3 do C. Civil), face à diferença de competências entre os pedidos da al. a) (al. d) do art.128º da LOSJ) e da al. b), reclamado nos termos do art.257º/7 do CSC (que a jurisprudência tem entendido corresponder aos juízos cíveis) e o disposto no art.82º/2 do C. P. Civil; que ocorreu a suspensão de prazos de caducidade com os arts.6º-B e 6º-C da Lei nº1-A/2020, de 19 de março (conclusões 1 a 13).
A recorrida defendeu a caducidade da ação de anulação, por ser imputável ao autor a instauração da ação em Tribunal materialmente incompetente (conclusões 1 a 38).
Impõe-se reapreciar esta decisão de caducidade proferida na sentença, face aos fundamentos do recurso e da resposta, aos atos processuais provados e ao regime legal aplicável.

2.2.1.1. Enquadramento jurídico:
2.2.1.1.1. Em geral:

A. A ação de anulação de uma deliberação social deve ser instaurada no prazo de 30 dias, sob pena de caducidade do direito (art.59º/2 do C. S. Comerciais).
Este prazo deve ser contado, quanto ao seu termo inicial, de acordo com a regra especial do Código das Sociedades Comerciais:
«a) Da data em que foi encerrada a assembleia geral» (art.59º/2-a) do C. S. Comerciais), sendo que, todavia, no caso de assembleias com mais de uma sessão e que sejam interrompidas por mais de 15 dias «(…) a acção de anulação de deliberação anterior à interrupção pode ser proposta nos 30 dias seguintes àquele em que a deliberação foi tomada.» (art.59º/3 do C. S. Comerciais).
«b) Do 3.º dia subsequente à data do envio da acta da deliberação por voto escrito» (art.59º/2-b) do C. S. Comerciais), para os casos em que a lei admite e ocorreu esta votação escrita (art.247º do C. S. Comerciais).
«c) Da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre o assunto que não constava da convocatória» (art.59º/2-c) do C. S. Comerciais).
Nesta mesma contagem do prazo, de acordo com as regras gerais do cômputo do termo, previstas no art.279º do C. Civil, deve atender-se ainda que «b) (…) não se inclui o dia (…) em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr» (…) e) O prazo que termine em domingo ou feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.».
B. O regime previsto no art.59º/-a) a c) do C. S. Comerciais, e referido em A supra, o legislador, numa situação em que a assembleia geral foi presencial e sem votos escritos, apenas prevê a contagem do prazo de instauração da ação de anulação desde a notificação da ata, no caso da convocatória para a assembleia não ter previamente indicado o assunto a deliberar na mesma.
Este assunto que deve constar da convocatória da assembleia geral da sociedade por quotas (art.377º/8, ex vi do art. 248º/1 do C. S. Comerciais) corresponde também a um dos «elementos mínimos de informação» dos sócios, que devem preceder a deliberação, e cuja falta é causa de anulabilidade da mesma (art.58º/1-c), 4-a) e art.377º/8 do C. S. Comerciais).
Repare-se que, nestes «elementos mínimos de informação», cuja falta pode causar a anulabilidade da deliberação supra referida, o Código das Sociedades Comerciais, no seu regime geral das sociedades e no seu específico das sociedades por quotas (diretamente e por remissão do regime das sociedades anónimas), não inclui a obrigação de indicação na convocatória dos fundamentos da destituição de gerente por justa causa (regulada no art.257º do C. S. Comerciais), apesar do Código prever elementos que da mesma devem constar em geral e em matérias particulares distintas da destituição por justa causa (art.59º/4-a) e b) do C.S. Comerciais, em referência, na sua alínea a), para o art.377º/8 do C. S. Comerciais; arts.94º, 100º/3, 120º do C. S. Comerciais; art.377º/5 e 8, ex vi do art.248º/1 do C. S. Comerciais).

Para além dos elementos mínimos a constar da convocatória, o sócio pode, livremente: pedir informações posteriores sobre atos cuja prática seja esperada, quando estes sejam suscetíveis de fazer incorrer o autor em responsabilidade, nos termos da lei (art.214º/3 do C. S. Comerciais); requerer, na própria assembleia, «que lhe sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhe permitam formar opinião fundamentada sobre assuntos da deliberação», sendo que, «A recusa injustificada das informações é causa de anulabilidade da deliberação» (art.290º/1 e 3 do C. S. Comerciais, ex vi do art.214º/7 do C. S. Comerciais).
Neste contexto, J. M. Coutinho de Abreu, sobre esta al. c) do nº2 do art.59º do C. S. Comerciais, afirma que se refere a norma apenas à falta de indicação de assunto na convocatória (e não a irregularidade de convocatória), defendendo, subsidiariamente, que, ainda que se equiparasse à falta de assunto a irregularidade da convocatória, esta apenas poderia determinar a anulabilidade se impossibilitasse o sócio de participar na assembleia:
«percebe-se que um sócio, convocado para assembleia onde se deliberou sobre assunto não constante da convocatória e onde não esteve presente nem se fez representar, possa impugnar tal deliberação dentro de trinta dias contados a partir de data em que dela teve conhecimento.
O preceito não estatui o mesmo relativamente a sócios irregularmente convocados. Divergindo do previsto no art.380º, 3, do CPC e no art.178º, 2, do C. Civ. Contudo a jurisprudência tem aplicado analogicamente estas duas normas em caso de deliberações adotadas em assembleia irregularmente convocada.
Quer-me parecer, no entanto, que não é qualquer irregularidade na convocação que permitirá a um sócio arguir a anulabilidade em prazo de trinta dias que só começa a correr a partir da data em que tome conhecimento da deliberação. Só será assim quando a irregularidade impeça o sócio de participar na assembleia e de, por isso, tomar então conhecimento do que aí se deliberou. Um sócio convocado, ainda que irregularmente, de modo a saber que em certa data haverá assembleia para deliberar sobre determinados assuntos fica ciente do ónus de, não participando nela, informar-se sobre o que foi deliberado»[3].
2.2.1.1.2. Em especial (em caso de absolvição da instância):
O prazo de caducidade dos direitos, nos casos de absolvição da instância, está sujeito a um regime normativo especial.
Nos termos do art.279º/1 e 2 do C. P Civil de 2013, sobre o alcance e os efeitos da absolvição da instância, prevê-se que: «1. A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto» e que “2. Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância».
Este regime processual, maxime, quanto à ressalva inicial do nº2 do art.279º do C. P. Civil: 
a) Por um lado, diferencia-se daquele que esteve em vigor no Código de Processo Civil de 1939, aprovado pelo DL nº29 637, de 28.05.1939 (que previa no corpo do art.294º que «A absolvição da instância em caso algum obstará a que se proponha outra acção sôbre o mesmo objecto. Os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu manter-se-ão, quando seja possível, se a nova acção fôr intentada ou o réu fôr citado para ela dentro de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.»), e no Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo DL nº44129, de 28.12.1961, na data de entrada em vigor (que previa nos nºs1 e 2 do art.289º que «1. A absolvição da instância em caso algum obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto. 2.Os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.»).
b) Por outro lado, corresponde à versão alterada do art.289º do C. P. Civil de 1961, realizada pelo art.1º do Decreto-Lei n.º 47690, de 11.05.1967, que introduziu modificações nos textos do Código de Processo Civil, a fim de consagrar as inovações e as alterações exigidas pela entrada em vigor do Código Civil aprovado pelo Decreto Lei 47344, de 25 de novembro de 1966.
De facto, foi no Código Civil de 1966 que foi introduzido o regime da caducidade dos direitos (arts.296º ss e 328º ss)[4].
Ora, neste regime da caducidade da lei civil, ressalvado desde 1967, inicialmente na 1ª parte do art.289º do C. P. Civil de 1961 na versão de 1967 e, após, na 1ª parte do art.279º do C. P. Civil de 2013, prevê-se: que a caducidade é impedida pela «prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo» (art.331º/1 do C. Civil); que «1. Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 327.º; mas se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito. 2. Nos casos previstos na primeira parte do número anterior, se a instância se tiver interrompido, não se conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a proposição da acção e a interrupção da instância.» (art.332º/1 e 2 do C. Civil); que, no nº3 do art.327º do C. Civil, a que se refere a remissão do nº1 do art.332º do C. Civil, depois de se prever no nº2 que «Quando (…) se verifique (…) a absolvição da instância (…) o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo», passou-se a prever de seguida que «1. Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 327.º; mas se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito. 2. Nos casos previstos na primeira parte do número anterior, se a instância se tiver interrompido, não se conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a proposição da acção e a interrupção da instância.» (art.332º/1 e 2 do C. Civil); que, no nº3 do art.327º do C. Civil, a que se refere a remissão do nº1 do art.332º do C. Civil, depois de se prever no nº2 que «Quando (…) se verifique (…) a absolvição da instância (…) o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo», passou-se a prever de seguida que «3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo de prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses».
Na articulação entre o regime processual civil e o regime civil a jurisprudência maioritária tem entendido, face à letra da lei e ao argumento histórico, que o regime civil da caducidade (art.332º/1 em referência ao art.327º/3 do C. Civil, no qual a imputabilidade se afere pela censurabilidade da absolvição da instância face à diligência exigível ao homem médio) está ressalvado na 1ª parte do nº2 do atual art.279º do C. Civil e sobrepõe-se ao mesmo. Assinalam-se, neste sentido, nomeadamente, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
__ O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.05.2003, proferido no processo nº03..., relatado por Moreira Camilo, concluiu e sumariou:
«1ª - Proferida decisão de absolvição da instância, com o fundamento na incompetência em razão da matéria do tribunal onde a acção foi proposta, pode o autor, em nova acção intentada, beneficiar da manutenção dos efeitos civis derivados da primeira causa, quando seja possível, desde que essa nova acção seja proposta no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado daquela decisão.
2ª - Contudo, a ressalva prevista no nº 2 do artigo 289º do CPC, no tangente ao disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade, não afasta a possibilidade de ocorrer a caducidade do direito que o autor pretende ver reconhecido, pois que a absolvição da instância não resulta de motivo processual não imputável ao titular do direito (cfr. artigos 327º, nº 3, e 332º nº 2, do Código Civil).»[5].
__ O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.07.2009, proferido no processo nº571/07...., relatado por Bravo Serra, concluiu:
«I- A acção de impugnação de despedimento por extinção do posto de trabalho invocado por uma porteira de prédio urbano em regime de propriedade horizontal tem de ser intentada no prazo de um ano a contar da data em que o mesmo ocorreu, sendo este considerado um prazo de caducidade desde a entrada em vigor do CT/2003.
II- Assim, é de se lhe aplicar o disposto no artigo 327º, nº 3 do CC, por força da remissão que é feita pelo nº 1 do artigo 332º.
III- Os efeitos civis decorrentes da propositura duma 1ª acção intentada pela trabalhadora três meses depois do seu despedimento mantêm-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância desde que essa absolvição não resulte de motivo processual imputável ao titular do direito, conforme estabelece o nº 3 do artigo 327º do CC.
IV- A definição conceitual de “motivo processual não imputável ao titular do direito” deve alicerçar-se essencialmente na ideia de culpa, que, na falta de outro critério legal, deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso, sendo relevante um juízo sobre a imputabilidade da decisão de absolvição da instância, que deve assentar, de modo exclusivo, numa conduta errónea do titular do direito.»[6].
__ O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.02.2012, proferido no processo nº566/09...., relatado por Lopes do Rego, sumariou e concluiu:
«1. Da conjugação dos arts. 289.º, n.º 2, do CPC, 332.º, n.º 1, e 327, n.º 3, ambos do CC, resulta que, no que à caducidade diz respeito, os efeitos civis da propositura da acção – impedimento à verificação da caducidade - mantêm-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, desde que essa absolvição por motivo processual não seja imputável ao titular do direito, não se devendo a culpa da sua parte quanto ao modo como propôs e fundamentou em juízo a acção.
2. O regime estatuído naqueles preceitos do CC sobrepõe-se e substitui-se, no âmbito da caducidade, ao que sempre constou do nº2 do art. 289º do CPC – facultando ao autor a manutenção dos efeitos civis da propositura da primeira acção, terminada por mera decisão de forma, com a única condição de a voltar a propor no prazo de 30 dias contados do trânsito da decisão absolutória – pelo que o regime estabelecido naquela norma adjectiva não é presentemente de aplicar em sede do instituto da caducidade de direitos exercidos em juízo.
3. Não pode deixar de se ter por imputável ao autor/desistente a prolação de decisão de forma que, homologando a desistência da instância por si requerida, põe termo à relação processual, sem composição do litígio.»[7].
__ O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.06.2015, proferido no processo nº1010/06...., relatado por Hélder Roque, sumariou:
«IV - É imputável ao autor, a título de culpa, a absolvição da instância, ocorrida em anterior acção, por ter atuado em termos de a sua conduta merecer a reprovação ou a censura do direito, quando, no quadro de um razoável juízo de previsibilidade, fosse de conjeturar uma situação de absolvição da instância, como acontece quando, na condução da acção, a parte, representada pelo seu advogado, não adota um paradigma de proficiência, zelo, atenção e diligência na elaboração das respectivas peças processuais, sendo certo que, face às circunstâncias do caso, poderia e deveria ter agido de outro modo, considerando a manifesta evidência da caraterização dos pressupostos da legitimidade ativa na acção de preferência.
V - Na formulação inicial do art. 294.º, n.º 2, que veio a dar origem ao art. 289.º, n.º 2, do CPC de 1961 (hoje, o art. 279.º, n.º 2, do NCPC (2013), o autor gozava sempre do prazo adicional de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, para repetir a acção, de modo a obviar à caducidade, independentemente da sua eventual culpa na decisão que se absteve de conhecer do mérito da causa.
VI - Por força do regime substantivo de exceção “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e caducidade dos direitos,…”, que decorre hoje do artigo 279.º, n.º 2, do NCPC, verificando-se a absolvição da instância, em acção sujeita a prazo de caducidade que veio a ser declarada, o autor dispõe agora de um prazo alargado de dois meses, relativamente ao antecedente prazo de trinta dias, a partir do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, muito embora o efeito impeditivo da caducidade se encontre, presentemente, condicionado por um juízo de não culpabilidade quanto à causa da absolvição da instância.
VII - A ratio legis deste regime inovatório leva a considerar que o onerado com um prazo de caducidade deve preocupar-se com a propositura atempada da acção, mas, também, com a sua procedência, em ordem a atingir o fim visado pela mesma, ou seja, a satisfação célere da pretensão do autor, de modo a evitar o insucesso da causa.
VIII - Ao regime mais favorável ao autor que lhe permitia repropor, sucessivamente, a acção, dentro do prazo de trinta dias, a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, independentemente da existência de culpa na elaboração dos contornos da petição inicial, seguiu-se um regime em que a sua conduta processual pretérita, desde que isenta de culpa na causa determinante da absolvição da instância, lhe confere um prazo adicional alargado para repetir a acção, mas em que, a ocorrer a censurabilidade do seu comportamento processual, fica privado do prazo de trinta dias do regime processual, então, inaplicável, devido à ressalva do regime substantivo, contemplada na primeira parte do n.º 2, do art. 289.º do CPC de 1961 (hoje, o art. 279.º, n.º 2, do NCPC).
IX - Sendo imputável ao autor a absolvição da instância, ocorrida na acção anterior, o prazo de caducidade do direito da propositura da acção de preferência começa a correr com o ato interruptivo, atento o disposto pelo n.º 2, não gozando o autor do prazo especial, a que alude o n.º 3, ambos do art. 327.º do CC.»[8].
Este entendimento dominante, como explicam e defendem também António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa[9], implica que, apesar da proposição da ação desencadear efeitos civis substantivos (impedimento da caducidade- art.331º/1 do C. Civil; contagem do prazo de 5 dias para a interrupção da prescrição – art.323º/2 do C. Civil) e processuais (de fixação da competência, da forma- art.136º/2 C. P. Civil, do valor do processo- art.299º/1 do C. P. Civil) e da citação do réu também desencadear efeitos civis substantivos (interrupção da prescrição em curso- art.323º/1 do C. Civil; constituição do devedor em mora- art.805º/1 do C. Civil; cessação da boa-fé do possuidor- art.564º/a) do C. P. Civil) e processuais (estabilização dos elementos objetivos e subjetivos da instância- arts.564º/b) e 260º do C. P. Civil; inibição do réu intentar ação contra o autor, sob pena de se verificar a litispendência- art.564º/c) do C. P. Civil), nos casos de casos de absolvição da instância: o regime do aproveitamento dos efeitos da proposição da ação e da citação do réu para efeitos da caducidade e da prescrição devem ser encontrados apenas nos arts. 327º/3 e 332º/1 do C. Civil («sendo por isso necessário que o motivo da absolvição da instância não seja imputável ao autor (pressuposto que deve ser casuisticamente apreciado, sem dogmatismos)»), ressalvados na 1ª parte do nº2 do art.279º do C. P. Civil; o regime do aproveitamento dos efeitos da proposição da ação e da citação do réu para os demais efeitos de natureza substantiva e processual, quando seja possível, depende dos requisitos da 2ª parte do nº2 do art.279º do C. P. Civil, independentemente da imputabilidade quanto à absolvição da instância.
Considera-se que este entendimento maioritário corresponde à interpretação mais sustentada da norma segundo os critérios do art.9º do C. Civil, não suficientemente ultrapassado pelas posições minoritárias da jurisprudência das Relações [10] e da Doutrina[11].
2.2.1.2. Situação em análise:
Importa apreciar a situação em análise.
Numa primeira análise, examinando os factos alegados e provados, tal como os atos processuais documentados no processo com força probatória plena, verifica-se:
a) Que se julgou provado que o autor foi notificado, por notificação judicial avulsa, da convocatória para a assembleia geral- extraordinária de 2 de janeiro de 2020, às 19.30 h, na sede da ré, na qual constava, como primeiro e segundo pontos da ordem de trabalhos, «1º deliberar sobre a destituição do Exmº. Senhor AA do cargo da gerência, nos termos do disposto no art.257º, nº1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais; 2º- Nomeação de novo gerente KK.» (pontos 4- 2ª parte, 5, 39 e 40 dos factos provados da sentença recorrida).
b) Que o autor não invocou (e por isso também não alegou e não provou factos correspondentes) qualquer irregularidade da convocatória que o tivesse impossibilitado de pedir informações sobre elementos subjacentes aos assuntos sobre os quais não tivesse ficado esclarecido com a notificação da convocatória ou qualquer irregularidade da mesma que o tivesse impossibilitado de estar presente na assembleia extraordinária ou de se fazer representar.
c) Que se julgou provado que o autor faltou à assembleia geral extraordinária para que fora convocado e também não se fez representar (factos provados em 6 e 40) e que na assembleia geral de 2 de janeiro de 2020 foi deliberada a sua destituição de gerente por justa causa baseada nos factos na mesma elencados e foi deliberada a nomeação de nova gerente que havia sido indicada na convocatória (factos provados em 41 e 42).
d) Que se julgou provado que a 09.01.2020 o autor foi notificado da ata nº...2 da assembleia geral realizada a 2.1.2020, remetida por carta de 8.1.2020, na qual teve conhecimento das deliberações e dos factos que lhe foram imputados para a justificar a destituição com justa causa (factos 6- 2ª parte e 7).
e) Que a presente ação, com os pedidos referidos em I-1- 1.1. supra (em que o primeiro pedido, do qual os demais depende, correspondeu ao pedido de anulação ou declaração de nulidade da deliberação): foi instaurada nos Juízos Centrais Cíveis a 04.02.2020, juízo que a 04.09.2020 absolveu a ré da instância por incompetência material e determinou a remessa do mesmo para o Tribunal materialmente competente; foi, depois, remetida aos Juízos de Comércio competentes, na qual entrou a 30.09.2020 e aí foi distribuída (atos constantes de I-1, 4 e 5 supra).
Numa segunda ordem de análise, através do confronto dos factos provados supra referidos com o regime legal aplicável referido em III-2.2.1- 2.2.1.1. supra, não se pode deixar de entender que, ainda que por razões prévias e distintas das referidas pelo Tribunal a quo, a 30.09.2020 (e também a 04.02.2020) já havia decorrido o prazo de caducidade de 30 dias para a instauração da ação de anulação da deliberação social de destituição de gerente e de nomeação de nova gerente.
Por um lado, e preliminarmente, o prazo de caducidade de 30 dias para instaurar a ação de anulação a que se refere o nº2 do art.59º do C. S. Comerciais deve ser contado nos termos da al. a) do nº2 do art.59º do C. S. Comerciais (desde o dia em que se realizou a assembleia, na qual foram deliberados os assuntos da convocatória e foi encerrada a assembleia) e não deve ser contado nos termos da al. c) do nº2 do art.59º do C. S. Comerciais (desde a data da receção da ata em que o autor teve conhecimento da deliberação, por esta se referir às situações em que da ata não constava o assunto a deliberar).
De facto, tendo a convocatória indicado como 1º assunto da ordem do dia da assembleia geral a destituição de gerente/autor, nos termos do art.257º/1 e 2 do C. S. Comerciais e respeitando estas previsões normativas à destituição do gerente, quer esta ocorra com justa causa ou sem justa causa («1 - Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes. 2 - O contrato de sociedade pode exigir para a deliberação de destituição uma maioria qualificada ou outros requisitos; se, porém, a destituição se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por maioria simples.»), verifica-se que está claramente indicado o assunto objeto de deliberação, que inviabiliza a aplicação da previsão da al. c) do nº2 do art.59º do C. S. Comerciais e faz aplicar a previsão de contagem da al. a) do nº2 do art.59º do C. S. Comerciais. De facto, tendo o sócio/gerente/autor sido convocado para a assembleia do dia 02.01.2020, para deliberar da sua destituição como gerente, com ou sem justa causa, e para nomear nova gerente, cabia-lhe os ónus de pedir informações complementares (caso entendesse carecer das mesmas antes da assembleia) e de comparecer na assembleia ou fazer-se representar na mesma (na qual poderia pedir informações e a interrupção da assembleia, deliberar e tomar conhecimento das deliberações tomadas, a partir das quais corria o prazo para a instauração da ação judicial de anulabilidade das mesmas), sendo que, não tendo feito nem tendo invocado que a convocatória que recebeu o impediu de exercer estes direitos (nomeadamente, face à antecedência da mesma), a falta de cumprimento dos ónus apenas a si é imputável.  
Desta forma, contando-se o prazo de 30 dias nos termos do art.59º/2-a) do C. S. Comerciais e do art.279º/b) e e), ex vi do art.296º do C. Civil, verifica-se: que o prazo de 30 dias para instaurar a ação de anulabilidade começou a correr a 03.01.2020 e terminou a 01.02.2020; que, como o dia 01.02.2020 era sábado, o cômputo do prazo de 30 dias transferiu-se para a segunda-feira, dia 03.02.2020.
Assim: quando a ação foi instaurada a 04.02.2020 no Juízo Central Cível já tinha decorrido o prazo de caducidade de 30 dias, ainda que estes Juízos tivessem sido materialmente competentes ou ainda que se viesse a considerar que a absolvição da instância por incompetência material não era imputável ao autor e que este poderia beneficiar do efeito impeditivo da caducidade do nº1 do art.331º, ao abrigo do disposto no art.332º/1 e 327º/3 do C. Civil quando a ação, em renovação da instância, deu entrada no Juízo de Comércio ..., a 30.09.2022, o direito já estava caduco desde 04.02.2020.
Por outro lado, ainda que assim não fosse e se considerasse que o prazo de caducidade de 30 dias para o sócio poder pedir a anulação das deliberações da assembleia de 02.01.2020 se contava desde a receção da ata a 09.01.2020, nos termos do art.59º/2-c) do C. S. Comerciais, e que, nesta medida, o referido prazo não estava decorrido a 04.02.2020 quando foi instaurada a ação de que a ré foi absolvida da instância a 04.09.2020: não se consideraria que o autor pudesse beneficiar do prazo acrescido do art.327º/3 do C. P. Civil, ex vi do art.331º/1 do C. P. Civil, para instaurar nova ação ou para renovar a instância; nem se consideraria que a suspensão dos prazos prevista nos arts.6º-B e 6º-C da Lei nº1-A/2020, de 19.03. tivesse alterado o decurso do prazo de caducidade.
De facto, apesar do recorrente defender que a absolvição da instância por incompetência material do Juízo Central Cível para julgar a presente ação (por ser competente o Juízo do Comércio) não lhe foi imputável, face à cumulação de pedidos por si realizada, à falta de resposta clara do sistema jurídico quanto à competência e à possibilidade de escolha de competência que lhe facultaria a escolha do art.82º/2 C. P. Civil, verifica-se que não lhe assiste razão e que a instauração da ação de anulação de deliberação social no Juízo Cível, materialmente incompetente, lhe é claramente imputável face ao regime vigente, de compreensão comum para o cidadão médio.
Na verdade, o primeiro pedido formulado pelo autor na presente ação, e de forma principal, correspondeu à declaração de anulação e de nulidade de deliberações de uma sociedade por quotas (único pedido julgado), em relação ao qual o segundo pedido foi formulado de forma dependente, face ao qual o terceiro pedido foi formulado de forma subsidiária (pedidos estes que, respetivamente, foram objeto de declaração de redução do autor e de absolvição da instância do Tribunal a quo). Ora, o art.128º/1-c) e d) da LOSJ indica claramente como sendo de competência material dos Juízos Centrais ... as «c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais; d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;», sendo que o direito do sócio impugnar deliberações dos sócios contrárias à lei ou ao contrato social, nos termos dos arts.56º, 58º a 60º e 69º do C. S. Comerciais, é um direito social dos sócios, de acordo com entendimento pacífico (referindo Paulo Olavo Cunha que o direito de impugnação é o contrapeso do direito de participação ilicitamente negado ou a vontade social deficientemente formada[12]). E se fosse de aplicar à competência material na cumulação de pedidos as regras da competência territorial previstas no art.82º do C. P. Civil, como o autor/recorrente defende, não estaria o autor habilitado a fazer a escolha do tribunal competente nos termos do art.82º/2 do C. P. Civil, pois, como se prevê na regra do nº3 do art.82º do C. P. Civil, «Quando se cumulem, porém, pedidos entre os quais haja uma relação de dependência ou de subsidiariedade, deve a ação ser proposta no tribunal competente para a apreciação do pedido principal». Em qualquer caso, decorre também das normas expressas dos arts.554º/2 e 555º/2 do C. P. Civil, que caberia ao autor conhecer, quando instaurou a ação nos Juízos Cíveis, que obsta à cumulação de pedidos e à formulação de pedidos subsidiários a verificação de circunstâncias que impeçam a coligação de autores e réus, circunstâncias estas que integram, nos termos do art.37º/1 do C. P. Civil, a ofensa das regras de competência em razão da matéria.
Desta forma, sendo imputável ao autor a instauração de ação de anulação de deliberações sociais no Juízo Central Cível, materialmente incompetente, o autor não se poderia prevalecer, aquando da renovação da instância ocorrida a 30.09.2020[13] (com a entrada do processo no Juízo de Comércio competente, após a remessa para o efeito nos termos do art.99º/2 do C. P. Civil), do impedimento da caducidade que se tivesse realizado a 04.02.2020 no Juízo Cível incompetente, caso o prazo de 30 dias pudesse ter sido contado desde 09.01.2020 (que se concluiu supra que não poderia), e do prazo suplementar para instaurar nova ação ou para renovar a instância após a absolvição da instância (art.332º e 327º/3 do C. Civil).
Para além disto, não assistiria qualquer razão ao autor/recorrente para sustentar a relevância dos arts.6º-B e 6º-C da Lei nº1-A/2020, de 19 de março, com vista a defender a suspensão do prazo de 30 dias e o não decurso do prazo de caducidade a 30.09.2020.
De facto, apesar da Lei nº1-A/2020, de 19 de março, ter previsto a suspensão de prazos de caducidade e de prescrição no seu art.7º/3 e 4 (lei na qual, nas redações vigentes em 2020, não existem quaisquer arts.6º-B e 6º-C, uma vez que estes apenas foram aditados em 2021, pelo art.2º da Lei nº4-B/2021, de 01.02.), esta previsão normativa produziu efeitos apenas desde 09.03.2020 (art.5º da revisão feita pela Lei nº4-A/2020, de 06.04.), data esta em que já estava decorrido o prazo de 30 dias de instauração da ação de anulação (que poderia apenas ter sido instaurada até ao dia 03.02.2022, conforme se concluiu supra).
Desta forma, improcede nesta parte a apelação e confirma-se a decisão de caducidade da ação de anulação, ainda que com razões prévias e distintas das indicadas sumariamente pelo Tribunal a quo.
2.2.2. Sobre a apreciação da anulabilidade da deliberação da ata 22 por a convocatória não indicar os motivos de destituir o requerido do cargo de gerente, nos termos dos arts. 58º/c), art.377º, ex vi do art. 248º/1 do C. S. Comerciais (conclusões 60 a 69).
O conhecimento desta questão do recurso- conhecimento se a deliberação é ou não é anulável- fica prejudicada, face à decisão de caducidade do direito de pedir a anulação da deliberação, tomada em III- 2.2.1. supra.
2.3. Invocação de erro na decisão de inexistência de nulidade da deliberação da ata nº...2:
2.3.1. Sobre a nulidade de deliberação nos termos do art. 56º/1-d) do C. S. Comerciais:
A sentença recorrida não declarou nula a deliberação por violação do art.4º do contrato de sociedade e do art.257º/5 do C. S. Comerciais, com base nos seguintes fundamentos:
«O direito especial à gerência consiste no direito que um sócio tem de ser designado gerente e só poder ser afastado por justa causa, isto é, o sócio terá “direito a ser gerente por toda a sua vida, ou enquanto for sócio, ou enquanto durar a sociedade”- Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial- volume II, Das Sociedades, página 212 e Ac TRP de 25-10-2007 citado em Cristiano Dias, Os Direitos Especiais dos Sócios, Almedina, 2021, p 234.
O direito especial à gerência do A existe? De acordo com a tese do A tal direito à gerência estaria consagrado no artigo 4º do pacto social, que dispõe: “a administração da sociedade, remunerada ou não conforme for deliberado em assembleia geral, bem como a sua representação, cabem a todos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes”.
Não ficou expresso que qualquer dos sócios tinha um direito especial à gerência. Apenas foram todos assim designados no contrato de sociedade. Nenhum indício existe, nem no texto, nem nos depoimentos ouvidos, de que se tenha querido com tal nomeação consagrar um direito especial para qualquer dos sócios à gerência da sociedade.
E, sendo assim, parece-nos que não ficou consagrado qualquer direito especial à gerência para qualquer dos sócios. Também assim parece entender a jurisprudência e a doutrina, veja-se Coutinho de Abreu, já acima citado, página 213, e Cristiano Dias, op cit, página 235: “Tem sido entendido por alguma doutrina que a mera indicação no contrato de sociedade de que a gerência da sociedade será exercida por todos os sócios, que ficam desde logo nomeados gerentes, não consubstancia a criação de qualquer direito especial, uma vez que não resulta em qualquer vantagem especial ou posição de supremacia, obtida por via contratual, de qualquer dos sócios perante os demais (…). No entanto, determinar apenas no contrato de sociedade, que todos os sócios são gerentes em nada consubstancia a atribuição de um direito especial, mas apenas constitui um modo alternativo de nomear os sócios (em relação à nomeação por deliberação social).Para que a cláusula que determine que todos os sócios são gerentes seja considerada uma atribuição de um direito especial, não é necessário que refira expressamente que se trata de um direito especial, mas é indispensável que confira a inderrogabilidade do direito, ie, que indique que o respectivo direito não pode ser retirado ou limitado aos sócios sem que os sócios titulares do direito nisso consintam”. No mesmo sentido Alexandre Soveral Martins e Ricardo Costa, Código das Sociedades Comerciais em Comentário- volume I, cit p 413, e Ac TRL de 29-6-1993, processo nº ...81: “Haverá um direito especial à gerência quando a designação é feita por toda a vida do gerente ou por todo o tempo em que este for sócio; igualmente quando a alteração da cláusula ficar sujeita a um regime que torne indispensável o assentimento do sócio, mesmo que necessário seja também o voto de outros sócios, como no caso de ser exigida a unanimidade de votos”. E ainda os Ac do TRC de 13-4-2010 e de 19-10-2010.».
Neste recurso de apelação da sentença:
a) O recorrente defendeu a nulidade da deliberação da sua destituição da gerência (com pedido de invalidação subsequente da nomeação de uma gerente terceira aos sócios), por entender: que, face ao art.4º do contrato de sociedade (que definiu que a gerência cabe aos três sócios e que para a vinculação da sociedade é necessária a intervenção dos três gerentes, como entende depreender-se da própria proposta posterior de alteração subsequente do art.4º do contrato de sociedade), não estava na livre disposição dos sócios em assembleia geral fazer a destituição de gerente e nomear em sua substituição um terceiro, externo à empresa, e sem o quórum legal necessário e sem previamente se ter feito a alteração do referido pacto social; que, foram violados os arts. 257º/5, 56º/d) do C. S. Comerciais, por imposição dos arts.980º e 981º do C. Civil e para os efeitos do art.286º do C. Civil (conclusões 18 a 33, 37).
b) A recorrida opôs-se ao recurso, defendendo os fundamentos da sentença.
Impõe-se apreciar a questão suscitada no recurso, com base nos factos provados e no direito aplicável.
2.3.1.1. Enquadramento jurídico:
A. São nulas as deliberações dos sócios, de acordo com o prescrito no nº1 do art.56º do C. S. Comerciais: «a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados; b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto; c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios; d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.».
A violação de «preceitos de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios», constante da al. d) do nº1 do art.56º do C. S. Comerciais, invocada pelo recorrente como fundamento da nulidade de deliberação de destituição de gerente e de nomeação de um gerente externo à sociedade, exige que as normas violadas sejam imperativas, como decorre da lei e da aplicação da mesma sem controvérsia[14].
Todo o sócio tem direito, entre os direitos gerais dos sócios, «A ser designado para os órgãos de administração e de fiscalização da sociedade, nos termos da lei e do contrato» (art.21º/1-d) do C. S. Comerciais).
Porém, a qualquer um dos sócios podem ser atribuídos direitos especiais no contrato social, nos termos do art.24º do C. S. Comerciais. Assim, esta norma prevê: por um lado, em geral, que «1. Só por estipulação no contrato de sociedade podem ser criados direitos especiais de algum sócio.» e que «5. Os direitos especiais não podem se suprimidos ou coartados sem o consentimento do respetivo titular, salvo regra legal ou estipulação contratual expressa em contrário.»; por outro lado, em especial, «3. Nas sociedades por quotas, e salvo estipulação em contrário, os direitos especiais de natureza patrimonial são transmissíveis com a quota respetiva, sendo intransmissíveis os restantes direitos.» (art.24º/1, 5 e 3 do C. S. Comerciais).
Entre os direitos especiais dos sócios, pode ser contemplado um «direito especial à gerência». Nestes casos, se tiver sido convencionado um direito especial de um sócio à gerência de uma sociedade por quotas, o art.257º/3 do C. S. Comerciais prescreve que «3. A cláusula do contrato de sociedade que atribui a um sócio um direito especial à gerência não pode ser alterada sem o consentimento do mesmo sócio. Podem, todavia, os sócios deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial de gerente por justa causa e designar para tanto um representante especial.».
No regime geral da composição da gerência nas sociedades por quotas prevê-se ainda, nomeadamente: que «1 - A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, que podem ser escolhidos de entre estranhos à sociedade e devem ser pessoas singulares com capacidade jurídica plena. 2 - Os gerentes são designados no contrato de sociedade ou eleitos posteriormente por deliberação dos sócios, se não estiver prevista no contrato outra forma de designação. 3 – (…) 4 - A gerência atribuída no contrato a todos os sócios não se entende conferida aos que só posteriormente adquiram esta qualidade. 5 - A gerência não é transmissível por acto entre vivos ou por morte, nem isolada, nem juntamente com a quota. 6 – (…) 7 – (…).» (art.252º/1, 2, 4, 5 do C. S. Comerciais).
B. Com que critérios deve ser interpretado o pacto social, para aferir se foi ou não foi estipulado um direito especial à gerência?
A jurisprudência, na discussão sobre a aplicabilidade de critérios objetivos ou de impressão do declaratário à interpretação de convenções dos pactos sociais, tem defendido maioritariamente que as cláusulas do contrato de sociedade que respeitem apenas à vida interna da sociedade (como aquelas que respeitem ao direito dos sócios serem nomeados gerentes) e não produzam efeitos em relação a credores podem ser interpretadas de acordo com as regras de interpretação dos negócios jurídicos, nos termos dos arts.236º ss do C. Civil. Neste sentido assinalam-se, nomeadamente:
__ O Ac. RP de 25.10.2007, proferido no processo nº 07..., relatado por Pinto de Almeida. Este acórdão, depois de expor a discussão jurídica sobre os critérios interpretativos do pacto e estatutos sociais (puramente objetiva ou da impressão do destinatário dos arts.236º ss do C. Civil), entendeu que ambos os critérios podem ser defensáveis, dependendo das cláusulas a interpretar («Daí que seja perfeitamente cabido defender a interpretação objectiva nas estipulações estatutárias que tenham relação com os interesses dos credores (entradas, vantagens dos fundadores, etc.). Pelo que toca às restantes regras estatutárias, a melhor solução consiste em interpretá-las segundo os princípios gerais da interpretação dos negócios jurídicos. Assim, será lícito recorrer a quaisquer elementos interpretativos, contemporâneos do negócio, anteriores ou mesmo posteriores à sua conclusão, para se determinar o sentido e alcance da cláusula. Concretizando, acrescenta depois o mesmo Autor (10) que a estipulação estatutária pela qual são nomeados gerentes é daquelas cuja interpretação se deve fazer recorrendo a todos os elementos disponíveis, quer constem do pacto quer lhe sejam estranhos. Mais do que aquilo que as partes declararam, importa aqui descobrir a sua intenção comum, desde que essa intenção tenha um mínimo de correspondência no texto da escritura, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º do CC). (…) Assim, não relevando, pela indicada estrutura da sociedade, a protecção de futuros sócios, nem colidindo a apontada cláusula com interesses de credores, será de admitir que se observem as regras aplicáveis à interpretação dos negócios jurídicos formais, previstas na lei civil (arts. 236º a 238º do CC) (17).» ). [15]
__ O Ac. do STJ de 17.04.2008, proferido no processo nº8..., relatado por Oliveira Rocha, apesar de partir de uma interpretação objetivista do pacto social, admitiu que as cláusulas internas do pacto social de sociedades por quotas, que não tenham repercussão com os credores sociais, se realizasse através da teoria da impressão do declaratário, concluindo:
 «3. O problema da interpretação das cláusulas dos pactos sociais resume-se à descoberta do sentido objectivo da declaração negocial e, assim, não podem ter-se em conta a vontade real das partes, nem elementos estranhos ao contrato social, porque estão em jogo interesses de terceiros - daqueles que hajam contratado com a sociedade. 4. Porém, quanto às sociedades por quotas, se a interpretação objectiva é de exigir no tocante às cláusulas que visam a protecção dos credores sociais, já essa exigência se não impõe nas sociedades por quotas de índole personalista quanto às cláusulas sobre relações corporativas internas e às de natureza jurídica individual, vigorando, então, nesta matéria, os princípios gerais de interpretação dos negócios jurídicos formais (art. 238º do C.Civil), com admissibilidade, portanto, do recurso a quaisquer elementos interpretativos contemporâneos do negócio, ou anteriores ou posteriores à sua conclusão.»[16].
__ O Ac. do STJ de 19.10.2021, proferido no processo nº171/15...., relatado por Ana Paula Boularot, concluiu pela interpretação de acordo com a teoria da impressão do declaratário:
«I - Sendo o contrato de sociedade obrigatoriamente reduzido a escrito, como deflui do art. 7.º, n.º 1, do CSC, a interpretação das suas cláusulas obedecerá ao princípio da impressão do declaratário. II - A propósito da interpretação da declaração negocial o art. 236.º, n.º 1, do CC preceitua: “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário possa deduzir do comportamento do declarante salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.”, acrescentando o n.º 2 “Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.»[17].
De acordo com estes critérios legais: «1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.» (art.236º do C. Civil); «Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.» (art.237º do C. Civil); «1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.» (art.238º do C. Civil).
Em caso de dúvida, o Ac. RP de 25.10.2007, proferido no processo nº 07..., relatado por Pinto de Almeida, defendeu, no quadro das regras da interpretação da teoria da impressão do declaratário, que
«Em caso de dúvida, deverá prevalecer a interpretação segundo a qual a nomeação do gerente no estatuto terá sido meramente ocasional e as partes não terão querido alterar o regime supletivo legal, bastando, portanto, a maioria simples para a deliberação que vise destituir o gerente (15).». [18]
C. Na interpretação das cláusulas do contrato social tem-se vindo a entender que não basta a convenção isolada de atribuição da gerência a todos os sócios para que se considere que foi atribuída a qualquer um deles ou a todos um direito especial à gerência.
Entre a Doutrina, Alexandre Soveral Martins e Ricardo Costa, com referência a António Caieiro, Coutinho de Abreu e a jurisprudência citada, referem que
«Também não se pode falar na existência de um direito especial à gerência pelo simples facto de os sócios serem designados gerentes no contrato de sociedade. Mas já existirá direito especial à gerência se a cláusula “concede a um sócio o direito de ser gerente por toda a vida, por toda a duração da sociedade, por todo o tempo durante o qual possuir a quota, ou que, então, dispõe que o sócio só poderá ser destituído da gerência quando houver motivo grave»[19].
Entre a Jurisprudência, também se tem entendido que a nomeação de sócios como gerentes, por si só, não significa um direito especial à gerência, pois pode ser ocasional e antecipar uma deliberação de assembleia geral:
__ O Ac. STJ de 14.03.1991, relatado por Moreira Mateus, considerou e sumariou:
«III - O facto de um gerente ser nomeado no pacto social não significa, sem mais, que se tenha pretendido atribuir-lhe um direito especial a essa gerência, pois tal nomeação pode ser puramente ocasional, não tendo mais significado do que uma eleição de gerente pela assembleia geral.», explicando «Como se entende geralmente o facto de um gerente ser nomeado no pacto social não significa, sem mais que se tenha pretendido atribuir-lhe, um direito especial a essa gerência, pois tal nomeação pode ser puramente ocasional, não tendo maior significado do que uma eleição de gerente pela assembleia geral. Neste sentido confere a anotação do Professor Vaz Serra ao acórdão deste Tribunal de 23 de Abril de 1974, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 108, pagina 170.  As divergências que a tal respeito se suscitam na Jurisprudência foram, alias, solucionadas pelo assento de 9 de Novembro de 1977, em vigor ao tempo da deliberação atacada nos presentes autos, e cuja doutrina assentava exactamente no principio de que a nomeação do gerente no pacto social não implicava necessariamente a concessão de um direito especial.» [20]. (sendo que assento do STJ de 09.11.1977, relatado por Bruto da Costa, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido de que «O gerente de uma sociedade por quotas nomeado no pacto social pode ser destituído por maioria simples dos votos correspondentes ao capital social, desde que a nomeação não importe concessão de um direito especial»[21]).
__ O Ac. STJ de 12.06.1996, proferido no processo nº96..., relatado por Nascimento Costa, depois de defender uma interpretação objetivista do pacto social, concluiu:
«III - A estipulação do contrato de sociedade, segundo a qual a gerência social é exercida por ambos os sócios, desde logo nomeados gerentes, e é necessária a intervenção conjunta de dois gerentes para obrigar a sociedade, não concede a esses sócios um direito especial à gerência. IV - A simples nomeação do gerente não impede que ele possa ser destituído por maioria simples; por via de regra, a nomeação no estatuto é meramente ocasional; para que assim não seja, exige-se cláusula expressa ou que tal resulte inequivocamente da interpretação do contrato.»[22].
__ O Ac. STJ de 23.09.1997, proferido no processo nº...6, relatado por Sampaio da Nóvoa, concluiu
«I - No contrato de sociedade pode ser criado o direito especial de um ou mais sócios à gerência - art.ºs 24 n.º 1 e 257 n.º 3 do CSC - que tem em si implícita uma posição privilegiada quando em confronto com os demais sócios não nomeados gerentes, estabelecendo necessariamente entre eles algum grau de diferenciação ou desigualdade, ainda que querido por eles próprios. II - Porém, é indispensável que do contrato de sociedade resulte clara e inequivocamente a vontade dos que nele intervieram em constituir esse direito especial. III - Num caso em que inicialmente a sociedade era constituída por dois únicos sócios e tendo ambos sido nomeados gerentes, não se pode afirmar só por esse simples facto que eles ficaram detentores de um direito especial de gerentes. IV - Se não era exigível que o contrato de sociedade intitulasse expressamente de especial esse direito à gerência, já era indispensável que, para além da simples nomeação de gerentes, o contrato algo mais referisse de onde se pudesse extrair essa intenção. »[23].
__ O Ac. RP de 25.10.2007, proferido no processo nº 07..., relatado por Pinto de Almeida, concluiu que
«I – Direitos (sociais) especiais são os direitos atribuídos no contrato social a certo(s) sócio(s) ou a sócios titulares de acções de certas categorias, conferindo-lhe(s) uma posição privilegiada que não pode, em princípio, ser suprimida ou limitada sem o consentimento do(s) respectivo(s) titular(es). II – A simples designação de gerente no contrato de sociedade não significa a atribuição de um direito especial à gerência, antes constituindo, por razões de simplicidade, rapidez e economia, um modo alternativo e por opção dos sócios, da eleição posterior por sua deliberação.», tendo explicado na fundamentação, em relação às declarações do pacto social na escritura pública de 21 de Maio de 1973 (que «sendo o capital social de setecentos mil escudos, representado por sete quotas de cem mil escudos, sendo uma de cada sócio, realizado integralmente em dinheiro, ficando a gerência da sociedade e a sua representação em juízo, activa e passivamente, a pertencer a todos os sócios, nomeados gerentes, podendo delegar por procuração, total ou parcialmente, tais poderes em seus cônjuges;» e « Nos termos do artigo quinto, parágrafo primeiro, “A gerência, originária ou delegada, é dispensada de caução, e será remunerada ou não, conforme for deliberado em assembleia geral”»), que «A estrutura familiar e personalista que decorre das várias cláusulas do contrato de sociedade constitui elemento atendível, mas claramente não decisivo. Ora, cremos que a referida alegação pouco mais acrescenta que confirmar a referida estrutura da sociedade. Nada esclarece sobre o âmbito da gerência atribuída no contrato, não se referindo, aliás, especificamente à gerência. Com efeito, o sentido do que os autores afirmaram – por um lado, a expressa vontade de atribuir a todos os sócios e respectivos cônjuges pelouros e responsabilidade e, por outro, a vontade de congregar à sua volta toda a sua família nuclear – é perfeitamente compatível, num caso, com a simples atribuição de gerência e, no outro, com a qualidade de sócio. Nada que indicie suficientemente a atribuição de um direito especial à gerência e que permita assim interpretar a cláusula 5ª dos estatutos (longe, muito longe, dos termos inequívocos que atrás reproduzimos). A este respeito a cláusula é neutra.»[24].
__ O Ac. RP de 12.05.2008, proferido no processo nº08..., relatado por Fernandes do Vale, considerou que
«No caso dos autos, constata-se que, no art. 5º do pacto social da requerida, se estipulou que “A gerência da sociedade…será exercida por todos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes…”, o que, por si só, não integra, em princípio, qualquer direito especial[5], uma vez que daí não advém, designadamente, qualquer vantagem especial ou posição de supremacia, obtida por via contratual, de qualquer dos associados perante os demais, antes se tratando de uma nomeação meramente ocasional, com o condão de dispensar que a mesma viesse a ter lugar, ulteriormente.»[25].
Na interpretação de cláusulas do pacto social que atribuem a gerência a todos os sócios, com vista a apurar se pretenderam ou não definir um direito especial à gerência, há jurisprudência que exige elementos mais expressos e formais e outra que se socorre devidamente de todos os elementos do texto, ainda que implícitos:
__ O referido Ac. do STJ de 19.10.2021, proferido no processo nº171/15...., relatado por Ana Paula Boularot, defendeu uma interpretação da cláusula do pacto social com menções mais expressas:
«III - Como deflui da cláusula 5.ª, cuja interpretação é questionada “a gerência da sociedade, dispensada de caução e remunerada ou não, conforme for deliberado em assembleia geral, pertence a ambos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes. Para obrigar validamente a sociedade, em qualquer ato ou contrato, em juízo ou fora dele, tornam-se necessárias as assinaturas dos dois sócios gerentes”, daí resultando é que a gerência ficaria a pertencer a ambos os sócios, o recorrente e o recorrido, impondo-se como exigência para obrigar a sociedade, a intervenção e assinatura de ambos. IV - Contudo, aí não se exigiu que a gerência apenas fosse exercida por aqueles dois específicos sócios, nem se excluiu a possibilidade de a gerência ser assumida por outras pessoas estranhas à sociedade, nos termos do disposto no art. 252.º, n.º 1, do CSC; nem se antolha que naquela cláusula se tivesse consignado algum direito especial, nos termos do art. 24.º, n.º 1, do mesmo diploma, maxime, estabelecendo, quiçá, a imposição de que a gerência da sociedade apenas tivesse sido cometida àqueles ad eternum, sem possibilidade de intervenção de outrem.» [26].
__ O Ac. RP de 27.03.2014, proferido no processo nº4759/09...., relatado por Leonel Serôdio, apesar de ter entendido que «Como era entendimento pacífico antes da entrada em vigor do CSC e se mantém, o simples facto da designação de um gerente no pacto social de uma sociedade por quotas não implica a concessão a este de um direito especial.», considerou adequadamente que não era necessário que a atribuição do direito especial fosse expresso, podendo ser interpretado pelas demais convenções-(«Contudo para se julgue consagrado no pacto esse direito especial à gerência, não é imprescindível que exista uma cláusula que expressamente o estabeleça, com recurso à fórmula legal ou equivalente como seja uma cláusula que estabeleça que o sócio tem direito de ser gerente enquanto for sócio ou enquanto durar a sociedade, ou que só poderá ser destituído da gerência havendo justa causa (cf. Raul Ventura, Direito Especiais dos Sócios, na Revista o “Direito”, ano 121, tomo I, pág. 218), sendo suficiente que a posição de vantagem ou privilégio de um ou vários sócios decorra sem ambiguidade de alguma ou algumas das cláusulas do pacto social.»), nomeadamente, atendendo à menção nominativa especificada de gerentes (em relação aos factos «7. No artigo 6.º do pacto social da Ré estipula-se que “A gerência social, dispensada de caução, que poderá não ser remunerada, é atribuída aos sócios D… e B…, que desde já ficam nomeados, digo atribuída a todos os sócios que desde já ficam nomeados gerentes”, conforme teor de fls. 29 a 34. 8. Quanto à forma de obrigar a sociedade, o mesmo artigo, no seu parágrafo único dispõe o seguinte: “Para obrigar a sociedade em todos os seus actos e contratos é necessária a intervenção conjunta de dois gerentes, devendo sempre intervir ou o gerente, D… ou o gerente B…, com qualquer outro”, conforme teor de fls. 29 a 34.», considerou que «Numa interpretação objectivista desta cláusula de nomeação de gerente, afigura-se-nos que ao A e ao D… foi atribuído um direito especial, uma vez que é imprescindível a intervenção de, pelo menos, um deles para obrigar a sociedade e consequentemente assegurar o seu funcionamento. Esta foi a interpretação decidida perante cláusula com teor semelhante no acórdão desta Relação de 11.06.1992, na CJ, 1992, tomo III, pág. 308, relatada pelo então Des. Pinto Furtado, com vários livros publicados sobre direito das sociedades comercias, ombreando com os nossos mais reputados académicos na jurisdição comercial. Esta posição foi também acolhida pelo acórdão do STJ de 12 Jun. 1996, CJ, STI, Tomo II/1996, pág. 130 a 132 com o seguinte sumário: “I - A mera nomeação, nos estatutos, de sócios como gerentes não basta para que se possa falar em direitos especiais à gerência. II - Também a cláusula estatutária de que conste ser necessária a intervenção conjunta de dois gerentes para obrigar a sociedade, não contém um direito especial à gerência; ainda que, nesses mesmos estatutos, noutra cláusula se nomeiem sócios como gerentes. III - Diferentemente será quando o clausulado indica nominativamente as pessoas (também sócios e gerentes) que obrigam a sociedade, hipótese em que se tem entendido que há direito especial à gerência de tais pessoas/sócios.”».
D. A doutrina e a jurisprudência dividiram-se sobre se o direito especial à gerência pode abranger apenas um ou alguns sócios (como pode decorrer da previsão da norma do nº1 do art.24º do C. S. Comerciais) ou se pode ser atribuído a todos os sócios.
Alexandre Soveral Martins e Ricardo Costa, dando nota desta discussão entre os que restringem a especialidade a alguns dos sócios e aqueles que defendem que esta especialidade pode ocorrer em relação a todos os sócios, referem:
«Parte da doutrina portuguesa não parece aceitar direitos especiais (pelo menos de igual conteúdo) de todos os sócios: assim, entre outros, Brito Correia, Pereira de Almeida, Carlos Olavo, Pinto Furtado (numa primeira fase), Olavo Cunha (embora este último autor considere que podem ser atribuídos a todos os sócios direitos só derrogáveis com o respetivo consentimento).
Por sua vez, Raúl Ventura, que entendia que, em princípio, os direitos especiais são atribuídos apenas a um ou alguns dos sócios. Contudo, aquele Professor achava possível, nas sociedades por quotas, atribuir um direito especial a todos os sócios “desde que se trate de direito que não faz parte do conteúdo normal da quota”. Pinto Furtado, alterando posição anterior, veio a admitir a possibilidade do contrato de sociedade atribuir a cada sócio da sociedade por quotas ou em nome coletivo “um direito insuprimível sem o consentimento do respetivo titular. Coutinho de Abreu, por seu turno, afirma ser possível, nas sociedades por quotas, atribuir um direito especial à gerência a todos os sócios. Referência merece ainda a posição de Pais de Vasconcelos, para quem os que chama de “poderes” especiais podem ser “atribuídos genericamente a todos os sócios”, desde que “se destinem, na sua concretização, a ser exercidos como contra-poderes, apenas por um ou por um número restrito de sócios minoritários, em circunstâncias tais que o seu exercício se torne imprescindível para alcançar o seu objectivo.”»[27].   
Olavo Cunha, por sua vez, defende:
«Os direitos especiais são aqueles que são atribuídos pelo contrato de sociedade a um ou mais sócios (cf. art. 24º, nº 1), conferindo-lhes uma vantagem relativamente aos demais.
O nº 1 do art.º 24 do CSC estabelece com total clareza, que só pelo contrato esses direitos podem ser criados. (…)
O critério que nos permite distinguir estes direitos dos direitos gerais reside, precisamente, no facto de só poderem ser atribuídos a alguns sócios, estando, por isso, primordialmente afectos a interesses próprios do seu titular.
A especialidade destes direitos sociais radica, pois, nessa característica – de satisfação de interesses pessoais – e na qualidade relativa de, abstratamente, não serem suscetíveis de ser concedidos a todos os sócios. Por isso, os direitos especiais não podem ser atribuídos à totalidade dos sócios, sem prejuízo da sua essência; mas pode suceder que sejam atribuídos a todos os sócios direitos que apenas sejam derrogáveis com o respectivo consentimento, isto é, que não possam ser questionados, alterados ou suprimidos sem a concordância do respetivo titular. Nesse caso, a (sua) qualificação como especiais não assume qualquer relevância.
Assim, temos sérias dúvidas em qualificar como um direito verdadeiramente especial o chamado direito especial de nomeação à gerência, que pode caber a todos os sócios, e que apresenta como principal característica assegurar ao seu titular só poder ser destituído por justa causa, atribuindo-lhe uma prerrogativa que é típica dos membros independentes dos órgãos sociais. (…)»
«o direito especial de nomeação à gerência- que só é legalmente reconhecido em termos patológicos, no artigo 257º, nº3, a propósito da destituição de gerentes que tenham sido designados no exercício ou em cumprimento desse direito- pode revestir mais do que uma forma e quando atribuído a todos os sócios a sua especialidade passa a confundir-se com a sua inderrogabilidade, isto é, deixa de ser um direito especial (…) de vantagem relativa, para poder ser especial por não poder ser alterado sem o consentimento dos respetivos titulares que, nesse caso, serão todos os sócios, salvo se ocorrer justa causa de destituição.»[28].
Entre a Jurisprudência, tem havido divisão quanto a esta matéria:
__ O Ac. RP de 25.10.2007, proferido no processo nº 07..., relatado por Pinto de Almeida, considerou e concluiu que «III – O direito especial pode ser atribuído a todos os sócios da mesma sociedade, respeitando a correspondente cláusula apenas às relações dos sócios entre si e com a sociedade.», explicando na fundamentação «Pacífico é também, actualmente, o entendimento de que o direito especial pode ser atribuído a todos os sócios da mesma sociedade (16). Esclarece Pinto Furtado que o carácter de especialidade não resulta da sua atribuição a um número restrito de sócios, mas da sua própria natureza de privilégio inderrogável. Ou seja, nas palavras de Menezes Cordeiro, os direitos especiais são-no não por pertencerem apenas a alguém, mas por pressuporem, em si, um regime especial, isto é, diferente do comum.»[29]
__ Todavia, nomeadamente: no Ac. RP de 12.05.2008, proferido no processo nº08..., relatado por Fernandes do Vale, supra referido, defendeu-se a inexistência de um direito especial à gerência face à inexistência de um direito especial de qualquer um dos sócios a quem foi deferida a gerência em relação aos demais; no Ac. RG de 04.11.2021, proferido no processo nº2723/20...., relatado por Sandra Melo, em adesão ao Ac. STJ de 23.09.1997, proferido no processo nº...6, relatado por Sampaio da Nóvoa, e à invocada posição de Olavo da Cunha, considerou que «No nosso caso, todos os sócios foram nomeados gerentes, pelo que também por aqui se não conclui por nenhuma concessão de um direito especial de gerência aos sócios.»[30].
2.3.1.2. Situação em análise:
Importa interpretar se a cláusula 4ª do contrato de sociedade definiu um direito especial à gerência ao sócio/autor, nos termos do art.24º do C. S. Comerciais, que exigisse a aplicação do regime do art.257º/3 do C. S. Comerciais, cuja preterição pudesse julgar-se causa de nulidade da deliberação, nos termos do art.56º/d) do C. S. Comerciais, com os efeitos do art.286º do C. Civil.
Examinando o contrato de sociedade de 02.03.2004, constante de fls.26, a 28 dos autos, verifica-se que no mesmo foi estipulado: no art.3º que «O capital social, integralmente realizado em dinheiro, é de trinta mil euros, dividido em três quotas iguais, de valor de dez mil euros, pertencentes uma a cada um dos sócios.»; no art.4º que «1. A administração da sociedade, remunerada ou não conforme for deliberado em assembleia geral, bem como a representação, cabem a todos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes. 2. Para vincular a sociedade em todos os seus actos e contratos, é necessária a intervenção de três gerentes.».
Importa interpretar a cláusula 4ª do pacto social escrito, de acordo com a sua letra (arts.236º e 238º do C. Civil).
Por um lado, verifica-se, face à letra da 1ª parte do nº1 do art.4º do Pacto Social («1. A administração da sociedade, remunerada ou não conforme for deliberado em assembleia geral, bem como a representação, cabem a todos os sócios, …»):
a) Que um declaratário normal tem a dúvida em deduzir da estipulação: se os sócios quiseram convencionar no pacto social que a administração e a representação da sociedade (próprias da gerência), deveriam caber apenas aos sócios, com exclusão de terceiros, em compressão do regime do art.252º/1 do C. S. Comerciais supra enunciado, que admite a nomeação de gerentes entre terceiros à sociedade; ou se os sócios mencionaram que a administração e a representação da sociedade cabia aos sócios, como declaração vestibular à sua nomeação de gerência realizada na frase seguinte, integrativa da 2ª parte do mesmo nº1 do art.4º («..., que desde já ficam nomeados gerentes.»), em antecipação de deliberação de assembleia geral, conforme o permite o art.252º/2 do C. S. Comerciais.
b) Que não foi alegado pelo autor na sua petição inicial, e, por isso não consta também nos factos provados, qual a vontade real dos declarantes com a estipulação do art.4º do pacto social, para que a mesma se pudesse atender à mesma nos termos do art.236º/2 (ou do art.238º/2) do C. Civil. De facto, nos arts. 13 a 16 da petição inicial o autor limitou-se a transcrever a cláusula 4ª do contrato, a afirmar que na mesma foi instituído um direito especial à gerência da empresa, o que exigiria a sua destituição apenas por via judicial, por aquela não estar por natureza sujeita à deliberação dos sócios.
Esta vontade real, por sua vez, também não se poderia presumir ou deduzir, como pretende o recorrente, do facto de convocatória para a assembleia geral de 2.1.2020 ter indicado na agenda o assunto de alteração da cláusula .4ª do contrato de sociedade (e com a proposta de alteração do nº1 da cláusula .4ª, de forma a que a administração e a representação coubessem a três gerentes, podendo ou não ser sócios), quer porque a convocatória foi apresentada apenas por um dos sócios, quer porque a alteração por este proposta poderia pretender alterar a conceção anterior ou poderia apenas querer clarificá-la (sendo que o presente ponto da agenda veio a não ser aprovado por falta de quórum).
Ora, em caso de dúvida sobre a estipulação, tal como se refere no art.237º do C. Civil «prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.». Assim, num contrato de sociedade, é menos oneroso e mais equilibrado interpretar que a atribuição aos sócios da administração e representação da sociedade é vestibular da sua nomeação como gerentes, sem compressão das regras futuras de nomeação de gerentes (art.252º/2 e 1 do C. S. Comerciais) e sem atribuição a cada um dos três sócios de direitos especiais (art.24º do C. S. Comerciais), dispondo apenas os mesmos dos direitos gerais do art.21º do C. S. Comerciais.
Por outro lado, verifica-se que a referida 2ª parte do nº1 do art.4º do Pacto Social, referida aos três sócios («1...., que desde já ficam nomeados gerentes.») integra uma das formas de designação da gerência previstas no nº2 do art.252º do C. S. Comercial, em antecipação à deliberação que também poderia ser tomada em assembleia de sócios.
Por fim, verifica-se, ainda, que o nº2 do art. 4º do Pacto Social («2. Para vincular a sociedade em todos os seus actos e contratos, é necessária a intervenção de três gerentes.») define que a vinculação da sociedade é feita por uma gerência plural conjunta cumulativa de três gerentes. Repare-se que, neste âmbito, são admissíveis convenções contratuais que afastem o regime supletivo sobre o modo de exercício da gerência plural, previsto no art.261º/1 do C. S. Comerciais («Quando haja vários gerentes e salvo cláusula do contrato de sociedade que disponha de modo diverso, os respectivos poderes são exercidos conjuntamente, considerando-se válidas as deliberações que reúnam os votos da maioria e a sociedade vinculada pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos gerentes ou por ela ratificados.») e as limitações a que se refere o regime do art.260º/1 do C. S. Comerciais («Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios.»).
Assim, a conjugação de todos estes elementos não nos permite interpretar com a mínima segurança, nos termos dos arts.236º ss do C. Civil, que os três sócios quiserem estabelecer no pacto social um direito especial (e excecional) de cada um deles a ser e manter-se como gerente da sociedade, face às qualidades de cada um (art.24º/1 do C. S. Comerciais), e com efeitos insuprimíveis e impassíveis de ser coartados sem o consentimento de cada um dos três (art.24º/5 do C. S. Comerciais).
Desta forma, não se podendo concluir que o pacto social da sociedade quis estabelecer um direito especial à gerência de cada um dos três sócios, nomeadamente do autor, este não beneficia do direito a que a sua destituição seja feita apenas por via judicial e por justa causa, nos termos do art.257º/3-2ª parte do C. S. Comerciais.
Assim, não se pode reconhecer que a destituição do autor realizada pela maioria dos sócios em assembleia geral (art.250º do C. S. Comerciais) tenha violado a norma do art.257º/3-2ª parte do C. S. Comerciais e, por esta via, seja nula nos termos do art.56º/1-d) do C. S. Comerciais.
2.3.2. Sobre a nulidade da deliberação de destituição por justa causa por abuso de direito, nos termos do art.334º do C. Civil:
A apreciação da questão principal colocada no recurso sobre a declaração de nulidade da deliberação da destituição de gerente por abuso de direito, e a impugnação instrumental da matéria de facto realizada para o efeito, exige que se enquadre previamente a questão face ao objeto do processo e à sentença proferida (na parte ainda sobre a qual recai o recurso ainda não apreciado).
2.3.2.1. Enquadramento das questões do recurso face ao objeto do processo e à sentença recorrida:
A. O objeto do processo, nos termos configurados pelo autor na sua petição inicial referida em I-1.1. supra, ficou reduzido ao pedido de anulabilidade e de nulidade da deliberação de destituição de gerente, formulado em a) do dispositivo da petição inicial, tendo em conta: que, na fase de saneamento do processo, a ré foi absolvida da instância quanto ao pedido declarativo de reconhecimento da falta de justa causa de destituição e de condenação da ré no pagamento de indemnização ao autor, formulado em c) do dispositivo da petição inicial (vide I-5.1. e 6 supra); que o pedido de investimento do autor no cargo de gerente da sociedade ré e de condenação da ré a pagar-lhe as remunerações mensais que deixou de auferir desde a data da sua destituição até à efetiva reintegração no cargo de gerente caiu, formulado em b) do mesmo dispositivo da petição inicial passou a estar excluído do objeto do litigio a apreciar, face à redução dos pedidos feita pelo autor, ainda que com a interpretação errónea de que a absolvição da instância abrangera este pedido (vide I-7 e 8 supra).
O autor, na petição inicial: fundamentou o pedido de anulação ou de nulidade da deliberação de destituição (formulado em a) e referido em I-1.1. supra) de forma expressa (conforme se verifica em I-1.2. supra), respetivamente, na irregularidade da convocatória para a destituição de gerente face ao objeto da deliberação e na violação do direito especial à gerência; invocou o abuso de direito na causa de pedir para discutir a justa causa da sua destituição, mas sem o referenciar a quaisquer normas, nem a qualquer um dos pedidos específicos.
B. O Tribunal a quo:
B1. Na fase de saneamento do processo: limitou os temas de prova (confundindo a matéria de facto a provar com questões de direito a decidir no objeto do litígio), à matéria da data de conhecimento da ata (respeitante à caducidade da ação de anulação invocada pela ré), ao pedido de anulação da deliberação por os factos da justa causa não estarem na convocatória e ao pedido de nulidade por violação do direito especial à gerência (conforme se verifica em I- 5.4. supra); não indicou quaisquer factos integrativos da justa causa da destituição, nem os factos alegados como integrativos do abuso de direito da deliberação.
B2. A sentença recorrida:
a) Considerou provada e não provada parte da matéria de facto (e, irregularmente, matéria conclusiva) alegada pela ré para fundamentar a justa causa da destituição e a matéria alegada pelo autor para justificar comportamentos que lhe foram imputados na destituição por justa causa e para fundamentar a invocação de abuso de direito da atuação dos seus dois sócios deliberantes na assembleia (vide III-1 supra).
b) Apreciou (depois de apreciar a caducidade do pedido de anulação da deliberação e o direito especial à gerência que fundamentou o pedido de nulidade e que foram objeto do recurso apreciado nos pontos III-2.2. e 2.3.1. supra) um pretenso “pedido subsidiário de nulidade” da deliberação por abuso de direito, considerando que não existia uma situação de abuso de direito, quer na previsão da nulidade do art.56º/1-d) do C. S. Comerciais, quer na previsão de anulabilidade do art.58º/1-b) do C. S. Comerciais (ainda que de forma maioritariamente abstrata e sem subsunção dos factos ao direito), quer com os efeitos da cláusula geral do art.334º do C. Civil, com a seguinte fundamentação: 
«Do pedido subsidiário de nulidade da destituição por abuso de direito
O A pede ainda que se declare nula e de nenhum efeito a deliberação de destituição do A como gerente, constante da ata nº...2, por configurar abuso de direito.
Dispõe o artigo 334º CC: “É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Constitui esta a cláusula geral do abuso de direito.
Por sua vez, o Código das Sociedades Comerciais consagrou normas mais específicas também enquadráveis na figura do abuso, nomeadamente a norma do artigo 56º, nº1, alínea d) que estipula: “São nulas as deliberações dos sócios cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios”; e o artigo 58º, nº1, alínea b) que estipula: “São anuláveis as deliberações que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”.
A nulidade prevista no artigo 56º, nº1, alínea d) CSC está prevista para a violação de normas imperativas, que não possam ser derrogadas nem sequer por vontade unânime dos sócios, por na ratio da norma se encontrar a defesa de um interesse público. Assim Carneiro da Frada, (…). Estamos perante norma imperativa quando “o texto da norma contém indicações de que o legislador quis (ou não quis) vedar absolutamente a derrogação da disciplina nela estatuída”- Lobo Xavier (…).
Por sua vez, a expressão mais ou menos indeterminada de “ofensivo dos bons costumes” tem vindo a ser concretizada pela jurisprudência, como o ato que “tem por objeto conduta imoral, violadora das regras éticas aceites pelas pessoas correctas, honestas e de boa fé”- Acórdão da Relação de Lisboa, de 11-3-1999 in www.dgsi.pt.
Não cremos que possa em abstrato afirmar-se tal da deliberação de destituir o gerente da sociedade Ré. Nem se vislumbra que norma imperativa tal restituição pudesse violar, não tendo o A concretizado qualquer norma. Antes pelo contrário, a norma do artigo 257º, nº1 CSC, permite a livre destituição do gerente. Ora, se pode livremente nomear gerentes, não se entenderia porque não poderia livremente destituí-los.
Pelo que não violou a deliberação o disposto no artigo 56º, nº1, alínea d) do CSC.
Analisemos de seguida a concretização da estatuição do artigo 58º, nº1, alínea b) CSC.
A este propósito o Acórdão do TRL de 2-11-2017, (…) julgou que: “O voto é abusivo, na previsão da alínea b) do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais, quando a deliberação seja objectivamente apta a satisfazer uma intenção subjectiva de um ou mais sócios votantes, de obter vantagens especiais, para si ou terceiros, em detrimento da sociedade ou de outros sócios, ou de causar danos à sociedade ou a outros sócios. 6.–Não demonstrando a autora a verificação nem do pressuposto objectivo, nem do subjectivo, para se considerar abusiva a identificada deliberação social, naufraga a respectiva acção de anulação”.
Também Coutinho de Abreu, (…) propõe: “Em regra, uma deliberação social é abusiva quando, sem violar específicas disposições da lei ou dos estatutos da sociedade, é susceptível de causar ao(s) sócio(s) minoritário(s) um dano- a que corresponde, ou uma não desvantagem, ou uma vantagem para o(s) seu(s) sócio(s) maioritário(s)- assim se contrariando o interesse social.” Cremos, contudo, que a noção que a lei consagra é mais abrangente. Não é necessário que da deliberação anulável o sócio maioritário retire vantagem para si, bastando que a retire para terceiro ou até apenas que prejudique a sociedade. A deliberação tem de ser apropriada para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade, ou simplesmente de prejudicar aquela sociedade.
Na verdade, quer se considere a norma específica do artigo 58º, nº1, alínea b) CSC quer se considere a cláusula geral do artigo 334º do CC, não se vislumbram factos provados que concretizem para a sócia única vantagem especial para si ou para terceiros com a destituição do A nem qualquer prejuízo para a sociedade decorrente da destituição de gerente do A já que, como resultou provado, a R mais que duplicou o seu volume de faturação.
Pelo que terá este pedido de anulação da deliberação com fundamento em abuso de direito, por a deliberação ser abusiva, que improceder.».
C. O recorrente, no presente recurso de apelação:
C1. Invocou implicitamente (ainda que no âmbito da impugnação à matéria de facto, referida em c) infra e no contexto dos pedidos aí formulados), o desajuste entre os temas de prova e a prova passível de produzir e produzida, ao referir: «89. O tribunal só permitiu que fosse efetuada prova testemunhal aos pontos dos temas de prova e nada mais. Daí que, toda a prova produzida para além da que se relaciona com os temas de prova e que não se mostre provada por documento ou acordo das partes deve ser eliminada. (…) 105. Por outro lado, porque nenhuma prova credível e concreta foi efetuada acerca destas questões, tanto mais que, o tribunal por várias vezes alertou os mandatários das partes de que só admitiria a produção de prova acerca dos temas de prova e nada mais.»
C2. Atacou a matéria de facto provada e não provada nos pontos infra referidos, através:
a) Da invocação de uma contradição entre os factos provados em 10 e 11 e o facto provado em 24.
Esta matéria corresponde, respetivamente, à versão do autor dos arts.18º e 19º da petição inicial e à versão da ré do art.28º da contestação sobre as relações entre os sócios, que contextualizam a matéria principal alegada por cada uma das partes.
b) Do pedido de eliminação dos pontos de facto provados em 24, 25, 26, 33, 34 e 35, por o recorrente entender que incluem apenas juízos genéricos e conclusivos (conclusões 76 a 82).
Esta matéria corresponde aos arts.28º a 30º, 35º e 36º, 51º a 53º da contestação da ré, alegados por esta como enquadramento e como introito geral dos comportamentos por si imputados ao autor, que veio depois a descrever e a considerar que se qualificam como justa causa de destituição (em referência ao constante da ata nº...2).
c) De impugnação da matéria de facto respeitante: aos pontos de facto provados nos nºs25.º, 26.º, 29.º, 33.º, 34.º, 38.º, 43.º, 44.º, 45.º e 49.º, que o recorrente requer que se julguem não provados, por o tribunal não ter permitido produzir prova que não constava dos temas de prova e por a prova produzida não permitir a prova dos factos; aos pontos de facto julgados como não provados nas alíneas A, C, D E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, EE, FF,GG, HH, II, JJ, KK, por a prova produzida permitir a prova dos factos (conclusões 83 a 117).
Analisando esta matéria impugnada, no contexto da alegação prévia realizada pelas partes, verifica-se:
__ Que os pontos 25, 26, 29, 33, 34, 38, 43, 44, 45 e 49 dos factos provados respeitam à matéria alegada pela ré na sua contestação (respetivamente nos arts.29º e 30º, nos arts.35º e 36º, 41º, nos arts.43º, 44º, 45º e 48º, no art.51º, no art.52º, no art.53º, no art.57º, no art.64º, nos arts.66º e 67º, no art.68º, no art.83º), referentes: a um enquadramento conclusivo prévio (à alegação de factos imputados pela ré ao autor e que considera de justa causa de destituição); a alguns dos comportamentos imputados pela ré ao autor na sua contestação, em referência aos fundamentos da destituição por justa causa constantes da ata nº...2 (que o autor reiteradamente não informava as quantias recebidas e os depósitos realizados, gerando desorganização de contabilidade e falta de conhecimento a que clientes respeitavam os pagamentos de depósitos; que só entregou os talões de depósito quando interpelado e de forma parcial; que os seus comportamentos geraram interpelações para pagamentos que já se encontravam realizados e causaram má imagem da ré; que os sócios várias vezes lhe solicitaram que cessassem esses comportamentos; que durante 15 anos lhe foi explicado por diversas vezes que não deveria realizar depósitos diretos nas contas da empresa, para a urgência de realizar conciliações e para os prejuízos que os seus comportamentos causavam).
__ Que os pontos A, C, D E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, EE, FF,GG, HH, II, JJ, KK respeitam à matéria de facto (e a matéria conclusiva) alegada pelo autor na sua petição inicial, respetivamente, nos arts.10º, 43º a 58º, 60º e 61º, 65º e 66º, 70º, 71º, 78º e 79º, 81º a 84º, 22º, 34º a 36º, 39º a 42º da petição inicial, respeitantes: à imputação aos sócios da ré de uma manobra para a destituir; à impugnação de factos constantes da ata nº...2 (quanto à falta de entrega de talões, à falta de conciliação das contas e à má imagem causada; quanto à falta de comunicação das despesas e faltas de rotinas; quanto à imputação da contraordenação); à justificação de alguns dos factos que lhe foram imputados na ata nº...2; à alegação de factos para preencher o abuso de direito da destituição (por as conciliações, cuja falta lhe é imputada, ter sido impedida e proibida por um gerente da ré; por durante 15 anos não terem sido levantadas questões pelos sócios, nem nunca ter sido feito um reparado à sua forma de trabalhar); à falta de prejuízo da sociedade e ao prejuízo causado a si.
C3. Invocou, implicitamente, um erro de direito da decisão por entender que a deliberação dos sócios é nula por abuso de direito, nos termos do art.334º do C. Civil, com os seguintes fundamentos constantes das conclusões: por a destituição ter sido feita para favorecer interesses de dois dos sócios; por a ré sociedade ter aceitado os seus comportamentos durante os 15 anos em que os praticou e os factos de 2016 serem do conhecimento da ré, o que inviabiliza a justa causa pela aplicação analógica do art.254º/4 do C. S. Comerciais; porque não existe causa válida, justificativa e atual para a justa causa, por a mesma exigir motivo grave, em si e nas consequências, que torne inexigível à sociedade manter a gerência; porque os fundamentos de destituição da ata 22 foram também justificados pelo autor; porque, quanto aos depósitos, grande parte são posteriores à convocatória para a assembleia (de 4.11.2029 e notificada a 26.11.2019), sendo que é estranho a ré defender que não sabe a quem pertencem os depósitos de € 10 945, 07 da conta Banco 1... e só ter desatualizado o extrato da conta de 4 clientes num valor total que ascende apenas a € 8 956, 53, sendo que o cliente 840 B... possui um débito de € 3800, 00 que não pagou (que lhe foi descontado nos valores a receber da empresa), perfazendo o restante apenas o valor de € 5 156, 19 (conclusões 34 a 36, 38 a 59).
Neste segmento do recurso de direito, verifica-se que o autor não discutiu propriamente, com as exigências do art.639º/2-a) a c) do C. P. Civil («2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:  a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.»), os fundamentos de direito da decisão da sentença recorrida que considerou, na matéria do abuso de direito, que não se preenchia as previsões: da nulidade do art.56º/1-d) do C. S. Comercias (por não se prefigurar em abstrato a ofensa de bons costumes ou a violação de norma imperativa, não indicada sequer pelo autor/recorrente; por, pelo contrário, a destituição poder ocorrer sem justa causa, nos termos do art.257º/1 do C. S. Comerciais); da anulabilidade do art.58º/1-b) do C. S. Comerciais e da cláusula geral do art.334º do C. Civil (por não se ver que os factos provados indicassem que houvesse uma única vantagem para os sócios ou terceiros, em prejuízo da sociedade).
A apreciação do objeto do recurso no quadro do objeto da ação referido em III- 2.3.2.1. supra exige apreciar a relevância da matéria de facto constante da decisão da sentença e aqui impugnada e qual a relevância dos fundamentos defendidos do abuso de direito para apreciar se a deliberação pode ser nula.
Para este efeito proceder-se-á, nos pontos seguintes, a um enquadramento jurídico e à apreciação final das questões suscitadas.
2.3.2.2. Enquadramento jurídico:
2.3.2.2.1. Sobre a matéria de facto:
A. Cabe às partes, nos articulados respetivos, o ónus de alegar os factos essenciais e instrumentais em que baseiam as suas pretensões e a sua defesa (art.5º/1 do C. P. Civil e art.342º/1 e 2 do C. Civil; arts. 552º/1-d) e 572º/b) e c) do C. P. Civil), factos esses que sejam aptos a preencher facti species da norma, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito.
Em relação a esta matéria alegada pelas partes, cabe ao Tribunal, na fase de saneamento, definir os temas de prova, despacho passível de ser objeto de reclamação (cuja decisão apenas é impugnável em recurso da sentença), nos termos do art.596º do C. P. Civil («1 - Proferido despacho saneador, quando a ação houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova. 2 - As partes podem reclamar do despacho previsto no número anterior. 3 - O despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final.»).
São estes os temas de prova que balizam a prova a produzir em audiência, como o define: o regime geral da instrução do art.410º do C. P. CivilA instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.»); e o regime específico da produção de prova testemunhal, quer quanto à admissão excecional de testemunhas face à extensão dos temas de prova (art.511º/4 do C. P. Civil), quer do objeto do depoimento referido no art.516º/1 do C. P. Civil («1 - A testemunha depõe com precisão sobre a matéria dos temas da prova, indicando a razão da ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento; a razão da ciência invocada é, quando possível, especificada e fundamentada.»).
António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa referem, sobre a enunciação dos temas de prova do art. 596º do C. P. Civil (de forma mais genérica ou mais concretizada em relação aos factos alegados) que «o seu teor deve ser moldado de forma a corresponder ao objeto do litígio anteriormente definido e a poder integrar os factos essenciais alegados pelas partes, o que significa que a enunciação dos temas de prova deverá ser balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das exceções invocadas, tendo sempre presentes normas como a do art.410º (…), do art.516º (…) ou do art.607º, nº4 (nos termos do qual é na sentença que o juiz deve declarar, dentro da matéria controvertida definida pelos factos que constituem a causa de pedir e que integram as exceções, aqueles que julga provados ou não provados). (…) A enunciação dos temas de prova só deve contemplar a hipótese de a instrução recair sobre factos que ainda não possam ter-se como demonstrados na fase intermédia do processo (excluídos estão os factos admitidos por acordo, em virtude de falta de impugnação, os confessados e os provados por documentos. Assim, salvo em casos de imprecisão na respetiva enunciação, aquilo que não for coberto pelos temas de prova enunciados estará excluído da instrução[31] (bold aposto neste acórdão).
B. Todavia, apesar do regime de A. supra, o Tribunal pode considerar factos não alegados pelas partes e pode vir a produzir prova sobre factos não constantes dos temas de prova.
Por um lado, o Tribunal, para além dos factos alegados, pode considerar ainda na decisão (art.5º/2 em referência ao 5º/1 precedente do C.P. Civil): os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; os factos complementares ou concretizadores de factos alegados pelas partes e desde que as partes sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; e os factos notórios de que venha a ter conhecimento pelo exercício das suas funções (art.5º/ 2-a), b) e c) do C. P. Civil).
Por outro lado, quando, em sede de recurso, for necessário o apuramento de factos que não constavam dos temas de prova e exijam de forma indispensável a ampliação dos mesmos e do objeto da instrução, o art.662º/2-c) do C. P. Civil prevê a possibilidade de anulação da decisão para cumprir esta ampliação («2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;»), caso em que a repetição da prova não prejudica a parte não viciada da decisão, nos termos do nº3 do art.662º/3-c) do  mesmo Código de Processo Civil (« 3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma: (…) c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;»).
Por outro lado, ainda, a consideração na decisão de factos alegados pelas partes mas não constantes dos temas de prova pode ter consequências diversas, consoante tenha sido observado em concreto o contraditório das partes no âmbito de produção da prova ou não tenha sido observado o princípio do contraditório (art.415º do C. P. Civil).
Entre a Jurisprudência: o Ac. RG de 17.12.2014, proferido no processo nº2777/12...., relatado por Jorge Teixeira, defendeu consequências de invalidação da decisão que considerou um facto não provado sem prévia inclusão nos termas de prova, com base numa lógica mais abstrata (sumariou «I- A enunciação dos temas de prova delimitam o âmbito da instrução, para que ela se efectue dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, assegurando uma livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. II- Incontornável resulta, assim, que a instrução continua a ter por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados. III- Por isso, a não abrangência pelos temas da prova enunciados de factos essenciais ou nucleares de um das pretensões deduzidas, acarreta a anulação da decisão, uma vez que se não pode considerar que, realmente, sobre uma tal factualidade, por decorrência de um incumprimento ou do não exercício do contraditório, de um modo directo, incisivo e intencional tenha sido arrolado e produzido todo o substrato probatório que, efectivamente, o poderia teria sido, se resultasse inequívoco, linear e claro que e as partes tiveram a plena consciência de que esse facto fazia parte de um dos temas de prova enunciados.» (acórdão que veio a anular a decisão, nos termos do art.662º/ 2-c) do C. P. Civil, que tinha indicado como não provado um facto que não constava dos temas de prova).»); o Ac. RE de 06.04.2017, proferido no processo nº137/15...., relatado por Isabel Peixoto Imaginário, decidiu da anulação da decisão que considerou um facto não constante dos temas de prova e sobre o qual não se produziu prova contraditória («1 - O regime processual civil não permite decisões-surpresa; 2 - A enunciação dos temas da prova constitui um instrumento processual que permite orientar os sujeitos processuais no desenvolvimento da fase de produção de prova, com vista a que se alcance o fim desta: o apuramento da verdade e a justa composição do litígio; 3 - Detectando-se que elementos factuais relevantes a submeter a instrução extravasam os temas da prova que foram previamente enunciados, ou colocam em causa circunstâncias de facto anunciadas como assentes, o princípio do contraditório impõe sejam as partes disso expressamente advertidas, concedendo-lhes possibilidade de produzir prova que entendam relevante.»)[32].
C. Os factos (objetivos ou subjetivos, situados no espaço e no tempo), que devem ser alegados e que podem ser considerados pelo Tribunal nos termos referidos em A. supra, distinguem-se de matéria genérica e conclusiva (salvo se esta tiver transitado para a linguagem corrente e não constitua o thema decidendum) e de matéria de direito (constante da factispecie da norma).
Apesar de no C. P. Civil de 2013 não existir previsão idêntica ao art.646.º/4 do anterior C. P. Civil de 1961 (que previa que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito»), a doutrina e jurisprudência tem mantido o entendimento que a matéria não factual que conste de uma decisão de facto deve ser expurgada da mesma. Vide, neste sentido, entre outros: Abrantes Geraldes (que refere que devem ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)»); Ac. RG de 17.02.2022, proferido no proc. nº2549/11..... G1, relatado por Maria João Matos[33].
D.A seleção de factos sujeitos a prova está sujeita ao critério da relevância dos mesmos para apreciar a questão a decidir, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito.
A conexão entre os factos a considerar e a decisão a proferir (sendo a impugnação dos mesmos instrumental a esta decisão a proferir) e o princípio da utilidade dos atos processuais (art.130º do C.P. Civil) têm levado a jurisprudência a entender que não se deve apreciar a matéria impugnada ou não se deve aceitar a ampliação da matéria de facto quando a mesma seja irrelevante para a decisão do recurso, em qualquer uma das soluções plausíveis das questões de direito a decidir.
A este propósito, Tomé Soares Gomes refere: «Mas o tribunal só deve atender aos factos que, tendo sido oportunamente alegados ou licitamente introduzidos durante a instrução, forem relevantes para a resolução do pleito, não cabendo pronunciar-se sobre factos que se mostrem inequivocamente desnecessários para tal efeito.»[34]
E, no sentido que a jurisprudência tem vindo a adotar nesta matéria, o acórdão da Relação de Guimarães de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18...., relatado por Maria João Matos, defendeu também e sumariou  «V. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil»[35].
2.3.2.2.2. Sobre o direito e o abuso de direito:
2.3.2.2.2.1. O direito de destituição de gerente:
O regime da destituição de gerentes das sociedades por quotas encontra-se regulado no art.257º do C. S. Comerciais, norma esta que prevê, nomeadamente: «1 - Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes. 2 - O contrato de sociedade pode exigir para a deliberação de destituição uma maioria qualificada ou outros requisitos; se, porém, a destituição se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por maioria simples. 3 – (…). 4 – (…) 5 – (…) 6 - Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções. 7 - Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado.».
O regime das deliberações das sociedades por quotas ocorre por maioria, salvo pacto social em contrário (arts.250º/3 e 257º/2 do C. S. Comerciais) ou previsão legal em contrário (como nas maiorias qualificadas exigidas para a alteração do contrato e a dissolução da sociedade- arts.265º e 270º do C. S. Comerciais).
Como refere J. M. Coutinho de Abreu:
«A regra, portanto, é a da destituição livre: a todo o tempo (independentemente de o gerente ter sido designado por prazo certo ou por tempo indeterminado e do período já decorrido), com ou sem justa causa.
Ainda que não fundada em justa causa, a destituição é facto lícito: a lei não a proíbe, pelo contrário, a lei atribui às sociedades o direito (potestativo) de destituir, com ou sem justa causa os gerentes. (…)
Em geral, as deliberações consideram-se tomadas se obtiverem a maioria dos votos emitidos (art.250º, 3). Isto vale também para as deliberações (em assembleia geral ou por voto escrito) de destituição de gerentes. Contudo, os estatutos sociais podem exigir “uma maioria qualificada ou outros requisitos” (nº2 do art.257º)»[36].
2.3.2.2.2.2. O abuso de direito (em geral e em especial):
A. De acordo com a cláusula geral civilista do art.334º do C. Civil, prevê-se que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.» (art.334º do C. Civil).
A1. Assim, numa primeira abordagem, verifica-se que são limites ao exercício de um direito a boa-fé, os bons costumes e o fim social desse direito.
Por um lado, a boa-fé, como refere Jorge Manuel Coutinho de Abreu, « significa (…) que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros», concretizando como hipóteses típicas concretizadoras da cláusula geral da mesma, nomeadamente, a «proibição do venire contra factum proprium, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; (…) o abuso da nulidade por vícios formais- é inadmissível a impugnação da validade dum negócio por vício de forma por quem, apesar disso, o cumpre ou aceita o cumprimento da contraparte»[37]
A tutela da confiança, apoiada na boa-fé, assenta em proposições ou pressupostos.
Menezes Cordeiro sumaria-os, em referência aos pressupostos tratados pela doutrina e pela jurisprudência, referindo:
«Na base da doutrina e com significativa consagração jurisprudencial, a tutela da confiança, apoiada na boa fé, ocorre perante quatro proposições. Assim:
1.a Uma situação de confiança conforme com o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore estar a lesar posições alheias;
2.a Uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstracto, provocar uma crença plausível;
3.a Um investimento de confiança consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4.a A imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante: tal pessoa, por acção ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tanto conduziu.
Estas quatro proposições devem ser entendidas dentro da lógica de um sistema móvel. Ou seja: não há, entre elas, uma hierarquia e o modelo funciona mesmo na falta de alguma (ou algumas) delas: desde que a intensidade assumida pelas restantes seja tão impressiva que permita, valorativamente, compensar a falha.»[38].
Pedro Albuquerque sumaria estes mesmos pressupostos nos seguintes termos: «uma situação de confiança conforme o sistema e traduzida na boa fé subjectiva e ética, própria da pessoa que sem ofender deveres de cuidado e de indagação pertinentes ao caso, ignore estar a lesar posições alheias; uma justificação para essa confiança traduzida na presença de elementos objectivos susceptíveis de, em abstracto, originarem uma crença plausível; um investimento de confiança traduzido num assentar efectivo, por parte do sujeito protegido, de actividades jurídicas sobre a crença, em termos que desaconselhem ou tornem injusto o seu preterir; e uma imputação da confiança à pessoa atingida.»[39].
Por outro lado, os bons costumes, segundo definição de Ana Prata, correspondem a «uma cláusula geral de direito privado que remete para princípios morais sociais (…) que devem regular o comportamento das pessoas honestas em todos os seus aspetos, incluindo, mas não restringido, os económicos»[40].
Por fim, a propósito do limite do fim económico e social do direito, a mesma autora refere «se o direito subjectivo é sinteticamente um poder jurídico para realizar um interesse, está-se fora do domínio da permissão jurídica sempre que o interesse tutelado pelo direito não é aquele prosseguido pelo seu titular. (…) A violação desse fim, como qualquer outra situação de abuso, resulta em regra de efeitos do exercício e não dele em abstrato.»[41].
O abuso de direito impõe que a violação de um destes limites seja clara e manifesta.
A2. Numa segunda abordagem, importa equacionar as consequências deste abuso de direito.
Não estando expressamente previstas na norma as consequências do abuso de direito, estas têm sido tratadas pela Doutrina e pela Jurisprudência.
Jorge Manuel Coutinho de Abreu refere que «o abuso de direito é uma forma de antijuridicidade ou ilicitude. Logo, as consequências do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto ou omissão ilícito»[42].
Menezes Cordeiro sumaria posições que têm sido defendidas quanto às consequências jurídicas do abuso de direito: «O artigo 334.° fala em “ilegitimidade” quando, como vimos, se trata de ilicitude. As consequências podem ser variadas:
— a supressão do direito: é a hipótese comum, designadamente na suppressio;
— a cessação do concreto exercício abusivo, mantendo-se, todavia, o direito;
— um dever de restituir, em espécie ou em equivalente pecuniário;
— um dever de indemnizar, quando se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil, com relevo para a culpa.
Não é, pois, possível afirmar a priori que o abuso do direito não suprima direitos: depende do caso.»[43].
Ana Prata, sumariando também posições doutrinárias e jurisprudenciais, já integra nas mesmas consequências a nulidade, e refere que: «Da responsabilidade civil à nulidade, à própria caducidade (ou supressão) do direito, várias são as consequências jurídicas do exercício abusivo. Tem havido alguma jurisprudência a entender que o ato abusivo é nulo por força do art.294.º (contrariedade a “disposição legal de caráter imperativo”), mas a opinião não tem recolhido apoio doutrinário», o que se compreende, pois a nulidade, se for caso disso, não carece da mediação do art.294.º.»[44].
B. No regime societário do Código das Sociedades Comerciais, encontram-se previstas duas normas- uma no campo dos fundamentos da nulidade e outra no campo da anulabilidade das deliberações- que têm como fundamento a ofensa a bons costumes e o abuso do direito de voto do sócio.
Assim, «1 - São nulas as deliberações dos sócios: (…) d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.» (art.56º/1-c) do C. S. Comerciais, com sublinhado aposto neste acórdão).
A Doutrina, em referência a esta previsão de nulidade da deliberação por o seu conteúdo ofender os bons costumes, refere, nomeadamente: Paulo Olavo Cunha que «que se traduzem em comportamentos chocantes, numa perspetiva social, designadamente instando a prática de atividades consideradas ilícitas. Por exemplo, qualquer sociedade que tome uma deliberação que contribua para a facilitação da prostituição; também certos aspetos que digam respeito a um tipo de atuação social, que seja vedado por regras de ordem pública. Por exemplo, os órgão sociais deliberarem que, para determinados efeitos, os administradores da sociedade deveriam proceder a pagamento de “luvas” a entidades públicas. São deliberações obviamente ofensivas dos bons costumes e que, consequentemente, são nulas»[45]; J. M. Coutinho de Abreu, que «não é qualquer ofensa aos bons costumes que provoca a nulidade. Eles têm de ser contrariados pelo “conteúdo” da deliberação considerada em si mesma, pela regulação por ela estabelecida. Não bastando, pelo menos em regra, que os motivos ou o fim da deliberação sejam contrários aos bons costumes.»[46].
Por sua vez, «1 - São anuláveis as deliberações que: (…) b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos;». Nestes casos, «3 - Os sócios que tenham formado maioria em deliberação abrangida pela alínea b) do n.º 1 respondem solidariamente para com a sociedade ou para com os outros sócios pelos prejuízos causados.» (art.58º/1-b) e 3 do C. S. Comerciais, com sublinhado aposto neste acórdão).
Entre a Jurisprudência tem-se defendido também a conjugação desta norma com a do art.334º do C. Civil. Neste sentido, v.g., o Ac. STJ de 09.10.2003, proferido no processo nº03... e relatado por Santos Bernardino, em adesão a posição de Pinto Furtado, considerou que «VIII - Para que se possa falar de deliberação abusiva exige-se, antes de mais, a constatação do carácter anormal ou excessivo do conteúdo aprovado. IX - Não é, sem mais, abusiva a deliberação da maioria apenas susceptível de causar um dano à sociedade ou aos outros sócios na prossecução de vantagens especiais, mas aquela que traduza esta ideia na forma ou na dimensão de um excesso manifesto, abrindo margem à situação de clamorosa injustiça de que falam os autores.»[47].
C. J. M. Coutinho, em crítica à «persistência de alguma jurisprudência e doutrina na ligação das deliberações abusivas ao art.334º do CCiv. (especialmente na parte relativa aos bons costumes)», refere:
«a) O CSC (vinte anos depois do CCiv.) contém disciplina pormenorizada das deliberações inválidas, incluindo as ofensivas (pelo conteúdo) aos bons costumes e as abusivas. É, pois, pouco curial continuar a recorrer, a propósito das deliberações abusivas ao art.334º do C. Civ.- preceito sincrético e largamente indefinido inclusive quanto às consequências jurídicas.
b) Não é correto dizer-se (à sombra do art.334º do CCiv.) que deliberações abusivas são também as de conteúdo ofensivo dos bons costumes; além do mais, a distrinça está hoje marcada no CSC: arts.56º, 1, d), e 58º, 1, b). Pode aceitar-se a qualificação das deliberações com fim contrário aos bons costumes como abusivas. Eviremos, porém, equívocos…
c) No campo das deliberações sociais, a sanção da nulidade entra, (…) em espaços restritos. Mesmo quando são desrespeitadas normas legais, muitas vezes a sanção não é a nulidade (diversamente sucede no regime comum dos negócios jurídicos: art.294º do CCiv.). Note-se, aliás, que antes do CSC, com maior ou menor arrimo no art.334º do CCiv., defendia-se generalizadamente a anulabilidade para as deliberações abusivas. Também por isso, afirmar-se que as deliberações (abusivas) que violem o art.334º do CCiv. são nulas, por violação de um princípio injuntivo (art.56º, 1-d)), parece(-me) anacrónico[48].
2.3.2.3. Apreciação das questões suscitadas na situação concreta em análise:
2.3.2.3.1. Sobre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada (sintetizada e enquadrada em III-2.3.2.1.- C2 supra referido, em referência ao objeto do processo referido em III-2.3.2.1.-A), no quadro de direito enunciado (em III-2.3.2.2- 2.3.2.2.1 supra):
A matéria de facto impugnada neste recurso, e que foi sintetizada e enquadrada em III-2.3.2.1.- C2 supra referido, em referência ao objeto do processo referido em III-2.3.2.1.-A, não tem relevância para a apreciação do único pedido que cabe ao Tribunal apreciar- pedido de nulidade e de anulabilidade da deliberação de destituição de gerente formulado no pedido a) (referido em I- a) supra), tendo em conta: que os pontos de facto impugnados respeitam aos que foram previamente alegados pelas partes no contexto da discussão da justa causa de despedimento (na qual, após a impugnação da justa causa pelo autor, a ré alegou os factos pelos quais lhe imputou a justa causa da destituição; o autor declarou justificar alguns dos factos que lhe foram imputados e defendeu a abuso de direito na invocação da justa causa de despedimento), como fundamento e defesa do pedido declarativo de inexistência de justa causa de destituição e de condenação da ré a indemnizá-lo, nos termos do art.257º/7 do C. S. Comerciais, pedido do qual a ré veio a ser absolvida da instância por incompetência material do tribunal (vide I-1.1., 7 e 8 supra); que os referidos pontos de facto não são relevantes para apreciar o referido pedido de nulidade ou de anulabilidade formulado em a), pelas razões referidas em III- 2.3.2.3.2. infra.
Esta matéria, de qualquer forma, ainda que fosse relevante por se manter em apreciação o pedido c), encontrar-se-ia selecionada na sentença de forma tecnicamente irregular, quer pela parcialidade e pela aleatoriedade da seleção da matéria alegada pela ré na sua contestação (a quem caberia a prova da justa causa, nos termos do art.342º/2 do C. Civil), quer pela inclusão na matéria de múltiplas afirmações, qualificações e conclusões que não integram matéria de facto e que deveriam ser expurgadas da decisão.
Desta forma:
a) Rejeita-se a apreciação da impugnação (em sentido amplo) da matéria constante dos pontos 10, 11, 24, 25, 26, 29, 33, 34, 35, 38, 43 a 45, 49 da matéria provada e dos pontos A, C, D E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, EE, FF,GG, HH, II, JJ, KK constantes da matéria não provada da decisão de facto.
b) Determina-se a eliminação da decisão de facto da sentença recorrida de toda a matéria impugnada referida em a) supra (deixando de constar da decisão), por a mesma ser irrelevante para a apreciação do recurso da sentença, pelas razões referidas em III- 2.3.2.3.2. infra.
2.3.2.3.2. Sobre a decisão de direito que negou a nulidade e anulabilidade da deliberação por abuso de direito (com os fundamentos indicados em III- 2.3.2.1.- C3), no quadro de direito enunciado (referido em III-2.3.2.2.2. supra):
Importa apreciar se os fundamentos invocados no recurso permitiriam, face ao regime de direito aplicável e referido em III-2.3.2.2.2. supra, declarar a nulidade da deliberação de destituição do autor da gerência.
Por um lado, verifica-se que, apesar da sentença referir que o autor pediu subsidiariamente a nulidade da deliberação por abuso de direito, o autor, na causa de pedir dos seus pedidos: não fundamentou qualquer pedido de nulidade e anulabilidade da deliberação da destituição por abuso de direito; invocou apenas o abuso de direito para defender a ilegitimidade da destituição por justa causa.
Por outro lado, verifica-se que a invocação de abuso de direito da destituição da justa causa, com os fundamentos enunciados em I- 1.2.4. supra e indicados neste recurso (sintetizados em III- 2.3.2.1.- C3), não é passível de invalidar a deliberação da destituição do gerente, no quadro do direito aplicável (referido em III-2.3.2.2.2.supra).
De facto, e em primeira medida, a declaração de caducidade da ação de anulação prejudica a possibilidade de apreciação do fundamento de anulabilidade da deliberação previsto no art.58º/1-b) do C. S. Comerciais, apreciado sumária e irregularmente na sentença recorrida (quer do ponto de vista da oportunidade de apreciação, uma vez que, tendo o Tribunal a quo declarada caduca a ação de anulação, deveria ter julgado prejudicada a apreciação dos fundamentos de anulação; quer do ponto de vista do erro de um dos argumentos com que fundamentou a inexistência de causa de anulabilidade, uma vez que, como refere corretamente o recorrente nas conclusões 114 a 117, a menção realizada pelo Tribunal- de existência de uma sócia única e da inexistência de prejuízo da sociedade por ter havido duplicação de faturação- não respeita a este processo, no qual há três sócios e nada foi provado quanto à duplicação de faturação).
Desta forma, nem é atendível a apreciação realizada na sentença da anulabilidade da deliberação por ser abusiva, nem é relevante a apreciação da invocação pelo recorrente que a deliberação se destinou a satisfazer interesses dos demais sócios deliberantes, uma vez que não pode ser conhecida a causa de anulabilidade do art.58º/1-b) do C. S. Comerciais.
Numa segunda linha, verifica-se que todos os fundamentos alegados pelo autor para descaracterizar a justa causa (quer porque considerava os factos da justa causa não provados, quer porque os considerava justificados e sem gravidade suficiente para a destituição com justa causa) e para invocar uma violação pelos sócios da boa-fé na vertente de venire contra factum proprium (por a ré sociedade ter aceitado os seus comportamentos em 15 anos em que os praticou e os factos de 2016 serem do conhecimento da ré): seriam apenas relevantes no âmbito da apreciação de um pedido de inexistência de justa causa de destituição e condenação em indemnização pelos prejuízos, nos termos e para os efeitos do art.257º/7 do C. S. Comerciais (que não se encontra em apreciação neste processo e recurso); não seriam suficientes nem pertinentes, ainda que resultassem provados, para preencher o fundamento da nulidade da deliberação do art.56º/1-d) do C. S. Comerciais (aliás, não invocado pelo autor e recorrente, na vertente de deliberação com conteúdo ofensivo aos bons costumes ou de ofensa de norma imperativa), nem da cláusula geral do art.334º do C. Civil, ainda que a mesma se pudesse considerar como fundamento de nulidade para além do quadro das invalidades previstas no direito societário. De facto, podendo os sócios deliberar validamente a destituição do gerente mesmo sem justa causa (art.257º do C. S. Comerciais), por maioria dos votos (art.250º do C. S. Comerciais), nos termos já referidos em III- 2.3.2.2.2.1. supra, o não reconhecimento dos fundamentos da justa causa, nomeadamente por a sua invocação ser abusiva e contrária à ao-fé, apenas é suscetível de conduzir aos efeitos indemnizatórios do art.257º/7 do C. S. Comerciais.
Desta forma, improcede também este fundamento do recurso, ainda que por razões parcialmente distintas das defendidas pelo Tribunal recorrido.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso, sem prejuízo da eliminação factual determinada em III- 2.3.2.3.1.-b) supra.
*
Custas do recurso pelo recorrente (art.527º/1 do C. P. Civil).
*
Guimarães, 15 de dezembro de 2022

Assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora, 1ª Adjunta e 2ª Adjunta
Alexandra Viana Lopes
Rosália Cunha
Lígia Venade


[1] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, 2021, Reedição, Almedina, notas 11 e 12, págs.763 e 764.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 14, pág. 826.
[3] J. M. Coutinho de Abreu, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, 2ª edição, janeiro de 2017, IDET- Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho, nota 2 ao art.59º, págs.725 e 726.
[4] Vide, a este propósito, nomeadamente, in Código Civil Comentado, com coordenação de António Menezes Cordeiro, I- Parte Geral, CIDP e Almedina, 2020, anotações aos arts.328º a 333º, págs.915 ss; Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, págs.777 ss.
[5] O Ac. STJ de 06.05.2003, proferido no processo nº03ª229, relatado por Moreira Camilo, encontra-se disponível in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8fe8e9a57ce9113780256d49002fff74?OpenDocument
[6] O Ac. STJ de 01.07.2009, proferido no processo nº571/07.TTPRT.S1, relatado por Bravo Serra, encontra-se disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/49a7ee1bc75dee31802575ed00547d63?OpenDocument&Highlight=0,caducidade,absolvi%C3%A7%C3%A3o,279%C2%BA,327%C2%BA
[7] O Ac. STJ de 16.02.2012, proferido no processo nº566/09.0TBBJA.E1.S1, relatado por Lopes do Rego, encontra-se disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e5c3408a0acb89f6802579b10041c504?OpenDocument
[8] O Ac. STJ de 16.06.2015, proferido no processo nº1010/06.0TBLMG.P1.S1, relatado por Hélder Roque, encontra-se disponível in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7f4cd328264181a380257e670035cca3?OpenDocument
[9] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, anotações 2 a 8 ao art.279º do C. P. Civil, págs.345 a 347.
[10] Encontrou-se em sentido distinto, o Ac. RC de 22.10.2018, proferido no processo nº30/17.3T8VCL-A.P1, relatado por Carlos Gil, disponível in
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/36985c930dac28a8802583620034605d?OpenDocument, .
Este acórdão, com referência a jurisprudência das Relações, apesar de não contestar o argumento literal e histórico da posição jurisprudencial dominante, pretende defender uma interpretação teleológica que não se considera suficientemente sustentada no regime (justifica: «Do ponto de vista das consequências das aludidas interpretações resulta claro que a orientação que confere natureza especial aos preceitos relativos à prescrição e caducidade, quando ocorra absolvição da instância numa primeira causa, leva a que consequências civis mais gravosas – a perda do direito seja por via da caducidade, quando de conhecimento oficioso, seja por via da prescrição, neste último caso se invocada –, tenham um regime jurídico mais severo relativamente a outros efeitos civis menos gravosos que, embora sujeitos a um prazo mais curto, prescindem do requisito da inimputabilidade ao autor da causa de absolvição da instância. Assim, não obstante o elemento histórico que conforta a interpretação dominante[11], tendo em conta a incongruência da tutela mais forte ou, pelo menos, com menor exigência conferida nessa leitura a situações menos gravosas para os beneficiários desse regime e, como curialmente se vincava no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de dezembro de 1995[12], atendendo aos novos ventos do processo civil de prevalência da substância sobre a forma, o lugar em certa medida paralelo do artigo 261º do Código de Processo Civil, ainda em tempos não muito distantes sujeito a um alargamento do âmbito objetivo de aplicação[13] e a prevalência que deve ser dada a argumentos teleológicos relativamente a argumentos históricos, afigura-se-nos mais correta a interpretação que permite que mesmo no caso de caducidade possa operar o regime do artigo 279º, nº 2, do Código de Processo Civil.»).
[11] Apenas conhecida quanto à referência contrária de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, volume I, 4ª edição, Almedina, nota 3 ao art.279º do CPC, pág.567 (após referir o regime dos arts.327º e 332º do C. Civil, refere em relação ao art.279º do C. P. Civil, sem maior justificação «O nº2 do artigo anotado não prejudica estes preceitos da lei civil, aos quais se adiciona, e aplica-se seja ou não imputável ao autor o motivo da absolvição da instância.».
Contrariamente, Pires de Lima e Antunes Varela defenderam expressamente, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição revista e atualizada com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Lda., 1987, pág.297, «A doutrina do n.º3 do art.327.º, mandada aplicar pelo n.º1 deste artigo 332.º, substitui a do art.289.º, n.º2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção que este tinha antes do Decreto-Lei n.º47690, de 11 de Maio de 1967.».
[12] Paulo Olavo Cunha, in Direito das Sociedades Comerciais, 7ª edição, Almedina, Setembro de 2022, pág.332, nota (v).
[13] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, na anotação 7 ao art.99º/2, pág.136, referem- «(…) uma vez concretizada a remessa, gera-se a renovação da instância, que deve ser equiparada à instauração de nova ação, designadamente para aproveitamento dos efeitos produzidos pela instauração da ação ou pela citação do réu, nos termos do art.279º, nº2, do CPC e dos arts.327, nº3 e 332º, nº1 do CC (estes relativamente à prescrição e caducidade).»
[14] Vide, nomeadamente, J. M. Coutinho de Abreu, in obra citada, ponto 3.3. da anotação ao art.56º do C. S. Comerciais, págs.698 e 699.
[15] Ac. RP de 25.10.2007 encontra-se disponível in  http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/bd452a802ae2aa418025739900539d61?OpenDocument
[16] O Ac. do STJ de 17.04.2008 encontra-se disponível in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/546ac3b9651829e6802574320032fd63?OpenDocument
[17] O Ac. do STJ de 19.10.2021 encontra-se disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/142b01343c82c34e802587740043c2af?OpenDocument
[18] Ac. RP de 25.10.2007 encontra-se disponível in  http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/bd452a802ae2aa418025739900539d61?OpenDocument
[19] Alexandre Soveral Martins e Ricardo Costa, in obra citada, pág. 429.
[20] Ac. STJ de 14.03.1991 encontra-se disponível in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/42aa253503c2df42802568fc0039d16b?OpenDocument
[21] O assento do STJ de 09.11.1977 encoontra-se disponível in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/1BE7EF68B32F2388802568FC003A4E98
[22] O Ac. STJ de 12.06.1996 encontra-se disponível in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/03B63434BCC44D6B802568FC003B23AE
[23] O Ac. STJ de 23.09.1997 encontra-se disponível in
 https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=6387&codarea=1
[24] O Ac. RP de 25.10.2007 encontra-se disponível in  http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/bd452a802ae2aa418025739900539d61?OpenDocument
[25] O Ac. RP de 12.05.2008 está disponível in  http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/90bb554d9c4152188025744e00370f5d?OpenDocument
[26] O Ac. do STJ de 19.10.2021 encontra-se disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/142b01343c82c34e802587740043c2af?OpenDocument
[27] Alexandre Soveral Martins e Ricardo Costa, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. I, 2ª edição, janeiro de 2017, IDET- Instituto do Direito das Empresas e do Trabalho, anotação 3.1. ao art.24º, pág.432.
[28] Paulo Olavo Cunha, in obra citada, págs.342 a 345, 352.
[29] O Ac. RP de 25.10.2007 encontra-se disponível in  http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/bd452a802ae2aa418025739900539d61?OpenDocument
[30] O Ac. RG de 04.11.2021 encontra-se disponível in
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/92a1f9f47ceade72802587960053ef84?OpenDocument
[31] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2ª edição, 2021, Reimpressão, notas 4 e 17 ao art.596º do C. P. Civil, págs.724 e 726.
[32] O Ac. RG de 17.12.2014 encontra-se disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/65FB52D83761C2CD80257DE2005BB17E  .O Ac. RE de 06.04.2017 encontra-se disponível in
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/bc4f4a5cbe9cdb58802581090053991b?OpenDocument
[33] Neste sentido, respetivamente: António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 1999, págs. 147-148, Ac. RG de 17.02.2022 encontra-se disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/bd1ea2a905306c0e802588000040a0bd?OpenDocument
[34] Tomé Soares Gomes, inDa Sentença Civil”, págs.14 a 16, a 24 de Janeiro de 2014 nas Jornadas de Processo Civil, disponível in file:///C:/Users/MJ01758/Downloads/texto_intervencao_Manuel_Tome.pdf
[35] Acórdão da Relação de Guimarães de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18.3T8BRG.G1, relatado por Maria João Matos
http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/25d5f7fa39d9bef08025861000504aa3?OpenDocument
[36] J. M. Coutinho de Abreu, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. IV, 2ª Edição, Junho de 2017, Almedina, pág.126.
[37] J. M. Coutinho de Abreu, in Do Abuso de Direito, Almedina, 2006, págs.55, 59 e 60.
[38] António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/
[39] Pedro Albuquerque, in “Responsabilidade processual por litigância de má-fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo”, Almedina, 2006, pág.90.
[40] Ana Prata, in Código Civil por si coordenado, Almedina, 2ª Edição Revista e Atualizada, 2019, nota 5 ao art.334º, pág.441.
[41] Ana Prata, in obra citada, nota 6 ao art.334, pág.442.
[42] Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in obra citada, pág.76.
[43]António Menezes Cordeiro, in “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, supra referido.
[44] Ana Prata, in obra citada, nota 7 ao art.334º do C. Civil, pág.442.
[45] Paulo Olavo Cunha, in obra citada, pág.737.
[46] J. M. Moutinho de Abreu, in citado Código das Sociedades Comerciais em Comentário, pág.697.
[47] O Ac. STJ de 09.10.2003 encontra-se disponível in  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4b7d3c8885aeda8680256deb00415fb3?OpenDocument
[48] J. M. Coutinho, in citado Código das Sociedades Comerciais em Comentário, anotação ao art.58º, págs.716 e 717.