Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9183/17.0T8LSB-C.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: EFICÁCIA REFLEXA DO CASO JULGADO PARA TERCEIRO
PRINCÍPIO DA PLENITUDE OU DA AUTOSSUFICIÊNCIA DA INSTÂNCIA INSOLVENCIAL
NATUREZA UNIVERSAL DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
EFEITO COMINATÓRIO SEMI-PLENO EM AÇÃO CONDENATÓRIA ANTERIOR
CLÁUSULA PENAL EXCESSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. O mecanismo da eficácia reflexa ou extensão do caso julgado a terceiro é limitado à faculdade de este aderir ao caso julgado alheio’ e de “fazer seus os efeitos da sentença para os opor à parte contrária”, traduzindo um princípio de aproveitamento do caso julgado alheio para beneficiar terceiro com o efeito favorável que dele decorra.
2. Os princípios orientadores do regime falimentar, da plenitude ou autossuficiência da instância insolvencial e da par conditio creditorum, justificam a extinção da instância dos processos pendentes destinados ao reconhecimento de direitos de crédito sobre a insolvente (cfr. AUJ nº 1/2014 de 25.02) precisamente porque, uma vez declarada a insolvência, as decisões que ali fossem proferidas estavam impossibilitadas de alcançar o seu efeito útil normal.
3. Da natureza universal e concursal do processo da insolvência resulta imediatamente arredada a identidade entre as partes de uma ação comum instaurada por credor contra a devedora, e as partes do incidente de verificação de créditos tramitado por apenso a processo de insolvência.
4. A medida de pagamento que a cada credor cabe pelo produto da massa insolvente depende da medida e da preferência de pagamento reconhecida a cada um dos demais credores, pelo que o crédito de um credor afeta inelutavelmente o interesse que os demais credores exercem e pretendem satisfazer no processo de insolvência.
5. A imposição/limitação do exercício e reconhecimento dos direitos dos credores ao processo de insolvência, incluindo os que tenham o seu crédito reconhecido por decisão anterior, visa garantir ao conjunto e a cada um dos credores o poder de interferir na sindicância e na verificação do passivo do devedor insolvente através dos procedimentos falimentares próprios (incidente de reclamação, verificação e graduação de créditos, e ações de verificação ulterior de créditos).
6. Não é legalmente admissível ‘importar’ para o incidente de reclamação e graduação de créditos e fundamentar a decisão de verificação de crédito impugnado em substrato factual julgado provado por sentença proferida no âmbito de ação comum instaurada contra a devedora pelo titular daquele crédito.
7. O art. 131º, nº 1 do CIRE reconhece expressamente legitimidade ao administrador da insolvência para apresentar resposta à impugnação deduzida à lista de créditos, o que impõe que daquela sejam extraídos os devidos efeitos legais.
8. À ausência de impugnação dos motivos justificativos do não reconhecimento de crédito invocados e expostos pelo administrador da insolvência nos termos e para os efeitos do art. 129º, nº 3 do CIRE não corresponde um qualquer efeito cominatório – de aceitação ou de confissão dos factos ali alegados – porque a lei não lho atribui.
9. Na qualificação do efeito cominatório previsto pelo art. 131º, nº 3 do CIRE, como pleno ou semi-pleno, a doutrina e a jurisprudência confluiu numa interpretação consensual através da compatibilização do âmbito por ele previsto com a regra do cominatório semi-pleno previsto pelo art. 574º, nº 2 do CPC, ou seja, circunscrito apenas à confissão dos factos, e já não do pedido.
10. Assim, na ausência de resposta e/ou de erro manifesto, ou de resposta sem impugnação dos factos alegados na impugnação à lista, o art. 131º, nº 3 do CIRE comina a admissão dos factos por acordo que, como tal, impõe sejam dados por assentes na sentença nos termos do art. 607º, nº 4 do CPC e, por outro lado, não dispensa, antes impõe, a sindicância da viabilidade e bondade jurídico-legal da impugnação através da aplicação do direito conforme aos factos.
11. As especificidades processuais do procedimento de verificação e graduação de créditos por apenso a processo de insolvência coexistem com os efeitos preclusivos do princípio do dispositivo, dos ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos dos direitos a que cada um dos credores se arroga e da contra prova de factos suscetíveis de os infirmar, ónus que se têm em pleno funcionamento na fase dos articulados de impugnação à lista de créditos e de resposta à impugnação, e na subsequente atividade de instrução para produção das provas apresentadas caso os termos do litígio com aqueles gerado assim o determinem.
12. Assentes por acordo os factos alegados pela impugnante, estes ficam imediatamente excluídos do thema probandum e, consequentemente, do julgamento do tribunal a realizar de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e a convicção do julgador.
13. Os factos que permanecem controvertidos constituem o thema probandum mas só impõem o prosseguimento dos autos para instrução caso seja requerida e admitida prova que pela sua natureza se imponha produzir para além da fase dos articulados, como é o caso da prova pessoal, que só em audiência de julgamento é passível de ser produzida.
14. O erro passível de ser sindicado nos termos dos arts. 130º, nº 3 e 131º, nº 3 do CIRE tem como objeto inconsistências factuais ou jurídicas manifestadas nos próprios termos da alegação do interessado ou no confronto com o documentado ou processado nos autos (em sentido lato) e que se imponham valorar em si mesmos, esclarecer e/ou corrigir; não abrange a sindicância ou o apuramento da correspondência da factualidade alegada com a realidade que, consoante o caso, cabe a cada interessado impugnar e/ou demonstrar, não recaindo sobre o tribunal o dever de se substituir à parte no cumprimento desses ónus.
15. Na ausência de impugnações ou de erro manifesto, a lista de créditos reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência destina-se a integrar decisão judicial através de sentença homologatória que, por consubstanciar um ato de confirmação, dispensa o apuramento dos factos e a aplicação do direito subjacentes ao reconhecimento de cada crédito nela inscrito.
16. A doutrina e jurisprudência maioritárias integram e reconhecem o preço da empreitada nas ‘despesas feitas por causa da coisa’, reconhecendo ao empreiteiro o direito de reter a obra enquanto não lhe for pago o preço que por ela lhe é devido.
17. A cláusula penal funciona como fixação antecipada à forfait da indemnização, que justifica a impossibilidade legal da sua cumulação com o cumprimento e a possibilidade da sua cumulação com a indemnização limitada ao dano excedente; e funciona como meio de pressão ao cumprimento, que justifica a limitação da sua redução judicial apenas quando se revele ‘manifestamente’ excessiva.
18. O crédito exclusivamente fundado em cláusula penal indistintamente estabelecida para o incumprimento de qualquer uma das obrigações de contratos de empreitada para construção de parque de estacionamento e de cessão ou de promessa de cessão de exploração desse parque, celebrados pelas mesmas partes na mesma data e no mesmo suporte documental, não cumpre na sua totalidade a conexão material entre o crédito e a coisa legalmente exigida pelo art. 754º do CC.
19. O crédito a título de juros vincendos constitui direito disponível que, como tal, carece de ser peticionado para ser judicialmente reconhecido, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista pela al. e) do nº 1 do art. 615º do CPC, que se verifica quando o tribunal conhece para além ou em objeto diverso do pedido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório
1. Declarada a insolvência de Soc….Imobiliária, Lda por sentença proferida em 11.10.2017, em 18.01.2018 o Sr. Administrador da Insolvência (AI) apresentou lista de créditos reconhecidos, relacionando, entre outros:
- crédito de P. - Investimentos Imobiliários, S.A. no valor de €7.559.550,85 a título de capital e €2.010.840,53 a título de juros à taxa de 4%, no montante total reclamado e reconhecido de € 9.570.391,38, garantido por hipoteca voluntária registada pela Ap. 70 de 23.09.2005, até ao montante máximo assegurado de € 25.198.000,00, sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo …;
- crédito da Fazenda Nacional no montante total de €422.919,13, sendo:
- a título de Imposto Municipal sobre Imóveis, o montante de capital de €34.140,33, e juros de €893,78 calculados à taxa de 4,966%, no montante total reclamado e reconhecido de €35.034,11 com privilégio creditório imobiliário especial sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º 7951 e inscrito na matriz sob o artigo 14022 (art. 122.º do Código do IMI e 744.º, n.º 1 do Código)
- a título de Imposto sobre Rendimentos Pessoas Coletivas (IRC), Imposto Valor Acrescentado (IVA) e Imposto de Selo (IS), o montante de capital de €34.837,85 e juros de €1.937,88 calculados à taxa de 4,966%, no montante total reclamado e reconhecido de €36.775,73, com privilégio imobiliário geral nos termos do artigo 116.º do Código do IRC, artigo 736.º, n.º 1 do Código Civil e 47.º do Código do Imposto do Selo;
- a título de impostos e coimas, o montante de capital de €268.996,02 e juros de €82.113,27, como crédito comum.
Mais relacionou o seguinte crédito não reconhecido:
- crédito comum de ‘E…, Ldª’ no valor de €1.500.000,00 a título de capital e €317.044,50 a título de juros vencidos à taxa de 7%, no montante total reclamado de € 1.817.044,50, com a seguinte menção: Crédito não reconhecido em virtude de o mesmo haver sido constituído de forma artificial, pelas razões que constam das fls. 7 e seguintes do relatório a que alude o art. 155.º do CIRE, para onde remetemos por razões de económica processual.;
Juntou teor da notificação cumprida nos termos do art. 129º, nº 4 do CIRE[1].
2. Por requerimento de 29.01.2018 a reclamante ‘E…, Ldª’ apresentou impugnação da lista de credores reconhecidos pugnando pelo reconhecimento do seu crédito sobre a insolvente no montante de €1.817.044,50 e a sua graduação como garantido.
Alegou em fundamento que a insolvente celebrou contrato de empreitada com a sociedade VFR, no âmbito do qual esta executou trabalhos que faturou à insolvente mas que esta não pagou, tendo a empreiteira procedido à resolução do contrato através de comunicação de 04.12.2012, pela qual interpelou a insolvente para pagamento das faturas e da cláusula penal de €1.500.000,00 convencionada no contrato, e comunicou a retenção da obra consignada até integral pagamento dos valores devidos, créditos que aquela empreiteira cedeu à impugnante em 11.03.2012 com entrega do prédio referente à obra dos autos, e para cujo reconhecimento instaurou ação contra a insolvente que correu termos sob o nº 526/14.9TVLSB, no âmbito da qual foi proferida sentença que julgou a ação procedente e condenou a insolvente a pagar-lhe €1.500.000,00 a título de cláusula penal acordada acrescida de juros de mora vencidos e vincendos a contar da citação, e reconheceu o direito de retenção da obra a que reporta o contrato, tendo transitado em julgado em 06.11.2014.
Juntou documentos (notificação que lhe foi remetida pelo AI em cumprimento do art. 129º, nº 4 do CIRE, e sentença proferida no processo 526/14.9TVLSB).
3. Em 08.02.2018 a massa insolvente respondeu à impugnação alegando que o crédito foi criado de forma artificial com o intuito de invocar direitos sobre a massa insolvente com prejuízo de outros credores.
Alegou em fundamento que as quotas da insolvente eram inicialmente tituladas por FF (€3.750,00) e MM (€1.250,00) e as atuais quotas pertencem à sociedade AA, Ldª - por transmissão em 16.02.2016 e subsequente divisão da quota do sócio FF em duas quotas (uma de €3.125,00, adquirida em junho 2016 por aquela sociedade, e outra de €625,00, adquirida por AA) na sequência da sua nomeação à penhora em 18.06.2012 pelo sócio MM no âmbito de execução que àquele moveu -, e à sociedade V…, SGPS, SA, à qual em 08.06.2016 foram transmitidas uma quota de €625,00 resultante da divisão da quota adquirida por AA, Ldª, e as quotas de AA  - a quota no valor de €625,00 que este adquiriu da quota inicialmente titulada por FF, e a quota de €1.250,00 que em 12.07.2012 (poucos dias antes da celebração do contrato de empreitada) lhe foi transmitida por MM; sendo que AA adquiriu as participações sociais da impugnante em 27.11.2013 e foi designado seu gerente em 12.02.2014.
Reproduzindo no essencial os fundamentos alegados na notificação cumprida nos termos do art. 129º, nº 4 do CIRE, o AI mais alegou que o contrato de empreitada celebrado em 25.07.2012 entre a insolvente e VFR foi subscrito em representação daquela por MM , que é sócio da impugnante desde 27.11.2013, e, em representação de VFR, por FV, filho de LV, este sócio fundador da impugnante e seu gerente até 27.11.2013, e de MA, atualmente sócia da insolvente e administradora da V…, SGPS, SA; que a obra objeto do contrato de empreitada foi embargada pela Câmara Municipal de Cascais por falta de licenciamento; que sem a respetiva licença foram realizadas obras com o exclusivo propósito de justificar a emissão de faturas de pequeno valor pela sociedade VFR, forjar a aparência de crédito desta sociedade sobre a insolvente e, com fundamento no seu incumprimento, resolver o contrato de empreitada, acionar a cláusula penal de €1.500.000,00, e instaurar ação contra a insolvente para o reconhecimento desse crédito e para o dotar de garantia sobre o único ativo da empresa que prevalecesse sobre a hipoteca que o onerava, direito de retenção; que a ação para o efeito instaurada pela impugnante foi notificada à insolvente para a Rua da …, local para onde em junho de 2008 foi alterada a sede da insolvente e na qual MM  acedia à correspondência da insolvente através de pedido de reexpedição de correio para a sua residência, sita em Rua….., Lisboa; que a ação não foi por ele deliberadamente contestada com o intuito de a mesma ser julgada procedente, conforme veio a suceder. Mais alegou que na sua impugnação o impugnante não questiona os factos fundamento do não reconhecimento do crédito pelo AI, acrescentando que, não sendo o crédito reconhecido, não existe fundamento para prevalecer o direito de retenção.
Concluiu pela improcedência da impugnação e pela manutenção do não reconhecimento do crédito reclamado pela impugnante.
Juntou documentos (certidão permanente da insolvente, subscrita em 24.01.2017, certidão permanente da impugnante, subscrita em 07.02.2018, certidão permanente da VFR, e certidão permanente de V…, SGPS, SA, subscrita em 07.02.2018).
4. Em 26.02.2018 a massa insolvente requereu o indeferimento, por extemporâneo, de requerimento de rol de testemunhas apresentado pela impugnante em 15.02.2018, face ao disposto no art. 134º, nº 1, que remete para o art. 25º, ambos do CIRE.
5. Em sede de saneamento dos autos, por sentença de 27.11.2018 foram julgados verificados os seguintes créditos:
1. A., S.L. - € 266.719,54
2. Banco Popular de Portugal, S.A. - € 12.173,82
3. DU, S.L. - € 5.768.353,65
4. Fazenda Nacional - € 422.919,13
5. P… Investimentos Imobiliários, S.A. - € 9.570.391,38,
E ordenada a notificação da impugnante para junção de certidão da sentença que invoca, com nota de trânsito em julgado.
6. Junta a referida certidão, por despacho de 23.01.2019 foi designada tentativa de conciliação, que foi realizada com a presença do AI, da insolvente, da impugnante e da comissão de credores, este integrada pelos credores P…SA, DU, e AA, e Autoridade Tributária, tendo a impugnante e a massa insolvente mantido as posições assumidas nos respetivos articulados.
7. Conforme protestou em sede de tentativa de conciliação, a credora DU juntou cópia da acusação deduzida em 02.11.2017 no âmbito do processo crime 991/16.0TDLSB contra os subscritores do contrato de empreitada fundamento do pretenso crédito da impugnante, MM, FV, AA, RR e JJ, acusados de vários crimes, incluindo de burla qualificada, com o referido contrato.
8. Após tramitação vária atinente com a junção de documentos e de decisões judiciais, por despacho de 03.03.2020, reiterado em 18.03.2021, foi determinado que os autos aguardassem a prolação de decisão com trânsito em julgado no âmbito daquele processo crime.
9. Por despacho de 20.09.2022 foram rejeitados os requerimentos probatórios apresentados pela impugnante em 15.02.2018 e 11.03.2019 e os requerimentos probatórios subsequentes apresentados pela impugnante e pelo credor DU, com exceção do despacho de acusação deduzida no processo nº 991/16.0TDLSB junta com o req. de 28.02.2019, e demais decisões proferidas e recursos nele apresentados, que foram admitidos, mais tendo sido admitidos os documentos juntos em 02.04.2019 pelo credor DU.
Mais foi consignado que os autos renuem os elementos necessários ao imediato conhecimento de mérito e determinada a notificação das partes para alegarem o que tiverem por conveniente, tendo a impugnante apresentado alegações, às quais respondeu o credor D…, e ao que se seguiram subsequentes e sucessivos requerimentos destes credores para junção de atos praticados no processo crime nº 991/16.
10. Por despacho de 08.03.2023 foi ordenada a notificação do AI para esclarecer a natureza do privilégio – imobiliário ou apenas mobiliário - reconhecido ao crédito da Fazenda Nacional e para juntar cópia da reclamação por esta apresentada, ao que aquele correspondeu referindo que foi reconhecido crédito no valor global de €422.919,13, do qual €35.034,11 relativo a IMI com privilegio imobiliário especial sobre o prédio da insolvente, e €36.775,73 relativos a IRC, IVA, e IS, com privilégio imobiliário geral. Juntou requerimento de reclamação de créditos que lhe foi endereçado pelo MP em 19.10.2017, no valor total de €409.830,19 do qual €21.945,17 a título de crédito garantido, e complemento que à mesma lhe foi remetido em 13.11.2017 com o valor adicional de €13.088,49 a título de adicional de IMI de 2017, totalizando o crédito reclamado pela AT €422.918,68.
11. A impugnante apresentou requerimento com o qual juntou print do acórdão da Relação de Lisboa de 26.04.2023 que conheceu do recurso do (terceiro) acórdão proferido em 1ª instância no processo crime nº 991/16, sobre o que o credor DU se pronunciou.
12. Seguidamente, por sentença de 23.05.2023 o tribunal a quo decidiu:
a) julgar a impugnação deduzida pela E…, Lda. totalmente procedente;
b) reconhecer sobre a insolvente Soc… Imobiliária, Lda., pessoa coletiva n.° 50….., os seguintes créditos:
- A, S.L., no montante de € 266.719,54, crédito subordinado;
- CSE Limited (habilitada no lugar do Banco Popular de Portugal, S.A., no montante de € 12.173,82, crédito comum;
- DU, S.L., no montante de € 5.768.353,65, crédito subordinado;
- E…, Lda., no montante de € 1.817,044,50, crédito garantido por direito de retenção;
- Fazenda Nacional, no montante de € 35.034,11, crédito garantido, € 36.775,73, crédito privilegiado, e € 351.109,29, crédito comum;
- P…Investimentos Imobiliários, S.A., no montante de € 9.570.391,38, crédito garantido por hipoteca.
*
b) graduar os créditos reconhecidos para serem pagos
- sobre o produto do o prédio urbano, descrito na 1.a Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.° … e inscrito na matriz urbana sob o artigo …, da seguinte forma:
1. Em primeiro lugar, o crédito reconhecido ao Estado referente a IMI, no montante de € 35.034,11;
2. Em segundo lugar, o crédito reconhecido ao credor E…, Lda., no montante de € 1.817,044,50 crédito garantido por direito de retenção;
3. Em terceiro lugar, o crédito reconhecido ao credor P… - Investimentos Imobiliários, S.A., no montante de € 9.570.391,38, crédito garantida por hipoteca;
4. Em quarto lugar, o crédito reconhecido ao Estado, no montante de € 36.382,24 (referente a IRC e IS), crédito garantido por privilégio imobiliário geral;
5. Em quinto lugar, rateadamente entre si, os créditos comuns;
6. Em sexto lugar, rateadamente entre si, os créditos subordinados;
**
- sobre quaisquer outros valores que integrem a massa:
1. Em primeiro lugar, o crédito reconhecido ao Estado, no montante de € 36.775,73 ((IRC, IS e IVA, crédito garantido por privilégio mobiliário geral;
2. Em segundo lugar, rateadamente entre si, os créditos comuns, incluindo os créditos garantidos na parte em que não sejam satisfeitos pelo produto do bem sobre o qual incidia a sua garantia;
3. Em terceiro lugar, rateadamente entre si, os créditos subordinados.
As dívidas da massa insolvente saem precípuas (art. 51.° do C.I.R.E.). Total de créditos reconhecidos - € 17.857.602,02.
9. Inconformada, a credora A., S.L. recorreu da sentença, requerendo “Nestes termos, deverá o presente recurso proceder, e anular a decisão de verificação do crédito do credor E…, Lda, devendo este ser considerado não reconhecido, e ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC, deverão V. Exas, determinar, a nulidade da decisão recorrida de acordo com o art.º 615.º n.º1 al. d) do C.P.C, , no que concerne aos créditos reconhecidos a Fazenda Nacional, por falta de elementos para a decisão proferida sobre a matéria de facto, devendo ser apurada a sua natureza, data de constituição, e no caso de respeitar a créditos de IMI, e o que são créditos garantidos, privilégios ou comuns. Caso venha a decair no recurso, mais requer seja dispensada do pagamento do remanescente de taxa de justiça a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º, ou, subsidiariamente, seja tal valor proporcionalmente reduzido.
Formulou as seguintes conclusões:
(…)
2) A Recorrente não se pode conformar com a douta Sentença proferida, no que concerne a verificação e graduação do crédito garantido por direito de retenção relativo a E..., Lda., no montante de € 1.817,044,50, e a Fazenda Nacional, no montante de € 35.034,11, crédito garantido, € 36.775,73, crédito privilegiado, e € 351.109,29, crédito comum.
3) QUESTÃO A DECIDIR:
-A questão a decidir no âmbito do presente Recurso, nos termos do n.º 3 do art. 635º e n.º 1 do art. 639º ambos do C.P.C e, por via disso:
1. Da decisão de verificação do crédito garantido por direito de retenção da Credora E..., Lda., no montante de € 1.817,044,50,
2. Se a matéria de facto aportada pelo requerimento de reclamação de crédito do Senhor Administrador de Insolvência e de impugnação à lista suportam a dita constituição e o reconhecimento do crédito a Credora E..., Lda., no montante de € 1.817,044,50, conforme descrito na sentença recorrida.
3. Se o art. 131º, n 3 do CIRE, na parte em que prevê a procedência da impugnação na ausência de resposta, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e n.º 3, e 20.º, n.º 4 e n.º 1 do artigo 62.º, todos da CRP.
4. Se na ausência de resposta à impugnação recai sobre o tribunal o dever de proceder a prévia apreciação dos fundamentos da impugnação para fundamentar a decisão de verificação do crédito dela objeto e, na positiva, se a decisão de verificação do crédito do credor E..., Lda., é nula por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.
5. Se a decisão do Tribunal a quo, é nula por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, por falta de apreciação de matéria de facto, no reconhecimento do crédito à Credora E..., Lda., e a Fazenda Nacional, por falta de apuração da sua natureza, respetivo montante, data de constituição, e no caso de respeitar a créditos de IMI, e o que são créditos garantidos, privilégios ou comuns.
4) O Sr. Administrador da Insolvência apresentou lista de créditos reconhecidos e lista de créditos não reconhecidos, incluindo nesta última o não reconhecimento do crédito reclamado pelo credor E..., Lda., no montante de € 1.817,044,50, crédito garantido por direito de retenção que, nessa parte, impugnou a lista pugnando pela verificação do seu crédito pelo montante total reclamado de € 1.817,044,50.
5) O tribunal recorrido julgou procedente a impugnação apresentada, com o fundamento de que por um lado a impugnação à lista não foi objeto de resposta e, por outro, com base no caso julgado e no que concerne à extensão do caso julgado a terceiros, e, sem mais delongas, dos fundamentos de facto e de direito invocados, julgou verificado o crédito do credor recorrido E..., Lda., pelo montante de € 1.817,044,50, crédito garantido por direito de retenção.
6) O crédito reclamado pela impugnante foi criado de forma ilícita, com o intuito de invocar direitos sobre a massa insolvente, com prejuízo para os restantes credores.
7) A 12 de Julho de 2012, MM  transmitiu a sua quota de € 1.250,00 a AA que, em Abril de 2014, seria nomeado gerente da sociedade E..., Lda empresa que, mais tarde, executaria a aqui insolvente.
8) Ao mesmo tempo, e em 25 de Julho de 2012, a insolvente celebra um Contrato de Empreitada e Exploração de Parque de Estacionamento com a sociedade VFR, S.A. O referido contrato atribuía à sociedade VFR o encargo de construção de um parque de estacionamento no imóvel descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o artigo...
9) O contrato foi subscrito por MM e FV, representante da empresa VFR, e que era filho de LL e de MA, mais se verifica que, consta da certidão de registo comercial da sociedade E..., Lda., LL é sócio desta empresa e foi, no passado, seu gerente.
10) Quanto a MA é administradora da V…., SGPS, S.A., atualmente sócia da insolvente (detentora de uma quota de € 2.500,00).
11) Do Contrato de Empreitada e Exploração de Parque de Estacionamento constava uma cláusula que dispunha da seguinte forma: “A Parte que, sem justa causa, incumprir as obrigações que lhe estão adstritas no Contrato, ou violar ou impedir a concretização de qualquer uma das suas disposições, indemnizará a outra no valor de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros)”.
12) As faturas foram remetidas à insolvente para pagamento; como as mesmas não foram pagas, a sociedade VFR, enviou carta à insolvente, comunicando a resolução do contrato e exigindo o pagamento das cláusulas penais deles constantes, entre as quais o pagamento de € 1.500.000,00.
13) A resolução do contrato, com a correspondente obrigação de indemnização, tinha por objetivo justificar a instauração de uma ação por parte da sociedade VFR contra a insolvente. Não obstante, nessa ação, para prejudicar, de forma irremediável, os interesses dos credores das sociedades, não bastaria peticionar o reconhecimento de um crédito; uma vez que o único ativo da empresa estava onerado com uma hipoteca voluntária, era necessário dotar esse crédito de uma garantia de valor superior que prevalecesse sobre esta garantia real (v.g., o direito de retenção).
14) Neste contexto, que em Março de 2014, a sociedade E..., Lda. (empresa a quem haviam sido cedidos os créditos), intentou ação declarativa contra a insolvente, pedindo o reconhecimento da resolução do contrato, bem como a condenação da insolvente no pagamento de uma indemnização de € 1.500.000,00, acrescida do reconhecimento do correspondente direito de retenção.
15) Ao que acresce, que nos dias seguintes à propositura da ação (a 4 de Abril de 2014), foi nomeado gerente da E..., Lda. AA que, era sócio da insolvente por via da transmissão que em Julho de 2012 ocorrera com MM  (apenas em Junho de 2016, AA transmitiria a sua quota para a sociedade V. SGPS, S.A.).
16) A ação não foi, deliberadamente, contestada com o intuito de, face à revelia da ré, ser julgada procedente, o que aconteceu, pois, a insolvente foi condenada no pagamento da quantia de € 1.500.000,00, tendo, também, sido reconhecido o correspondente direito de retenção à E..., Lda,
17) A quota de € 3.750,00 foi dividida em duas quotas, tendo uma quota no valor de € 625,00 sido transmitida a favor de AA (gerente da E..., Lda.); outro no valor de € 3.125,00 foi transmitida para a sociedade AA. Posteriormente, AA transmitiu a sua quota de € 625,00 (que havia adquirido a JJ) à sociedade V. SGPS, S.A. Do mesmo modo, a sociedade AA. dividiu a sua quota, tendo transmitido parte da mesma, no valor de € 625,00 à sociedade V. SGPS, S.A.
18) E por fim, a quota que inicialmente AA havia adquirido a MM foi transmitida também à V., SGPS, S.A. Assim, as atuais quotas da sociedade pertencem às sociedades AA (€ 2.500,00) e V., SGPS, S.A. (€ 2.500,00).
19) Em suma, este interlaçando de relacionamentos familiares entre os representantes das empresas que adquiriram a quota de FF, teve como objetivo, dois factos específicos:
1. Bloquear o património único que Sociedade...Imobiliária, Lda, ou seja, o terreno de Cascais, através de um encargo de € 1.500.000 decorrente do contrato celebrado com a VFR, e
2. Ter o controlo da Sociedad… Imobiliária, Lda, aqui insolvente, através da titularidade das quotas, da sede social e da gerência.
20) Para o efeito,
• FV, em representação da VFR, assinou um contrato absurdo com MM em nome da sociedade Sociedade… Imobiliária, Lda, aqui insolvente;
• FV, em representação da VFR cedeu os direitos decorrentes do incumprimento do contrato absurdo (4 meses antes da assinatura do contrato) à E..., Lda., (aqui reclamante) representada pelo seu pai LV.
• A VFR e a E..., Lda. têm atualmente a mesma morada de sede Rua…Lisboa.
• O atual administrador da E..., Lda. é AA, sendo detentor de 100% das ações da sociedade E..., Lda., aqui RECLAMANTE.
• A atual sede da sociedade Sociedade…Imobiliária, Lda. é a Praça…Lisboa, que é a mesma sede que a E..., Lda. tinha até 2014 (data de início da reclamação do processo 526/14.9TVLSB), sendo também a atual sede e desde a sua criação da sociedade V. SGPS, S.A. (empresa que detém 50% das ações da Sociedade…Imobiliária, Lda.) cuja gerente é MA, mãe de FV.
• AA, era titular das ações da sociedade Sociedade…Imobiliária, Lda. (1.250 ações que comprou a MM em julho de 2012, e 625 ações que comprou a JJ em 8 de junho de 2016), vendeu a totalidade das ações à sociedade V. SGPS, S.A. no mesmo dia 8 de junho de 2016, não sendo atualmente detentora de qualquer quota.
• AA, antes de venderem as suas quotas, juntamente com JJ, eram titulares de 100% das quotas da sociedade  Sociedade…Imobiliária, Lda., e com base nisso realizaram uma reunião para destituir FF da gestão da empresa, nomear um novo gestor para uma pessoa da sua confiança João, a 26 de abril de 2016, e nesse ato mudou também a sede da empresa para Praça…Lisboa.
21) Ao que, acresce, que no dia 11 de Julho de 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa da 7ª Secção, julgou, pela 3º vez, procedente a reclamação do executado/Apelante, determinado a inclusão da seguinte materialidade aos factos dados como provados, mantendo-se a numeração, já acima definida:
“9 – a data da instauração da injunção e subsequente ação executiva, e antes da citação edital do executado, este recebia a sua correspondência pessoal e profissional na Avenida…em Madrid, Espanha:
10 – o facto mencionado sob o anterior ponto 9 era do conhecimento pessoal do exequente que, deliberadamente, o ocultou no processo”.
22) Em face do assim determinado, foi julgada procedente a reclamação de FF e foi mandada alterar a matéria de facto, tendo-se revogando a decisão proferida pelo Tribunal de 1º Instância e declarou a nulidade da citação de FF no dito processo e de todos os subsequentes atos praticados na referida execução.
23) Mais, a recorrente não pode deixar de não invocar a inconstitucionalidade do art. 131º, nº 3 do CIRE na interpretação e aplicação do efeito cominatório que dele fez o tribunal recorrido, e imputa-lhe omissão de dever de pronúncia, que concretiza na ausência de sindicância/apreciação judicial da bondade dos fundamentos da impugnação, incluindo ausência de fundamentação da opção pela verificação do crédito do credor impugnante pelo maior valor por este peticionado.
24) A questão subjacente ao presente recurso, e que tem sido objeto de discussão jurisprudencial, prende-se precisamente com a latitude ou âmbito da cominação prevista pelo art. 131º, nº 3 do CIRE, a nosso ver, em estreita correlação com os fundamentos dogmáticos da sindicância do erro manifesto ressalvada pelo art. 130º, nº3, também este objeto de várias decisões dos tribunais superiores.
25) Questões que chamam à colação as especificidades processuais do processo de insolvência e do correspetivo apenso de verificação e graduação de créditos que, no declarado intuito de reduzir entropias e lhe conferir maior celeridade, no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas conduziram à simplificação desse mesmo processado, sendo que em determinadas matérias o foi através da manutenção e alargamento da desjudicialização de atos ou atividade subjacente ao processo, propósito que com maior expressividade se manifestou ou concretizou em sede de incidente de verificação do passivo.
26) Neste, as especificidades que o destacam do regime geral do processo comum declarativo decorrem desde logo do caráter instrumental da sentença aí proferida relativamente ao objeto legal do processo de insolvência (lato senso), e do facto de este ser cumprido através dos autos principais e de outros apensos (vg. apreensão de bens e liquidação); mas, de sobremaneira, as especificidades processuais que decorrem do facto de o ato processual que instaura o apenso de verificação e graduação de créditos corresponder à lista de créditos reconhecidos devida elaborar e apresentar pelo Administrador da Insolvência, lista que, equivalerá à petição inicial.
27) Conforme preveem os arts. 128º e 129 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, as reclamações de créditos são (imperiosamente) endereçadas ao sr. Administrador da Insolvência para que, em substituição dos requerimentos de reclamação de créditos apresentadas pelos credores, do apenso respeitante à verificação e graduação e créditos conste apenas a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, procedimento que, a par com o regime de prazos legais sucessivos e a prolação de sentença homologatória em caso de ausência de impugnações, conduz a óbvia simplificação processual de carácter administrativo.
28) Assim, prevê o art. 129º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que: “Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento”.
29) E prevê o art. 130º, nº 3 que: “Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista”.
30) Sendo a atividade processual devida exercer pelo Administrador da Insolvência funcionalmente perspetivada ao cumprimento de desiderato legalmente pressuposto, os termos da elaboração da lista de créditos não é arbitrária, antes obedece a requisitos de conteúdo, precisamente, os previstos pelo nº 2 do art 129º, pelo que dela deverão constar: a) a identificação de cada credor, b) a natureza do crédito, c) o montante de capital, d) o montante de juros à data do termo do prazo das reclamações, e) as garantias pessoais e reais, f) os privilégios, g) a taxa de juros moratórios aplicável, h) se existirem, as condições suspensivas ou resolutivas dos créditos a elas sujeitos.
31) Exigência que se insere na lógica sistemática do processamento da reclamação, verificação e graduação de créditos porquanto, conforme dispõe o citado art. 130º, nº 3, na ausência de impugnações, e salvo caso de erro manifesto, o juiz limita-se à homologação da lista de créditos, tal qual como reconhecidos pelo Administrador da Insolvência, e à subsequente graduação de créditos de acordo com o direito aplicável aos termos que naquela constam descritos.
32) Assim, os créditos, respetivos montantes, e qualificação que aos mesmos seja reconhecida pelo Administrador da Insolvência e que não sejam objeto de impugnação, são declarados verificados, salvo caso de erro manifesto, de facto ou de direito, no que se incluem lapsos, omissões ou deficiências detetadas na lista face às menções que deveria conter e não contém, designadamente, na indicação de elementos imprescindíveis à subsequente graduação dos créditos de acordo com a lei material aplicável.
Mais,
33) No que concerne ao crédito reconhecido a Fazenda nacional, não se alcança como o Sr. Administrador de Insolvência e o Tribunal a quo chegaram ao no montante de €35.034,11, crédito garantido, € 36.775,73, crédito privilegiado, e € 351.109,29, crédito comum, pois o crédito de que a Fazenda Nacional é titular, ascende, à data, ao montante de € 422.919,13 (quatrocentos e vinte e dois mil novecentos e dezanove euros e treze cêntimos).
34) Da documentação junta aos autos pelo Senhor Administrador de Insolvência, são devidos de impostos a Fazenda Nacional, a saber:
Total de IMI: 198 647,88 €
Total de Imposto de Selo: 170 358,09 €
Total de IVA: 10 974,27 €
Total de IRC: 13 129,60 €
Total de Coimas: 15 530,63 €
35) Os créditos por IMI (nº1 do art. 122º do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis) e os créditos por Contribuição Autárquica (art. 24º do Código da Contribuição Autárquica) gozam das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial, pelo que, caso se encontrem inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora ou nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos a tal imposto – art. 744º nº1 do CC – ou seja, gozam de privilégio imobiliário especial.
36) Os créditos de IRS e os créditos de IRC relativos aos últimos três anos, gozam do privilégio imobiliário geral e do privilégio mobiliário geral, sobre os bens existentes no património do devedor, previstos no art. 111º do Código do IRS e no art. 108º do Código do IRC (atribuídos ao Estado para garantia do pagamento do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas).
37) Os créditos de IVA, dizendo respeito a impostos indiretos, gozam unicamente de privilégio mobiliário geral, gozando de igual privilégio os respetivos juros – 736º nº1 do Cod. Civil.
38) Declarada a insolvência, os referidos privilégios apenas se mantêm quanto aos impostos constituídos dentro dos doze meses antes do início do processo de insolvência, extinguindo-se os privilégios respeitantes aos créditos anteriores (cfr., als. a) e b), do nº1, do art. 97º, do CIRE).
39) No que concerne aos créditos reclamados que gozam da garantia real resultante de hipoteca, terão que ser graduados segundo a antiguidade do respetivo registo – arts. 822 º nº1 do Cod. Civil – cedendo, contudo, perante os créditos que gozem de privilégio imobiliário especial – art. 751º do CC –, mas prevalecendo sobre os privilégios imobiliários gerais – art. 749º nº1 do CC.
40) Para aplicação de tais regras, nomeadamente, para sabermos quais os privilégios de que goza cada um dos créditos reclamados pela Fazenda Nacional, se os mesmos se mantêm ou se extinguem com a declaração de insolvência, e no caso de se manterem, qual a ordem da sua graduação, face a cada um dos imóveis apreendidos para a massa, o tribunal teria de dispor dos seguintes elementos:
· data de início do processo de insolvência;
· natureza de cada um dos créditos e respetivo montante;
· data de constituição de cada um dos créditos;
· tratando-se de créditos por IMI ou contribuição autárquica, identificação do imóvel a que respeitam.
41) Para aceder a tais elementos seria necessário que se encontrasse junta aos autos cópia da reclamação apresentada pelo MP e certidão fiscal comprovativa dos montantes reclamados, com a discriminação do prédio, por anos a que respeita cada um dos valores reclamados a título de IMI e de contribuição autárquica, IRS, IRC, IVA, IS e coimas.
42) Da sentença recorrida, consta unicamente o seguinte circunstancialismo na decisão, quanto à Fazenda Nacional, no montante de € 35.034,11, crédito garantido, €36.775,73, crédito privilegiado, e € 351.109,29, crédito comum, não existindo mais elementos no processo que nos permitam qualificar os referidos créditos reclamados, no valor de €35.034,11, crédito garantido, € 36.775,73, crédito privilegiado, e € 351.109,29, crédito comum e que, gozarão de créditos “garantido, privilégio ou crédito comum”.
43) Limitando-se o Sr. Administrador de Insolvência no seu requerimento com a ref: 45158285, reconheceu à Credora Fazenda Nacional, o seguinte:
3. (…)
4. Adicionalmente, e no cumprimento do ordenado, juntamos em anexo a reclamação de créditos do Estado – Fazenda Nacional.
44) Juntando cópia de um email do Serviço de Finanças, e que os valores reclamados englobam créditos por IRS, IRC, IVA, IS e coimas.
45) Não dispondo os autos dos elementos de facto que permitissem ao Tribunal a quo, proceder à graduação dos créditos reclamados pelo Fazenda Nacional, conforme o fez.
46) Na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo limitou-se a reproduzir o que a tal respeito constava do requerimento com a ref: 45158285, do Sr Administrador de Insolvência, o que nos levanta a questão do âmbito dos poderes do juiz face a uma lista de créditos reconhecidos e não objeto de qualquer impugnação, face ao teor do nº 3 do art. 130º do CIRE.
47) A graduação dos créditos cabe unicamente ao juiz – e o juiz não pode proceder a tal graduação sem que conste dos autos a certidão matricial dos imóveis apreendidos para a massa, no caso de invocação de garantias resultante de hipotecas e a concreta identificação dos créditos fiscais, montantes e data da respetiva constituição.
48) Por referência ao papel, constitucionalmente inderrogável, do exercício da atividade jurisdicional enquanto garante da legalidade das matérias acobertadas pelas decisões e da composição dos conflitos de interesses em conformidade com o direito aplicável (cfr. arts. 20º, nº 1 e 202º, nº 2 da CRP), a sindicância do erro manifesto previsto pelo art. 130º, nº 3 do CIRE deve interpretar-se em termos amplos, encarando-a como o exercício de um poder-dever do Juiz para, no confronto com o que consta da própria lista ou do que resulta dos elementos disponíveis nos autos de insolvência (lato senso), verificar a conformidade substancial e formal dos créditos inscritos na lista que vai homologar, se necessário for, solicitando ao Administrador da Insolvência todos os esclarecimentos e elementos que para o efeito se revelem necessários, e, em qualquer caso, sem prejuízo do cumprimento do pertinente contraditório se da referida oficiosidade resultar alteração ao teor da lista de créditos tal qual como a mesma foi apresentada pelo Administrador da Insolvência.
49) De todo o exposto resulta a inconstitucionalidade da interpretação e aplicação que o tribunal recorrido fez do art. 131º, nº 3 do CIRE na decisão de verificação do crédito do credor E..., Lda., pelo montante de € 1.817,044,50, por violação dos princípios constitucionais do acesso aos tribunais e à reserva jurisdicional dos tribunais, previstos pelos arts. 20º, nº 1 e 202º, nº 2 da CRP.
50) Interpretação que não é corroborada pela definição do âmbito do efeito cominatório previsto pelo art. 131º, n 3 do CIRE conforme jurisprudência, senão unânime, pelo menos maioritária, na qual não se vislumbra uma qualquer inconstitucionalidade por referência ao princípio da reserva jurisdicional previsto pelo art. 202º, nº 2 da CRP, que é por aquela (jurisprudência) respeitado.
51) Sem prejuízo, resulte a imputada violação do princípio da igualdade (art. 13º da CRP) e do direito das partes a um processo equitativo (art. 20º, nº 4 a CRP).
52) Face às considerações expostas, e ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC, haverá que determinar, oficiosamente, a nulidade da sentença proferida na 1ª instância prevista no art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C, a fim de aí se proceder à ampliação da matéria de facto, no que toca ao não reconhecimento do crédito a Sociedade E..., Lda, e quanto ao crédito da Fazenda Nacional, apurando-se a sua natureza, data de constituição, e no caso de respeitar a créditos de IMI, e o que são créditos garantidos, privilégios ou comuns.
53) Mais se requer, à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, previsto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP.
14. Respondeu ao recurso a credora impugnante, E..., Ldª, requerendo a sua improcedência e a manutenção da decisão recorrida.
Formulou as seguintes conclusões:
1. A Recorrente não cumpriu com nenhum dos requisitos previstos no artigo 640.º, n.º 1, do CPC. Com efeito, não vem identificado pela Recorrente um único facto da matéria de facto dada como provada (pg. 2 e seguintes da sentença) que devesse ter sido dado como não provado, nem foram indicados quaisquer meios probatórios a produzir e que impusessem outra decisão quanto à matéria de facto.
2. Pelo que, não se pode considerar que tenha apresentado recurso sobre a matéria de facto, ainda que proceda a um pedido de ampliação da matéria de facto em termos muito genéricos e nada concretizados.
3. Pelo que, todos os factos alegados pela recorrente nas páginas 6 a 27 das alegações de recurso não podem ser dados como provados, por falta de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sem prejuízo, claro está de serem falsos, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
4. O tribunal a quo apreciou a matéria alegada pelo Administrador de Insolvência. Porém, considerou o tribunal a quo que a matéria alegada e a prova junta pelo Administrador de Insolvência não provavam os factos alegados, nos seguintes termos (pg. 5, da sentença): “Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão, não tendo ficado demonstrado designadamente que o crédito foi criado de forma artificial, constituindo uma verdadeira ficção, que as obras foram realizadas com o objetivo de justificar a emissão das faturas, que a ação supra identificada não foi contestada deliberadamente.” e que “No que à decisão negativa, a mesma resultou da circunstância de a prova oferecida se ter revelado insuficiente para o Tribunal concluir com a necessária segurança que os factos ocorreram como alegado. Pois, com efeito, a documentação junta pelo Sr. Administrador e demais documentos admitidos nos autos não comprovam as alegadas circunstâncias e motivações das partes na celebração do contrato. Pelo que, na ausência de outros elementos de prova, dúvidas não teve o Tribunal em decidir como consignado.
5. Ou seja, o tribunal a quo deu a matéria alegada pelo Administrador de Insolvência como não provada (cf. página 5), tendo justificado na sentença a respetiva decisão.
6. Pelo que, o Tribunal recorrido não violou o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
7. Não houve qualquer aplicação do efeito cominatório pleno previsto no artigo 131.º, n.º 3, do CIRE.
8. O tribunal analisou toda a factualidade alegada pelo Administrador de Insolvência, tendo apenas concluído que a mesma não se encontrava provada.
9. Assim sendo, nunca se poderia falar em qualquer efeito cominatório previsto no artigo 131.º, n.º 3, do CIRE.
10. Sendo que, se este artigo não foi aplicado, qualquer questão que suscite a respetiva inconstitucionalidade afigura-se completamente inútil e desprovida de sentido.
11. Pelo que, o Tribunal recorrido não violou o disposto no artigo 131.º, n.º 3, do CIRE, nem os artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e n.º 3, 20.º, n.º 4, e 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que nem aquele aplicou.
12. Não é sobre a Recorrida que impende o ónus de provar que o invocado pelo Administrador de Insolvência não correspondia à verdade. Com efeito, é ao Administrador de Insolvência que cabe provar a verificação dos factos que presidiram ao não reconhecimento do crédito reclamado pela Recorrida.
15. O Ministério Público respondeu ao recurso. Alegou que a sentença não merece reparo e deve ser mantida, e formulou as seguintes conclusões:
I - Antes da prolação da sentença que ora nos ocupa, por despacho datado de 08.03.23, a M.mª Juiz solicitou ao AI que esclarecesse qual a natureza do privilégio reconhecido à AT, por forma a aferir se este gozava de privilégio imobiliário ou apenas mobiliário, solicitando cópia da reclamação de créditos apresentada pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional.
II - O AI juntou cópia da reclamação de créditos intentada pelo Ministério Público, juntamente com a certidão tributária de dívidas, na qual constam a indicação dos períodos de constituição ou de vencimento dos impostos, tal como consta a descrição do prédio urbano sobre o qual recaiu o tributo de IMI, bem como a discriminação dos demais impostos e respectivos privilégios sobre o bem imóvel apreendido e valores que integram a massa.
III - Encontrando-se reconhecidos com valor de sentença os créditos da AT constantes da lista de credores por decisão parcial proferida em 26.11.18, e face à inexistência de impugnações e de erro manifesto, a M.mª Juiz verificou os créditos, homologando-os e, após, procedeu à graduação dos mesmos, tal como preceituado nos artigos 130.º, n.º 3, 131.º e 136.º, n.º 4, todos do CIRE, pelo que inexiste qualquer erro na interpretação do n.º 3 do artigo 130.º do CIRE.
IV - A M.mª Juiz encontrava – se em condições de proceder à graduação dos créditos reconhecidos à Fazenda Nacional, visto que estava na posse de elementos quanto aos valores, natureza, discriminação de impostos e privilégios destes sobre os bens imóveis apreendidos e valores que integram a massa, inexistindo a nulidade prevista na alínea d) do artigo 615.º do C.P.C.
16. A credora impugnante, E...Ldª, mais apresentou recurso da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Na Reclamação de créditos inicial da Recorrente, esta reclamou a quantia de € 1.817.044,50, acrescido de juros que se vencerem até efetivo e integral pagamento.
2. Tal crédito não foi reconhecido pelo Administrador de Insolvência, o que determinou a impugnação da lista de credores reconhecidos.
3. A referida impugnação foi julgada totalmente procedente.
4. O Tribunal recorrido graduou o crédito reclamado pela A., no valor de € 1.817.044,50, mas não graduou o crédito reclamado respeitante aos juros.
5. O que determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, o que se alega para os devidos efeitos legais.
6. Pelo que, o Tribunal recorrido violou o disposto no(s) artigo(s) 140.º, n.º 1, do CIRE, com a consequência prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
17. Mais recorreu a credora P…Investimentos Imobiliários, SA requerendo seja “dado provimento ao recurso interposto pela aqui Recorrente, revogando-se a decisão recorrida por violação dos princípios do inquisitório e da busca da verdade material, conjugada com a omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, geradora de nulidade.”
Formulou as seguintes conclusões:
I. Andou mal o tribunal a quo na ponderação e valoração da matéria de facto e de direito, porquanto proferiu uma decisão que, alcançando as últimas consequências legais, incontornável e inevitavelmente, atentará contra o princípio da causalidade, da vantagem ou proveito processual, da confiança e da segurança jurídicas;
II. O Tribunal a quo determinou que a sentença proferida na ação que reconheceu o crédito da sociedade E..., Ldª e respetivo direito de retenção é título bastante para dar como assente a posição reclamada por esta credora, por julgar verificada a exceção de caso julgado – o que, com o devido respeito, não pode a Credor conceber;
III. O Administrador de Insolvência e, bem assim, a Massa Insolvente responderam à impugnação apresentada pela sociedade E..., em defesa dos seus interesses, que consubstanciam também os interesses dos Credores Reclamantes, entre os quais a aqui Recorrente, enquanto credor hipotecário;
IV. A devedora e a Massa Insolvente são entidades juridicamente distintas e não se confundem, razão pela qual a exceção de caso julgado não se poderá verificar no caso concreto atendendo a que a Massa Insolvente não participou na ação declarativa em que foi reconhecido o direito de retenção da sociedade E..., não existindo, portanto, identidade subjetiva;
V. Por se tratarem de entidades juridicamente diferentes e independentes, a aqui Massa Insolvente contestou os factos vertidos na impugnação apresentada pela E..., por contraposição à revelia verificada da Ré Sociedade…Imobiliária, Ldª, não existindo identidade situacional e objetiva entre ambas as causas, o que afasta de igual modo a teoria de verificação da exceção de caso julgado;
VI. Ainda que assim não se entendesse, a sentença não tem eficácia erga omnes e como tal a ora Recorrente não poderá será abrangida pela exceção de caso julgado;
VII A Recorrente, na qualidade de credora hipotecária, é um terceiro juridicamente prejudicado, titular de uma relação jurídica independente e incompatível com a das partes definida pela sentença (E... e Sociedade…Imobiliária, Ldª), sofrendo não só um prejuízo económico, mas também efetivo prejuízo jurídico, uma vez que a declaração de existência daquele direito de retenção coloca o credor que dele beneficia numa posição de preferência, na ordem de pagamento;
VIII. Acresce que, o facto de existir sentença prévia reconhecendo o direito da sociedade E... (resultado de não ter tido contraparte da acção em questão), não pode dispensar este credor reclamante de comprovar que se encontram verificados os requisitos legais para o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel sub judice – sendo certo que, in casu, tal não se verificou;
IX. Tanto assim é que da própria sentença ora em crise não resulta dos factos provados as efetivas obras feitas, que despesas foram daquelas decorrentes, o nexo causal entre ambos, nem a obra final perpetrada no terreno para construção apreendido para a Massa Insolvente.
X. A veracidade de factos e documentos carreados nos autos foi colocada em crise e impugnada tanto pela Massa Insolvente como por Credores, tendo suscitado dúvida razoável quanto à licitude e boa-fé na geração da despesa – situação que importaria ter sido analisada e objeto de discussão uma vez que poderiam levar à exclusão do direito de retenção ao abrigo da alínea b) do artigo 756.º CPC.
XI.O princípio do inquisitório e da busca da verdade material exige que o tribunal atue de forma ativa, promovendo as diligências necessárias para o apuramento dos factos relevantes para o litígio, o que não sucedeu;
XII. Não se verificando a exceção de caso julgado e sendo manifesta a controvérsia factual suscitada quanto à veracidade dos factos alegados pela sociedade E... e as impugnações apresentadas, exigir-se-ia ao Tribunal a quo uma análise mais exaustiva, designadamente em sede de audiência de discussão e julgamento – o que não se verificou
XIII. A sentença de verificação e graduação de créditos não só é nula por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC; como foi proferida sem observância dos princípios do inquisitório e da busca da verdade material.
XIV. A decisão recorrida merece censura por parte do douto tribunal ad quem, devendo, por isso, ser substituída por outra que melhor tutele a questão jurídica sub judice.
18. Respondeu ao recurso da credora P…Investimentos Imobiliários, SA a credora impugnante É…, Ldª, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida.
Formulou as seguintes conclusões:
1. O recurso afigura-se manifestamente extemporâneo, o que se invoca para os devidos efeitos legais, não devendo ser admitido.
2. Não há qualquer disposição legal que atribua, ao Administrador de Insolvência, poderes de representação dos credores da Massa.
3. Sem prejuízo de a Massa Insolvente e a Insolvente serem entidades distintas, os direitos que se integram na Massa Insolvente provêm exclusivamente da esfera jurídica da própria Insolvente.
4. Ou seja, os direitos que integram a Massa são os mesmos que integravam a Insolvente.
5. Pelo que, a Massa Insolvente não se pode considerar apenas um terceiro juridicamente interessado em relação à sentença proferida no âmbito do processo n.º 526/14.9TVLSB.
6. O direito de retenção é oponível erga omnes.
7. Nesse sentido já decidiram os acórdãos do STJ proferidos no âmbito do processo n.º 662/09.3TVPRT.P1.S1, de 14-12-2016; processo n.º 6906/11.4YYLSB-A.L1.S2, de 24-10-2019 e processo n.º 1775/11.7TBOLH.E1.S1, de 12-03-2015.
8. O que a Jurisprudência também tem entendido – nesse sentido, o acórdão do STJ proferido no âmbito do processo n.º 6906/11.4YYLSB-A.L1.S2, é que “o credor hipotecário pode impugnar o direito de retenção reconhecido em sentença proferida em ação declarativa em que não interveio.”
9. Ou seja, o direito de retenção reconhecido por sentença é oponível erga omnes, podendo, no entanto, ser impugnado pelo credor hipotecário.
10. Porém, caso o credor hipotecário não impugne o direito de retenção, o mesmo continua a ser-lhe oponível.
11. Sucede que, o credor hipotecário (Recorrente) não impugnou o direito de retenção da Recorrida.
12. Sendo que, caso o credor hipotecário pretenda impugnar o direito de retenção da Recorrida, é sobre ele que impende o ónus probatório de provar que não se verificam os pressupostos do direito de retenção, ao contrário do que parece ser o entendimento da Recorrente, de acordo com os artigos 20.º a 24.º, das alegações.
13. Com efeito, nos presentes autos, e uma vez que não houve qualquer impugnação do direito de retenção, por parte da Recorrente, o direito de retenção reconhecido por sentença é oponível aos credores e à Massa Insolvente, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º´s 1 e 3, do CIRE.
14. O tribunal a quo analisou a prova apresentada e concluiu que não se provaram os factos alegados pelo Administrador de Insolvência e demais credores.
15. Assim, não é verdade que tenha havido qualquer omissão de pronúncia ou violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
19. O tribunal a quo admitiu os recursos interpostos pela credora A., S.L. e pela credora impugnante E..., Ldª.
20. Cumprido o contraditório, o tribunal recorrido concluiu que a notificação da sentença à credora recorrente P…Investimentos Imobiliários foi irregularmente cumprida e declarou a sua nulidade por suscetível de influir na decisão da causa nos termos do art. 195º do CPC e, nesse pressuposto, admitiu o recurso da credora P…Investimentos Imobiliários, por tempestivo.
21. Em cumprimento do art. 617º, nº1 do CPC o tribunal recorrido concluiu pela improcedência da nulidade da sentença arguida pela recorrente E..., Ldª, aduzindo em fundamento que no requerimento de impugnação à lista de créditos esta não reclamou os juros que se vencerem até efetivo e integral pagamento.
22. Por despacho da relatora foi ordenada a notificação do AI para prestação de esclarecimentos a respeito dos créditos a título de IMI reconhecidos como créditos sobre a insolvência privilegiados, no confronto com os valores a esse título pagos a título de dívidas da massa insolvente relacionados em sede de prestação de contas, ao que este respondeu esclarecendo que não existe duplicação de valores pagos e reconhecidos e que parte da despesa identificada sob o nº 11 da (conta corrente para) prestação de contas corresponde ao Adicional de IMI reclamado em 13.11.2017 pelo Ministério Publico, que foi pago em 06.08.2018 ao abrigo do art. 174º, nº 1 do CIRE e que será relevado aquando das operações de rateio final.
II – Questão prévia
Preveem os arts. 617º nº 1 e 641º do CPC que, se a nulidade da sentença for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao Juiz do processo apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, prevendo o nº 5 do art. 617º do CPC a baixa dos autos se esta apreciação se revelar indispensável.
No caso o tribunal recorrido emitiu pronúncia relativamente à nulidade da sentença arguida pela recorrente E..., mas absteve-se de a emitir relativamente à invocada por cada uma das demais recorrentes, A., SL e P…Investimentos, com fundamento, igualmente, no vício da omissão de pronúncia previsto pelo art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.  Porém, considerando os fundamentos que a suportam, a ausência de pronúncia do tribunal recorrido não obsta a que esta instância cumpra a apreciação das nulidades arguidas, dispensando a baixa do processo para o efeito por desnecessária.
III – Objeto do recurso
Nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto do processo e do conteúdo da decisão impugnada e definido pelo teor das conclusões, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, e não a criar soluções sobre temas de facto e/ou questões jurídicas que não foram objeto da decisão recorrida e que, por isso, se apresentam como novas. Acresce que, cfr. art. 5º, nº 3 do CPC, o tribunal é livre na apreciação de direito, e não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações das partes.
Em conformidade, de acordo com as alegações dos recorrentes, o objeto do presente recurso circunscreve-se à decisão de verificação do crédito de E..., Ldª e à decisão de qualificação de créditos da Autoridade Tributária como garantido e privilegiados, objeto que por referência aos fundamentos da sentença recorrida e às conclusões dos recursos se analisa nas seguintes questões:
A. Dos recursos das credora A., SL e P…Investimentos, relativamente ao crédito de E..., Ldª:
1. Se a sentença é nula por omissão e/ou por excesso de pronúncia nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC por falta de factos e de apreciação de facto e de direito dos fundamentos do crédito reclamado pela impugnante E... e da que lhe foi oposta pelo AI, ou por ter sido proferida sem a prévia instrução da mesma; arguição cuja apreciação, por referência aos fundamentos da sentença censurados pelas recorrentes e aos fundamentos da nulidade, se analisa nas seguintes questões:
a. valor jurídico-legal da sentença de reconhecimento de crédito proferida em ação comum anteriormente instaurada pela credora impugnante contra a insolvente e dos factos nela julgados provados;
b. valor e efeito processual da resposta deduzida pelo AI à impugnação à lista de créditos apresentada com fundamento em indevida exclusão de crédito (crédito por aquele não reconhecido);
c. poder-dever do tribunal diligenciar pela demonstração dos factos alegados na impugnação à lista de créditos e na resposta à impugnação, e se para esse efeito se lhe impunha prosseguir os autos para audiência de julgamento.
2. Caso não resulte prejudicado e os autos o permitam, aferir dos pressupostos da verificação dos direitos de crédito e de retenção objeto da impugnação deduzida pela credora E..., Ldª
B. Do recurso da credora A., SL:
3. Em conexão com o ponto 1.c., se a decisão de verificação do crédito do credor E..., SL resultou da aplicação do art. 131º, nº 3 do CIRE e, na positiva, se a interpretação que dele fez o tribunal recorrido é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais do acesso aos tribunais e à reserva jurisdicional dos tribunais, previstos pelos arts. 20º, nº 1 e 202º, nº 2 da CRP.
4. Se a qualificação dos créditos da Autoridade Tributária como garantido e privilegiado impõe que se proceda a ampliação da matéria de facto atinente com o montante e data dos mesmos.
C. Do recurso da credora E..., SL:
5. Se a sentença é nula por omissão de pronúncia sobre crédito da recorrente a titulo de juros ‘que se vencerem até integral pagamento, para além do crédito de €1.817.044,50 verificado pela sentença reconhecida.
IV – Fundamentação de Facto
O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
Considera-se assente por documentos, a seguinte factualidade:
I. Sociedade… Imobiliária, Lda., pessoa coletiva n° 50…., com sede na Praça…Lisboa, foi declarada insolvente por sentença de 11.10.2017, transitada em julgado.
II. Foram reconhecidos pelo administrador da insolvência os seguintes créditos
- A., S.L., no montante de € 266.719,54, crédito subordinado;
- Banco Popular de Portugal, S.A., no montante de € 12.173,82, crédito comum;
- DU, S.L., no montante de € 5.768.353,65, crédito subordinado[2];
- Fazenda Nacional, no montante de € 35.034,11 (IMI), crédito garantido, € 36.775,73, crédito privilegiado, e € 351.109,29, crédito comum;
- P…Investimentos Imobiliários, S.A., no montante de € 9.570.391,38, crédito garantido.
III. Foram considerados verificados por decisão proferida nos autos os seguintes créditos:
1) A., S.L., no montante de € 266.719,54;
2) Banco Popular de Portugal, S.A., no montante de € 12.173,82;
3) DU, S.L., no montante de€ 5.768.353,65;
4) Fazenda Nacional, no montante de € 422.919,13;
5) P…Investimentos Imobiliários, S.A., no montante de € 9.570.391,38.
IV. Os créditos titulados pelos credores A., S.L. e DU, são provenientes de suprimentos à insolvente;
V. Foi apreendido o prédio urbano, descrito na 1.a Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° …e inscrito na matriz urbana sob o artigo...
VI. O referido prédio encontrava-se inscrita à data da declaração da insolvência a favor da insolvente pela ap. 69 de 2005/09/23.
VII. Sobre o prédio, à data da declaração da insolvência, encontrava -se registado o seguinte ónus:
- hipoteca voluntária a favor do BNC - Banco Nacional de Crédito, S.A., pelo montante máximo de € 25.198.000,00 para garantia de empréstimo, com juro anual de 3,33%, cláusula penal de 4% e despesas no valor de € 800.000,00 - por ap. 70 de 2005/09/23 (transmissão a favor da C…, Lda. pela ap. 3558 de 2011/03/03; transmissão a favor da PC… S.A.R.L pela ap. 619 de 2013/12/12; transmissão a favor da P…Investimentos Imobiliários, S.A., pela ap. 181 de 2017/02/24);
VIII. A insolvente e a sociedade VFR subscreveram o acordo intitulado "Contrato de Empreitada e Exploração", datado de 25.07.2012, junto a fls. 158vs e ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
IX. No referido documento ficou a constar que em caso de incumprimento contratual, a parte faltosa indemnizaria a outra no valor de € 1.500.000,00, sem prejuízo de dano excedente, podendo ser garantido por qualquer direito até à sua satisfação integral.
X. A sociedade VFR assinou conjuntamente com a sociedade impugnante o documento intitulado "Contrato de Cessão de Créditos", datado de 11.03.2012, junto a fls. 157 e ss, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
XI. A impugnante intentou contra a insolvente ação declarativa condenatória, que correu termos na 3o Vara Cível de Lisboa sob o n.° 526/14.9TVLSB.
XII. A insolvente não contestou a referida ação.
XIII. Por sentença proferida em 07.07.2014, foi considerado provado que:
"A VFR esteve em obra desde a data mencionado no acordo referido em vi) até à entrega do prédio à impugnante, sem acesso a qualquer terceiro, onde executou os trabalhos que lhe foram adjudicados;
Em 01.12.2012, por conta do adiantamento acordado entre as partes do valor da empreitada, a VRF emitiu e enviou à insolvente, que recebeu sem devolver, a fatura n.° 114/2012, no valor de € 14.611,47, com vencimento em 21.11.2012, interpelando-a para pagamento no prazo de 20 dias.
Também por conta dos trabalhos executados pela VFR na empreitada, igualmente em 01.11.2012, a VFR emitiu e enviou à insolvente, que recebeu sem devolver, a fatura n.0 115/2012, no valor de € 74.467,17, referente ao auto de medição de outubro de 2012, com vencimento em 21.11.2012, interpelando-a para pagamento no prazo de 20 dias.
Uma vez que a insolvente não pagou, em 25.11.2012, enviou interpelação admonitória, sob pena de resolução do contrato de empreitada.
A VFR comunicou à insolvente a cessão de crédito à impugnante, solicitando-lhe que pagasse à impugnante os créditos cedidos no âmbito da empreitada.
Em 02.01.2014, a VRF entregou à impugnante o prédio referente à obra objeto do contrato, no qual a impugnante está desde então, sem acesso a qualquer terceiro."
XIV. Pela referida sentença a ação julgada procedente e declarado validamente resolvido o contrato denominado "Contrato de empreitada e exploração de…", junto como doc.1 com a p.i., e, em consequência, condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 1.500.000,000 a título de cláusula penal nos termos do referido contrato, acrescida de juros vencidos e vincendos a contar desde a citação. Mais reconheceu o direito da autora a reter a obra a que se reporta aquele contrato.
*
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão, não tendo ficado demonstrado designadamente que o crédito foi criado de forma artificial, constituindo uma verdadeira ficção, que as obras foram realizadas com o objetivo de justificar a emissão das faturas, que a ação supra identificada não foi contestada deliberadamente.
*
A decisão do Tribunal quanto à matéria objeto da impugnação resultou da análise crítica e global da prova junta aos autos, ponderadas as regras do ónus da prova vertidas nos art. 342.° e ss do Código Civil e art. 414° do Código de Processo Civil e da livre apreciação contida no art. 607.°, n° 5, do mesmo código.
Concretizando.
No que à matéria vertida nos pontos vii) a xiii) dos factos assentes, os mesmo resulta assentes tendo em conta a posição das partes e os documentos juntos a fls. 157 a 162, bem como a certidão constante de fls. 48 a 55.
Consideraram-se, ainda, os elementos constantes dos apensos de apreensão e liquidação.
No que à decisão negativa, a mesma resultou da circunstância de a prova oferecida se ter revelado insuficiente para o Tribunal concluir com a necessária segurança que os factos ocorreram como alegado. Pois, com efeito, a documentação junta pelo Sr. Administrador e demais documentos admitidos nos autos não comprovam as alegadas circunstâncias e motivações das partes na celebração do contrato. Pelo que, na ausência de outros elementos de prova, dúvidas não teve o Tribunal em decidir como consignado.
V – Fundamentos dos recursos
A. Relativamente ao crédito reconhecido à credora E...
1. Da arguida nulidade da sentença com fundamento no art 615º, nº 1, al. d) do CPC
As recorrentes A., SL e P…Investimentos imputam à decisão de verificação e graduação do crédito da impugnante E... o vício de omissão e de excesso de pronúncia com fundamento na ausência de julgamento de facto e de direito dos fundamentos da impugnação, e por ter sido proferida sem que tenha sido precedida do apuramento dos factos ao abrigo dos princípios do inquisitório e da busca da verdade material face ao teor da resposta que à mesma foi deduzida pela massa insolvente e documentos juntos aos autos, requerendo a primeira que aquela decisão seja anulada para que se proceda à ampliação da matéria de facto nos termos dos arts. 615º, nº 1, al. d) e 662º do CPC, e requerendo a segunda a sua revogação e a sua substituição “por outra que melhor tutele a questão jurídica sub iudice.”
Conforme tem vindo a ser reiteradamente reafirmado pela jurisprudência, as nulidades previstas pelo art. 615º do CPC não contendem com o mérito da decisão, não consubstanciam nem se confundem com um qualquer erro de julgamento na apreciação da matéria de facto ou na atividade silogística de aplicação do direito[3]. Antes reportam a regras de estrutura, de conteúdo ou dos limites do conhecimento do tribunal, consubstanciando defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, vícios formais da sentença ou vícios relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido a apreciação. Devem ser arguidas no âmbito das alegações de recurso, através das quais são submetidas à liminar apreciação e decisão do juiz ‘a quo’ nos termos dos arts. 617º, nº 1 e 641º do CPC e, sendo ali desatendidas, submetidas à apreciação do tribunal ad quem que, se entender que o recorrente tem razão, ou supre o vício que afeta a sentença, ou anula-a total ou parcialmente para permitir que outra seja proferida pela 1ª instância despojada desse vício. 
Prevê o art. 615º, nº 1, al. d) do CPC que É nula a sentença quando (…) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. O vício de omissão ou de excesso de pronúncia corresponde a vício de limite, por não conter ou por conter mais do que devia conter por referência à instância e ao caso delineado na ação. Vício que encontra fundamento legal positivo no art. 608º do CPC que, sob a epígrafe Questões a resolver - Ordem do julgamento, no seu nº 2 dita que O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. A referência legal a questões assume aqui um sentido amplo, no sentido de abranger as pretensões deduzidas ou os elementos integradores da causa de pedir da ação e da defesa, as concretas controvérsias centrais a dirimir, a resolução, conclusão ou solução do concreto pedido deduzido pelas partes por referência à causa de pedir que suporta a ação ou a defesa, no sentido de o objeto da sentença coincidir com o objeto do processo, tal qual como configurado pelas pretensões deduzidas pelas partes.  Nesse sentido, entre outros, acórdão do STJ de 03.10.2017: A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. A nulidade consistente na omissão de pronúncia só se verificará se o juiz não se pronunciar especificamente sobre questões invocadas pelas partes, se corresponder a silêncio total sobre questão de conhecimento obrigatório, o que não se confunde com a respetiva discussão jurídica, de determinação da norma aplicável e da sua interpretação.
Em princípio, os vícios da decisão de facto suscetíveis de gerar nulidade da sentença serão apenas os da prolação de decisão de direito sem fundamentos de facto que suportem ou integrem os respetivos pressupostos legais – cfr. art. 607º, nº 3 -, omissão de pronúncia sobre questão de facto alegada pelas partes ou, no inverso, excesso de pronúncia se abranger factos não alegados pelas partes nem passíveis de serem considerados nos termos do art. 5º, nº 2[4] do CPC (cfr. art. 608º nº2 do CPC) ou, no âmbito do processo de insolvência, nos termos do art. 11º do CIRE. Acresce que, nas palavras do acórdão do STJ de 21.09.2021[5], “Quanto aos fundamentos de facto, não é a falta de exame crítico das provas que basta para preencher aquela nulidade, tornando-se antes necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão”.
Aferir se a decisão recorrida surge sem fundamentos de facto que a suportem e se ao tribunal se impunha e omitiu o julgamento de facto e de direito dos fundamentos invocados pela credora E..., convoca o concreto (1) contexto processual em que a decisão recorrida foi proferida, (2) os fundamentos de facto e de direito em que foi suportada, e a (3) apreciação das questões que fundamentam a nulidade arguida. Assim,
(1) Do processado acima relatado resulta que a credora E... apresentou impugnação à lista de créditos com fundamento em indevida exclusão do seu crédito, que a esta impugnação foi deduzida resposta pelo AI pugnando pela manutenção do não reconhecimento daquele crédito, que a prova por cada um apresentada se limitou à junção de documentos, incluindo sentença de reconhecimento do crédito em questão proferida em ação de processo comum que a credora instaurou contra a insolvente antes de esta assim ter sido declarada, e que o tribunal recorrido dispensou a realização de audiência de julgamento e proferiu a decisão recorrida em saneador sentença.
(2) Da decisão de facto da sentença recorrida resulta que, para além do contrato de empreitada e de exploração da parque de estacionamento celebrado pela devedora e do contrato de cessão dos créditos dele emergentes à credora E... (pontos VIII a X), o tribunal mais assentou que pela sentença proferida na referida ação foram julgados provados determinados factos, que descreveu, e que por ela foi reconhecida a resolução do contrato fundamento do crédito, condenada a ré, ora insolvente, no pagamento à credora da quantia de €1,5M a título de cláusula penal acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação, e reconhecido direito de retenção sobre a obra objeto daquele contrato (pontos XIII e XIV). Elementos que descreveu como factos e que motivou no teor dos contratos juntos aos autos e na certidão da dita sentença junta a fls. 48 a 55.
Da fundamentação de direito da decisão de reconhecimento do crédito em questão consta referência e citação de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2018 sobre a extensão do caso julgado, acrescida das seguintes considerações:
“(…) a jurisprudência tem entendido que o caso julgado produz um efeito reflexo quando a ação tenha decorrido entre todos os interessados diretos (ativos e passivos) na tutela jurisdicional de determinada situação. Assim, sempre que se puder dizer que se esgotou o universo de sujeitos com legitimidade para discutir a questão, a respetiva decisão tem autoridade de caso julgado, impondo-se em qualquer outro processo em que tal questão seja pressuposto ou fundamento da decisão.
Em face do que se deixa exposto, estamos em crer que a decisão proferida no referido processo, que reconheceu o direito da reclamante, constitui título suficiente para o crédito em causa ser reconhecido nestes autos, considerando desde logo que o mesmo não foi impugnado por quem possa ser considerado terceiro prejudicado com a decisão.
Com efeito, ainda que a massa mediante o reconhecimento do referido crédito veja diminuída a sua capacidade financeira para satisfação de outros credores, a mesma não é titular de qualquer relação independente incompatível com a relação definida na sentença.
Acresce que o Sr. Administrador fundamenta a impugnação numa alegada simulação de negócio celebrado entre a requerente e a insolvente, negócio esse fora do âmbito dos poderes de resolução conferidos ao administrador judicial, donde resulta que os interesses que o mesmo possa prosseguir no desempenho das suas funções encontram-se legalmente limitados.
Nesta conformidade, não podendo o Sr. Administrador pôr em causa a vigência do acordo mediante a sua resolução a favor da massa, entende-se que também não lhe assistir qualquer direito diretamente afetado pela decisão proferida no âmbito do processo civil que reconheceu o crédito sobre a insolvência e o direito de retenção sobre o imóvel, que justifique o afastamento do efeito do caso julgado.
A situação poderia ter um tratamento diverso caso a resposta à impugnação tivesse sido apresentada pelo credor hipotecário, cujo crédito reconhecido poderá ser afetado pelo reconhecimento do direito de retenção e, por conseguinte, teria legitimidade judicial para discutir a relação definida na sentença.
Ainda que assim não se entendesse, a matéria provada não revela que a alegada ficção/simulação tenha ocorrido, pelo que perante o negócio subscrito pela insolvente sempre esta estaria obrigada a indemnizar a impugnante pelo incumprimento do contrato.
Assim, é de julgar procedente a impugnação, reconhecendo o crédito nos termos reconhecidos na sentença.
(3) Em síntese, a decisão de verificação do crédito da E... assentou nos seguintes pressupostos: oponibilidade/extensão à massa insolvente, aos credores desta e aos credores da insolvência, da força de caso julgado de sentença proferida em ação comum instaurada pela credora contra a devedora; ausência de legitimidade ou de valor ou eficácia processual da resposta deduzida pelo AI à impugnação à lista deduzida pela credora; e consideração, em sede de enquadramento jurídico, de factos julgados provados por sentença proferida naquela ação comum mas que nestes autos não foram objeto de julgamento/instrução.
Pressupostos que, adianta-se, surgem ao arrepio dos pressupostos e âmbito legal do caso julgado, e em atropelo aos princípios estruturais informadores e finalidade do processo de insolvência e procedimentos processuais por eles informados e especialmente previstos para satisfação dos interesses por ele tutelados, como urge ser o incidente de verificação e graduação de créditos regulado pelos arts. 128º e ss. do CIRE que, a par com o procedimento de apreensão de bens e de liquidação, constitui apenso natural do processo de insolvência.
a. Do valor, no processo de insolvência, do caso julgado formado por sentença proferida em ação comum anteriormente instaurada por credor contra a insolvente e dos factos por ela julgados provados
a.1. A decisão recorrida fez valer no processo de insolvência a decisão de reconhecimento de direitos de crédito e de retenção proferida no âmbito de ação comum que correu termos contra a devedora, invocando em fundamento a extensão, nestes autos, dos efeitos do caso julgado por ela formado.
Prevê o art. 619º, nº 1 do CPC que Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º. Como é sabido, o caso julgado forma-se diretamente sobre o pedido ou efeito jurídico pretendido pelo autor ou pela parte, traduz a força obrigatória da estabilidade das decisões que recaem sobre a relação controvertida objeto da ação, e tem como finalidade imediata evitar que em novo processo o juiz possa validamente apreciar e decidir, ou apreciar e decidir de modo diverso, o direito, situação ou posição jurídicas já concretamente definidas por anterior decisão, vinculando o juiz à decisão já proferida e transitada (arts. 627º, nº 1 e 628º do CPC). Visa obstar a decisões concretamente incompatíveis, quer vinculando o tribunal e as partes do processo onde foi proferida (efeito positivo), quer produzindo um efeito de preclusão definitiva de novo e ulterior conhecimento judicial sobre a mesma questão (efeito negativo). Assim, o caso julgado manifesta-se em duas vertentes ou efeitos essenciais: um, de cariz negativo – a exceção do caso julgado -, que impede que o tribunal volte a pronunciar-se sobre a concreta questão já decidida, impedindo-o de apreciar novamente o mérito da causa e de proferir nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão; outro, de cariz positivo - a autoridade ou força de caso julgado -, que tem por objeto questão ou situação em relação de prejudicialidade, conexão ou interdependência com o objeto da nova ação, e que vincula o tribunal à decisão que sobre aquela foi anteriormente proferida para obstar a decisões posteriores juridicamente incompatíveis com a primeira.
Como é sobejamente sabido, a exceção do caso julgado material é traçada pela coexistência da tríplice identidade dos elementos identificadores da relação ou situação jurídica, processual ou material, definida pela decisão: sujeitos; objeto ou pedido; e fonte, título constitutivo ou causa de pedir. Nos termos do art. 581, nº 2, 3 e 4 do CPC há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, em si mesmas ou sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; e há identidade de causa de pedir quando os factos jurídicos que fundamentam a pretensão são os mesmos. A autoridade ou o efeito externo do caso julgado exige igualmente o requisito da identidade de partes que subjaz à tutela dos princípios do contraditório e da defesa, mas pressupõe ausência de repetição de causas (seja por ausência de coincidência da causa de pedir, do pedido, ou de ambos), e a existência de uma relação de prejudicialidade ou de consunção entre os objetos das decisões em questão (quanto ao mesmo bem ou relação jurídicas, ou quanto a bens ou relações jurídicas conexas), de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão no âmbito da ulterior ação redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com aquela[6] [7]. Mas, reitera-se, a produção de um e outro efeito exigem a identidade de partes, ou seja, as partes da causa julgada não podem opor a terceiro a sentença.[8]
Para além destes efeitos, limitados inter partes, a força ou autoridade do caso julgado mais comporta o mecanismo da eficácia reflexa ou extensão do caso julgado a terceiro, limitado à faculdade de este aderir ao caso julgado alheio’ e “fazer seus os efeitos da sentença para os opor à parte contrária.”[9], traduzindo um princípio de aproveitamento do caso julgado alheio para beneficiar terceiro com o efeito favorável que dele decorra. Nesse sentido, acórdão do STJ de 12.01.2021 (subl. nosso): III. Relativamente à eficácia subjectiva do caso julgado, embora a regra geral seja a de que ele só produz efeitos em relação às partes, também se estende àqueles  que, não sendo partes, se encontrem legalmente abrangidos por via da sua eficácia directa ou reflexa, beneficiando do efeito favorável, como sucede, designadamente, nas situações de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação indivisível, respetivamente nos termos dos artigos 522.º, 2.ª parte, 531.º, 2.ª parte, e 538.º, n.º 2, do CC.
Como expressamente resulta do que antes se expôs, o inverso – a extensão/oposição a terceiro do efeito da força do caso julgado pela parte que dele beneficiou – já não é admissível nem de admitir, o que “se justifica pela necessidade de proteger quem não se pode defender.”[10] Essa é a posição da doutrina acolhida pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2018 citado pela decisão recorrida, e que, por evidenciar a contradição em que esta incorreu, aqui novamente se transcreve: “[n]o que concerne à extensão do caso julgado (…): ii) – os terceiros juridicamente prejudicados, titulares de uma relação jurídica independente e incompatível com a das partes ( definida pela sentença), os quais não são atingidos pelo caso julgado alheio; iii) – os terceiros titulares de uma relação ou posição dependente da definida entre as partes por decisão transitada, a quem se tem reconhecido a eficácia reflexa do caso julgado; iv) – os terceiros titulares de relações paralelas à definida pelo caso julgado alheio ou com ela concorrentes, considerando-se, quanto às primeiras, que o caso julgado só se estende às partes e, quanto às segundas que, se a lei não exigir a intervenção de todos os interessados, só lhes aproveita o caso julgado favorável. (subl. nosso)
Daqui desde logo decorre o erro grosseiro em que incorreu a decisão recorrida ao reconhecer e fundamentar a procedência da impugnação da credora E... e a verificação dos direitos de crédito e de retenção dela objeto no caso julgado formado pela sentença que os reconheceu no âmbito de ação comum que para o efeito aquela instaurou contra a devedora, já que é evidente que àquela não corresponde a qualidade de terceiro, mas sim de parte, na ação onde a dita decisão foi proferida em seu exclusivo e total benefício. Circunstância que só por si imporia excluir a aplicação do mecanismo da extensão ou do efeito reflexo do caso julgado sobre terceiros no âmbito do procedimento para verificação e graduação de créditos por apenso a processo de insolvência.
Acresce, e de sobremaneira, novo equívoco em que assentou a decisão recorrida ao considerar que a ação decorreu “entre todos os interessados diretos (ativos e passivos) na tutela jurisdicional de determinada situação” ou que “esgotou o universo de sujeitos com legitimidade para discutir a questão”, ou que a decisão naquela proferida constitui questão “pressuposto ou fundamento da decisão” aqui a proferir sobre o crédito objeto da reclamação e da impugnação deduzidas nestes autos pela credora, ali autora, E.... Considerações que surgem ao arrepio do requisito da identidade de partes do caso julgado e da vocação universal e concursal do processo de insolvência, da qual decorre que, contrariamente ao que sucede em ação ‘singular’ instaurada contra a devedora, aquele afeta e integra o universo dos bens penhoráveis do devedor enquanto património autónomo de afetação constituído pela declaração da insolvência  - que a lei designa de massa insolvente -, e o universo dos credores da devedora insolvente à data da declaração da insolvência e que, especificamente no apenso de verificação e graduação de créditos, dele é parte todo e qualquer credor que como tal se apresente nos autos a reclamar os seus direitos sobre a insolvência e/ou conste inscrito na lista de créditos elaborada pelo sr. administrador da insolvência para integrar a liquidação do passivo e concorrer ao produto da liquidação do ativo da devedora. Características (e finalidade de liquidação do ativo e do passivo do devedor) das quais logo resulta arredado o requisito da identidade das partes exigido pela exceção e pela autoridade do caso julgado - que manifestamente não se verifica entre as partes de ação comum instaurada por credor contra a devedora e as partes no incidente de verificação de créditos tramitado por apenso a processo de insolvência -, e com as quais sintonizam os princípios da plenitude ou autossuficiência da instância insolvencial e da par conditio creditorum orientador do regime falimentar, que justificam os efeitos externos produzidos pelo processo de insolvência sobre os processos pendentes destinados ao reconhecimento de direitos de crédito sobre a insolvente - de extinção da instância por inutilidade da lide (cfr. art. 88º, nº 1 do CIRE e AUJ nº 1/2014 de 25.02 -, precisamente porque, uma vez declarada a insolvência, as decisões que aí fossem proferidas estavam impossibilitadas de alcançar o seu efeito útil normal. Já o inverso não sucede, como claramente resulta do disposto nos arts. 47º, nº 1, 90º, 128º, nº 5, 129º, nº 1 e 146º do CIRE, que impõem que os direitos dos credores sejam exercidos no âmbito do processo de insolvência, incluindo os que tenham o seu crédito reconhecido por decisão anterior, imposição/limitação que, precisamente, visa garantir ao conjunto e a cada um dos credores o poder de interferir na sindicância e na verificação do passivo através do apenso de reclamação, verificação e graduação de créditos e das ações de verificação ulterior de créditos.[11] Da conjugação dos arts. 128º, nº 3 e 173º do CIRE mais resulta que só os créditos submetidos ao exercício do contraditório por todos os interessados nos termos previstos pelos arts. 130º e ss. e 146º e s. do CIRE, e reconhecidos que sejam por sentença transitada em julgado proferida no âmbito do processo de insolvência (lato senso), podem ser considerados a final em sede de pagamentos. Como consta sumariado no acórdão da Relação do Porto de 04.10.2020, I – A exigência, decorrente da conjugação do disposto nos arts. 90º e 128º nº5 do CIRE, de todos os credores terem que ir ao processo de insolvência reclamar o seu crédito, tem como suporte lógico a conclusão que só desse modo se poderá formar caso julgado oponível a todos os credores do devedor insolvente que concorrem entre si para satisfazerem as suas pretensões creditórias pelas forças do património do insolvente.; E no acórdão desta Relação e secção de 20.09.2022: 4–A atividade de reclamação de créditos em processo de insolvência é consequência legal da declaração de insolvência, podendo os créditos ser reconhecidos sem sequer serem reclamados e constituindo o direito de impugnação uma manifestação do exercício do contraditório, sendo do interesse comum prosseguido pelo processo que todo o passivo seja verificado e discutido com as garantias proporcionadas pela tramitação prevista. Assim é por ser apanágio do poder jurisdicional cumprir a função que lhe assiste - de representar a adaptação da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação do Juiz, e substituindo o comando geral e abstrato da lei por um comando particular e concreto - julgando e decidindo no confronto com os titulares dos interesses concretamente envolvidos ou afetados pelo pedaço da vida levado ao procedimento judicial; sendo evidente que a medida e a preferência de pagamento reconhecida a um credor afeta a medida e até a possibilidade de pagamento dos demais que por aquele sejam preteridos para serem satisfeitos apenas pelo que sobre depois daquele satisfeito, afetando inelutavelmente o interesse que cada credor exerce e pretende satisfazer no processo de insolvência.
Termos em que, contrariamente ao considerado pela decisão recorrida, a verificação do crédito da credora E... não encontra fundamento ou suporte legal na sentença proferida na ação comum que esta instaurou contra a devedora porque esta não produz efeito vinculativo externo ou extraprocessual sobre o incidente de reclamação e verificação de créditos apenso a processo de insolvência, o que permite que neste as questões ali apreciadas e decididas possam ser apreciadas e decididas em termos distintos.
a.2. Da mesma forma que não é legalmente admissível fundamentar a decisão de verificação do crédito em substrato factual julgado provado por sentença proferida no âmbito daquela ação comum e que com esse fundamento a decisão recorrida se limitou a ‘importar’ para os presentes autos. Para além de arredada a força de caso julgado material daquela sentença no âmbito deste processo, o caso julgado não incide sobre a decisão de facto da sentença, cujo valor, eficácia e valoração jurídicas se circunscreve ao concreto processo em que foi produzida. Efetivamente, a lei nega a autonomização da decisão de facto da sentença transitada em julgado para efeitos de aquisição do valor de caso julgado ou de meio de prova, negando eficácia extra processual ao resultado positivo do julgamento de facto operado no âmbito de outras ações[12].  Nas palavras do acórdão do STJ de 05.05.2005, proc. nº 05B691, disponível na página da dgsi, “transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.”[13]  A eficácia extra processual está legalmente prevista, mas apenas para os meios de prova produzidos no âmbito de um determinado processo e contra quem nele foi parte, nos termos previstos pelo art. 421º, nº 1[14] do CPC, e já não para o julgamento ou resultado da sua valoração. Conforme é referido no aresto citado, “Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial.”
Termos em que, contrariamente ao considerado pela decisão recorrida, a apreciação da impugnação deduzida pela credora E... não pode ser cumprida por recurso a factos para o efeito considerados assentes por corresponderem a factos julgados provados no âmbito de sentença proferida noutra ação.
a.3. Do exposto mais resulta que, contrariamente ao que a recorrente A., SL parece pressupor, a decisão recorrida não suportou a verificação do crédito de E... no efeito cominatório previsto pelo art. 131º, nº 3 do CIRE pelo que, relativamente a este, surge a despropósito a arguição da inconstitucionalidade da interpretação da referida norma pela decisão recorrida[15], cuja apreciação é prejudicada por não integrar os fundamentos que a suportam.
b. e c. Valor e efeito processual da resposta deduzida pelo AI à impugnação à lista de créditos apresentada com fundamento em indevida exclusão de crédito; poder-dever do tribunal diligenciar pela demonstração dos factos alegados na impugnação à lista de créditos e na resposta à impugnação
As questões ora em apreciação chamam à colação as especificidades processuais na tramitação do apenso de verificação e graduação de créditos regulado nos arts. 128º e ss. do CIRE, que o destacam do regime geral do processo comum declarativo e que decorrem desde logo do caráter instrumental da sentença aí proferida relativamente à finalidade do processo de insolvência acima assinalada e do facto de o procedimento iniciar em juízo com ato do administrador da insolvência.
Em síntese, os credores da insolvência devem reclamar os seus créditos dentro do prazo para o efeito fixado na sentença declaratória da insolvência (art. 128º), nos 15 dias subsequentes ao termo daquele prazo o administrador de insolvência junta aos autos lista de todos os credores por si reconhecidos e, se for o caso, dos não reconhecidos (art. 129º); nos 10 dias seguintes qualquer interessado pode impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos, ‘sob pena’ de a lista de créditos ser homologada por sentença (arts. 130º, nº 1 e 3); nos 10 dias seguintes qualquer interessado pode responder à impugnação (art. 131º, nº 1) sob pena de esta ser julgada procedente (art. 131º, nº 3). Cominações que cedem caso se verifique erro manifesto, conforme expressamente ressalvado pelo art. 130º, nº 3 do CIRE, extensível à cominações prevista pelo art. 131º, nº 3[16].
Concretizando, prevê o art. 131º, nº 1 que Pode responder a qualquer das impugnações o administrador da insolvência e qualquer interessado que assuma posição contrária, incluindo o devedor. Esta norma não permite dúvidas interpretativas sobre a legitimidade que a lei expressamente atribui e reconhece ao administrador da insolvência para exercer o contraditório em defesa dos interesses que representa, seja como representante da massa insolvente, seja como representante do interesse do universo dos credores a que aquela se destina dar satisfação[17]. Faculdade processual que - contrariamente ao que sem fundamento legal, jurisprudencial ou doutrinário foi considerado pela sentença recorrida - não se confunde, não depende, nem é limitada pelos pressupostos legais (desde logo temporais) da faculdade de resolução extra-judicial de negócio que a lei também reconhece ao AI nos termos dos arts. 120º e ss. do CIRE que, ao contrário do vício da simulação que na resposta à impugnação o AI imputou ao contrato fundamento do crédito dela objeto, pressupõe o reconhecimento pelo AI de um negócio válido e eficaz cujos efeitos são destruídos por força da declaração resolutória.
Da legitimidade expressamente reconhecida ao AI para responder à impugnação deduzida à lista de créditos decorre a relevância processual da mesma, a impor que dela sejam extraídos os devidos efeitos legais; desde logo, obstar a que a impugnação seja julgada procedente por efeito e com fundamento no art. 131º, nº 3 do CIRE, nos termos do qual A resposta deve ser apresentada (…), sob pena de a impugnação ser julgada procedente.[18]
Cominação que, ainda assim - e orientando-nos já para a questão processual essencial do recurso - depende da natureza da oposição que pela resposta é deduzida à impugnação à lista: por mera impugnação (motivada ou não) dos factos alegados na impugnação ou, aceitando-os, pela alegação de factos novos suscetíveis de conferirem enquadramento jurídico distinto aos factos alegados na impugnação e prejudicarem a produção dos efeitos a que estes tenderiam. Questão que remete para a qualificação do efeito cominatório previsto pelo art. 131º, nº 3, como pleno ou semi-pleno.
Nesta matéria a doutrina e a jurisprudência confluiu numa interpretação consensual do art. 131º, nº 3 do CIRE, através da compatibilização do âmbito por ele previsto com a regra do cominatório semi-pleno, ou seja, circunscrito apenas à confissão dos factos, e já não do pedido[19], solução que encontra arrimo no regime regra previsto pelo art. 574º, nº 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 17º do CIRE. Assim, a ausência de resposta não tem como efeito a procedência automática da impugnação, mas apenas dos fundamentos de facto por ela alegados, que se quedam assentes por acordo. Posição que encontra imediato arrimo na salvaguarda do princípio da reserva jurisdicional na realização do direito e da justiça através da composição dos conflitos de interesses de harmonia com o direito vigente, que não se compatibiliza com decisões judiciais cujo sentido seja exclusiva e positivamente determinado por efeito de osmose com a pretensão plasmada no dispositivo do petitório de um dos sujeitos do litigio. Princípio que subjaz igualmente à salvaguarda da sindicância judicial do erro manifesto da lista de créditos independentemente de impugnação que à mesma seja deduzida, nos termos previstos pelo art. 130º, nº 3[20], e que se estende à sindicância judicial do erro que resulte da impugnação independentemente de esta ser ou não objeto de resposta. Da mesma forma que, citando Acórdão da Relação do Porto de 19.05.2009, (…) a salvaguarda do “erro manifesto” (expressão que possui potencial para ser interpretada de forma mais ou menos lata) confere ao julgador poderes bastantes para fazer improceder as reclamações manifestamente desprovidas de fundamento (ainda que não impugnadas)., por maioria de razão se deverá estender tal poder ao dever de sindicar a impugnação sempre que, por referência aos termos e/ou documentos que suportam a pretensão por ela deduzida ou no confronto com outros elementos que constem do processo de insolvência (lato senso), a sua procedência conduza a resultado que os factos alegados não sustentam, continuando o juiz a ter de julgar a causa “conforme for de direito”. Nas eloquentes palavras de Catarina Serra, “Evidentemente, não basta aos credores, para serem satisfeitos, manifestarem a sua pretensão, é preciso que esta seja uma pretensão juridicamente protegida.[21], pelo que, como é salientado por Salvador da Costa a respeito do poder dever de sindicância previsto pelo art. 130º, nº 3 do CIRE, “[o] desfecho do concurso de credores deve ser o que resultar dos factos assentes e da lei aplicável (…).”[22]
Com o que se conclui e sintetiza que na ausência de impugnação, o art. 131º, nº 3 do CIRE comina o reconhecimento dos factos alegados, desde que estes não resultem contrariados entre si, pelos documentos juntos, e/ou outros elementos disponíveis nos autos, e impõe a sindicância da viabilidade e bondade jurídico-legal da impugnação através da aplicação do direito conforme aos factos. Ponto assente é prevenir e obstar ao risco de reconhecimento de pretensões desconformes ao direito – de créditos que concorrem entre si à máxima satisfação de cada um pelas forças, por regra escassas, da massa insolvente - através do exercício efetivo de uma atividade jurisdicional mínima consubstanciada no poder-dever de consideração e apreciação dos elementos disponíveis nos autos que, obviamente, incluem os aportados pela própria impugnação e pela resposta que à mesma tenha sido deduzida.
Com pertinência ao caso salienta-se que o acionamento e aplicação do referido efeito cominatório – de consideração dos factos como assentes - pressupõe precisamente a possibilidade legal de a massa insolvente e cada um dos demais interessados contraditarem a impugnação, pelo que as consequências que a lei prevê para a ausência de resposta ou pelos termos em que a mesma é deduzida apenas à inércia ou à ineficiente atuação daqueles pode imputar-se. Com efeito, contrariamente ao que vem pressuposto pelas recorrentes, as assinaladas especificidades processuais do procedimento de verificação e graduação de créditos por apenso a processo de insolvência coexistem com os efeitos preclusivos do princípio do dispositivo, dos ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos dos direitos a que cada um dos credores se arroga e da contra prova de factos suscetíveis de os infirmar, ónus que se têm em pleno funcionamento na fase dos articulados de impugnação à lista de créditos e de resposta à impugnação, na subsequente atividade de instrução para produção das provas apresentadas caso os termos do litígio com aqueles gerado assim o determinem; ainda que sem prejuízo da consideração oficiosa de tudo o que nos termos dos arts. 5º, 411º e 412º do CPC seja relevante para a sua apreciação, mas sem o âmbito do inquisitório previsto pelo art. 11º do CIRE, que está previsto apenas para o processo de insolvência (em sentido estrito), os embargos e o incidente de qualificação da insolvência porque só relativamente ao objeto destes procedimentos se compreende o inquisitório alargado (que permite ao tribunal considerar factos não alegados pelos interessados) em consideração ao interesse público na declaração da insolvência de quem se encontra nessa situação e na inibição para o exercício de determinados cargos ou funções daqueles que com culpa a criaram ou agravaram. Como é salientado no acórdão desta secção de 27.10.2020 acima citado, “[i]mporta recordar que o apenso de verificação e graduação de créditos em insolvência não se encontra abrangido pelo disposto no art. 11º do CIRE, ou seja, não vigora o princípio do inquisitório, aplicando-se, sim, nos termos do disposto no nº1 do art. 17º do CIRE a regra geral do CPC, ou seja, rege o princípio do dispositivo quanto aos factos e o princípio do inquisitório quanto às provas – cfr. art. 5º do CPC.
Assim perspetivado, o art. 131º, nº 3 do CIRE conduz a resultado equivalente ao produzido pelo não cumprimento do ónus de impugnação nos termos expressamente previstos pelo art. 574º, nº 2 do CPC, no sentido de à ausência de impugnação dos factos que constituem a causa de pedir – especificada ou considerada no conjunto da defesa – a lei fazer corresponder admissão dos factos por acordo que, como tal, impõe sejam dados por assentes na sentença nos termos do art. 607º, nº 4 do CPC enquanto efeito processual legal corolário dos princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, produzido pelo não cumprimento do ónus de impugnação, independentemente de qualquer prova, convicção ou demonstração da realidade do facto, que é prescindida no efeito legal da admissão dos factos por ausência de impugnação.
Como se vê, o ónus de impugnação tem associada a seguinte cominação: a falta de impugnação implica a admissão desses factos por acordo (confissão tácita ou ficta), o que conduzirá a que, em regra, os mesmos sejam tidos como assentes e provados nos autos.[23] Efeito que opera em sede de decisão de facto, nos termos do art. 607º, nº 4 do CPC, ao determinar que Na fundamentação da sentença, (…) o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo (…). Novamente nas palavras de A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, “Determinados meios de prova não consentem qualquer margem de apreciação, gozando de força probatória plena: confissão (arts. 354º e 358º do CC), documentos autênticos, autenticados e mesmo particulares, nos termos que estão regulados nos arts. 371º, nº 1 e 376º, nº 1, do CC, e acordo expresso ou tácito das partes (arts. 574º, nº 2 e 3 e 587, nº 1).[24] Por isso, “[a] enunciação dos temas da prova só deve contemplar a hipótese de a instrução recair sobre factos que ainda não possam ter-se como demonstrados na fase intermédia do processo (excluídos estão os factos admitidos por acordo, em virtude de falta de impugnação, os confessados, e os provados por documentos).[25] Finalmente, é pacífico que a admissão por acordo (assim como a confissão e os meios de prova) incide sobre factos e não sobre matéria de direito, e que cabe ao juiz proceder à determinação, interpretação e aplicação do Direito (cfr. art. 5º, nº 3 do CPC). Ainda que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos que integram a causa de pedir (do pedido ou da exceção) se qualifiquem como factos jurídicos - na medida em que só relevam enquanto concretizam elementos das normas aplicáveis ao caso -, nem por isso se confundem com os efeitos jurídicos que deles se impõe extrair e que ao tribunal cumpre declarar em função do resultado da aplicação do direito aos factos.
Cabe aqui abrir um parêntesis para esclarecer que à ausência de impugnação dos motivos justificativos do não reconhecimento de crédito invocados pelo AI nos termos e para os efeitos do art. 129º, nº 3 do CIRE não corresponde um qualquer efeito cominatório – de aceitação ou de confissão dos factos ali alegados[26] – precisamente, porque a lei não lhe atribuiu esse efeito, razão pela qual a impugnação pode limitar-se à alegação ou reprodução dos termos da reclamação na medida em que ao credor apenas cabe a alegação e, se for o caso, a prova dos factos constitutivos dos direitos de crédito e de garantia a que se arrogue, factos que só a partir da impugnação à lista de créditos são apresentados e submetidos à tramitação, consideração e apreciação judicial, sem prejuízo da oposição que nesta sede pode ser oportunamente oposta por qualquer interessado, incluindo o AI, através da resposta à impugnação.
Reportando ao caso temos que, apesar da resposta deduzida pelo AI, dos seu termos resulta que não impugna a realidade dos factos fundamento da impugnação à lista apresentada pela credora E..., designadamente, a alegada execução de algumas das obras objeto da prestação devida cumprir pela contra parte no contrato fundamento do crédito (de empreitada e de exploração do parque de estacionamento dela objeto), a correspetiva faturação por esta emitida a cargo da insolvente, a alegada ausência de pagamento das faturas na data do seu vencimento e depois da interpelação da insolvente para o seu cumprimento sob pena de resolução do contrato, a alegada entrega do imóvel pela insolvente à empreiteira, a alegada entrega do imóvel à impugnante no âmbito da cessão de créditos que celebrou com a empreiteira, e a alegada manutenção da impugnante no imóvel. Com efeito, na oposição que deduziu à pretensão creditória deduzida pela impugnante o AI limitou-se a impugnar os efeitos jurídicos reclamados pela impugnante opondo-lhes o vício da simulação do contrato fundamento do crédito e dos atos praticados na sua execução, e, assim, a sua nulidade por vício de vontade das declarações negociais que os formam, o que configura contestação por exceção material perentória. Neste cenário, o efeito processual reconhecido ao art. 131º, nº 3 do CIRE impõe considerar assentes os factos alegados na impugnação posto que “[o]s factos alegados na impugnação prevista no art. 131º do CIRE que não sejam contraditados na resposta ou à qual não seja apresentada resposta, consideram-se admitidos por acordo.[27] Assentes por acordo, os factos alegados pela impugnante ficam excluídos do thema probandum e, consequentemente, do julgamento do tribunal a realizar de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e a convicção do julgador.
Por outro lado, o AI não requereu a produção de prova pessoal; a única que requereu resume-se a prova documental, já produzida pela sua junção aos autos e subsequente submissão a contraditório. Ora, assim como não basta peticionar direitos, também não basta invocar e alegar causas impeditivas, modificativas ou extintivas dos mesmos. Num e ouro caso impõe-se a prova dos factos que as fundamentam e cuja subsunção jurídica permitam ou obstem ao reconhecimento desse direito, factos que sendo controvertidos nos autos constituem o thema probandum mas que só impõem o prosseguimento dos autos para instrução caso seja requerida e admitida prova que pela sua natureza se imponha produzir para além da fase dos articulados, como é o caso da prova pessoal, que só em audiência de julgamento é passível de ser produzida.
Conforme prevê o art. 342º, nº 1 do Código Civil (CC), recai sobre quem invoca um direito o ónus de demonstrar a realidade dos factos constitutivos do direito alegado, isto é, a realidade dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e integram a previsão da norma ou das normas materiais que suportam a pretensão que deduz. Nos termos dos arts. 346º e 347º do CC, recai sobre a parte contra a qual é invocado o direito o ónus probatório da contraprova destinada a tornar aqueles factos duvidosos ou a provar facto contrário, ou, tendo impugnado por exceção, nos termos do art. 342º, nº 2 CC cabe ao réu a prova dos factos que a fundamenta. O acionamento de cada um desses ónus dependerá da concreta atividade processual desenvolvidas pelas partes: se o autor instaura uma ação de condenação ou constitutiva cabe-lhe alegar os factos constitutivos da situação jurídica que invoca em fundamento, recaindo sobre o réu o ónus de os impugnar sob pena de serem considerados aceites/assentes por acordo; se forem impugnados, cabe ao autor o ónus probatório dos factos constitutivos e ao réu o ónus de impugnar a prova realizada pelo autor através de contraprova (art. 346º CC) ou, tratando-se de prova plena, através da prova do contrário (art. 347º CC); uma vez assentes por qualquer via os factos fundamento do direito peticionado pelo autor, o réu só pode obstar ao seu reconhecimento se alegar e provar os fundamentos de um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito. Em síntese, nas palavras de Anselmo de Castro, “No processo não se provam direitos mas apenas factos, pois a existência do direito é simples consequência dos elementos fácticos típicos da norma fundamentadora do direito; (…).”[28]; e nas palavras de Antunes Varela, “O ónus da prova passa antes a significar a situação da parte contra quem o tribunal dará como inexistente um facto, sempre que, em face dos elementos carreados para os autos (seja pela parte interessada na verificação do facto, seja pela parte contrária, seja pelo próprio tribunal), o juiz se não convença da realidade dele.[29]
Acresce reiterar que o erro passível de ser sindicado nos termos dos arts. 130º, nº 3 e 131º, nº 3 tem como objeto inconsistências factuais ou jurídicas manifestadas nos próprios termos da alegação do interessado ou no confronto com o documentado ou processado nos autos (em sentido lato) e que se imponham e que se imponham valorar em si mesmos, esclarecer e/ou corrigir; não pretende abranger a sindicância ou o apuramento da correspondência da factualidade alegada com a realidade, que cabe a cada interessado demonstrar, juntando ou requerendo a produção de prova que para o efeito avalie como necessária e adequada, não recaindo sobre o tribunal o dever de se substituir à parte no cumprimento desse ónus, sendo ademais sintomático que as recorrentes sequer indicam as diligências instrutórias que o tribunal deveria ter ordenado e não ordenou para prova dos fundamentos da resposta. Ponto assente é prevenir e obstar ao risco de reconhecimento de pretensões desconformes ao direito – de créditos que concorrem entre si à máxima satisfação de cada um pelas forças, por regra escassas, da massa insolvente - através do exercício efetivo de uma atividade jurisdicional mínima consubstanciada no poder-dever de consideração e apreciação dos elementos disponíveis nos autos que, obviamente, incluem os aportados pela própria impugnação e pela resposta que à mesma tenha sido deduzida.
Extraindo ao caso os efeitos da apreciação até aqui realizada, por referência ao que acima se equacionou estamos agora em condições de concluir que:
- Não se impunha ao tribunal proceder ao julgamento de facto dos fundamentos invocados pela credora E... na medida em que resultaram assentes por acordo por não terem sido impugnados na resposta do AI e, por isso, não constitui matéria de facto controvertida;
- Com o reconhecimento, no âmbito destes autos, da produção de força de caso julgado da sentença proferida na ação 526/14 e dos factos por ela julgados provados, a decisão de verificação do crédito da impugnante surge fundamentada de facto e de direito nesses pressupostos que, pela sua natureza, dispensaram o tribunal recorrido de proceder ao enquadramento jurídico da questão objeto da impugnação através da determinação e da aplicação do direito aos factos, atividade que quedou prejudicada pela consideração da autoridade do caso julgado;
- Não se impunha ao tribunal realizar audiência de julgamento nem ordenar diligências probatórias que não foram requeridas - ou que não foram admitidas por despacho que não foi objeto de recurso - para demonstração dos factos alegados na resposta, sendo que na valoração que fez da prova (documental) produzida nos autos o tribunal julgou-a insuficiente e pronunciou-se sobre os factos relevantes ali alegados, julgando-os não provados.
Com o que se conclui que a decisão recorrida não padece de vício de excesso de pronúncia porque os autos reuniam condições para ser proferida na fase processual em que o foi (por não se impor o seu prosseguimento para produção de prova); e não padece de vício de omissão de pronúncia porque emitiu juízo de facto sobre os factos alegados na resposta, solucionou e decidiu a impugnação à lista de créditos e o pedido por ela deduzido, e suportou a decisão em fundamento jurídico (caso julgado) que prejudicou o julgamento de direito dos factos alegados na impugnação, sendo que a incorreção desse fundamento corresponde a erro de julgamento de direito e não a um qualquer vício formal ou estrutural da sentença.
1.2. Sem prejuízo da improcedência da nulidade da sentença arguida, de todo o que se expôs resulta a parcial procedência dos seus fundamentos, atinentes com a invocada inoponibilidade do caso julgado produzido pela sentença da ação 526/14 e, desta, a insuficiência da decisão recorrida quer em sede de fundamentação de facto quer de direito, que à Relação se impõe sanar: a primeira, nos termos do art. 662º, nº 1[30] do CPC que, por não estar dependente de produção de prova, não implica a anulação da sentença recorrida nos termos e para os efeitos do nº 2, al. c)[31] do art. 662º do CPC na medida em que aquela se circunscreve à consideração dos factos alegados na impugnação à lista deduzida pela credora E... e assentes por acordo nos termos do art. 131º, nº 3 do CIRE e 574º, nº 2 do CPC, e aos que com igual relevo resultem dos documentos juntos e admitidos nos autos[32]; a segunda, por força da regra da substituição do tribunal a quo pela Relação nos termos previstos pelo art. 665º, nº 2 do CPC, que no caso se impõe cumprir mediante a subsunção dos factos assentes ao direito aplicável.
Acrescem modificações da decisão de facto para eliminar vícios de direito que devem ser oficiosamente sindicados e solucionados de imediato pela Relação[33], como ocorre com a descrição de vicissitudes e de factos julgados provados na ação comum nº 526/14.9TVLSB como tal conduzidos aos pontos XI a XIV, que cumpre expurgar dos factos assentes por irrelevantes ou  inatendíveis na decisão de verificação e graduação de créditos que nestes autos cumpre proferir; e com a referência a facto por remissão para documento sem que do mesmo sejam extraídos e descritos os elementos que relavam à decisão, posto que a mera remissão prejudica o que deveria ser o princípio da suficiência da peça processual sentença para imediato conhecimento e compreensão dos seus fundamentos, que deveria bastar-se com a leitura do respetivo teor, incluindo a descrição de toda a matéria de facto considerada na sua fundamentação, sem necessidade de apelar à consulta e leitura de outras peças processuais para integração da materialidade fáctica por ela considerada relevante. Enquadram nesta incorreção os pontos VIII e X da decisão de facto, que se limitam a identificar os outorgantes dos contratos fundamento da impugnação e a designação que aos mesmos foi dado, omitindo a descrição das prestações/obrigações por ele cada uma das partes se obrigou que, obviamente, releva na apreciação do crédito reclamado com fundamento no seu incumprimento.
Esclarece-se que não se procede à descrição dos factos societários que o AI alegou e documentou na resposta à impugnação por irrelevantes para o conhecimento de mérito, incluindo para a qualificação do crédito da impugnante, resultando claro que, no contexto da oposição deduzida na resposta, surgem como factos instrumentalmente alegados para demonstração de factos essenciais constitutivos da exceção material perentória por ela deduzida, a saber, a alegada divergência entre as declarações negociais emitidas no contrato fundamento do crédito e a vontade real das contratantes, e o alegado conluio entre os respetivos legais representantes quanto ao real propósito daqueles contratos e das obras que a empreiteira executou. Efetivamente, a determinação da vontade real dos declarantes constitui matéria de facto que, por regra, não é passível de prova direta já que a maioria das vezes resultará de prova por presunção, sendo que os factos societários alegados pelo AI revelam-se claramente insuficientes para o efeito, por si só e mesmo que em conjugação com os procedimentos judiciais identificados na resposta e respetivas vicissitudes, confirmando-se nessa parte o julgamento de não provado emitido pelo tribunal recorrido quanto à alegada divergência bilateral entre a vontade real e a vontade declarada nos contratos fundamento do crédito e o acordo ou conluio entre os declarantes nesse sentido com o intuito de enganar terceiros, no caso, os credores da insolvente.
1.3. Em conformidade, reescreve-se o teor do ponto VIII por recurso ao documento para o qual remete, nele integrando o teor da cláusula penal descrita sob o ponto IX; elimina-se da decisão de facto da sentença recorrida o teor dos pontos XI a XIV referentes ao processo nº 526/14 e, por referência ao alegado na impugnação dos recorrentes e ao que da resposta resulta documentado nos autos, procede-se à sua ampliação para aditamento dos factos que passam a constar sob os pontos IX a XIII, XV e XVI; e, por questão de ordenação lógica e cronológica dos factos, insere-se a final a referência e descrição dos elementos essenciais do contrato de cessão de créditos, que passará a constar sob o ponto XIV.
Assim, aos pontos I a VII descritos na sentença recorrida aditam-se os pontos VIII a XVI com a seguinte redação:
VIII. A insolvente, na qualidade de adjudicante, e a sociedade VFR, na qualidade de adjudicatária subscreveram o acordo intitulado "Contrato de Empreitada e Exploração" datado de 25.07.2012, pelo qual declararam que o contrato se desenvolverá no lote de terreno para construção correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº 7951 designado por Lote 3, e mais declararam o seguinte:
1. Objeto do contrato
1.1. O presente contrato tem por objecto a execução e conclusão pela entidade adjudicatária de todos os trabalhos definidos (…) no anexo I ao presente contrato, bem como a posterior exploração da Obra construída.
(…)
2. Preço e condições de pagamento
2.1. O preço do contrato é de €237.584,68 (…) ao qual acresce o IVA à taxa legal em vigor, e que será pago pela Entidade Adjudicante à Entidade Adjudicatária da seguinte forma:
a) Até ao valor de €137.584,68 (…) em parcelas mensais, 20 (vinte) dias após data de emissão da fatura pela Entidade Adjudicatária referente aos trabalhos efectuados no mês imediatamente anterior, sendo os autos elaborados até ao dia 25 (…) de cada mês;
b) O remanescente do preço previsto no nº 1, ou seja, a quantia de €100.000,00 (…) por compensação com o valor a pagar à Entidade Adjudicante pela Entidade Adjudicatária pela exploração que esta irá efectuar do Parque de Estacionamento a construir, nos termos da cláusula 7 infra.
2.2. A pedido da Entidade Adjudicatária, a Entidade Adjudicante poderá conceder-lhe adiantamentos do preço, até ao limite estipulado em 2.2. supra, mediante a prestação de garantia bancária de valor igual ao adiantamento.
(…)
4.1. A Entidade Adjudicatária obriga-se a executar todos os trabalhos objecto da Empreitada no prazo limite de 180 dias a contar da data da conclusão da consignação total ou da primeira consignação parcial ou ainda da data em que a Entidade Adjudicante comunique à Entidade Adjudicatária a aprovação do desenvolvimento do plano de segurança e saúde, caso esta ultima data seja posterior.
(…)
7. Exploração
7.1. A contar da data da Recepção Provisória da Empreitada, a Entidade Adjudicatária explorará, em regime de exclusividade, a Obra construída pelo prazo de 20 anos prorrogável por acordo escrito das partes.
7.2. (…)
7.3. Pela exploração da Obra, a entidade adjudicatária pagará anualmente à entidade adjudicante a quantia de €20.000,00 (…) a título de renda, valor a que acrescerá o IVA à taxa legal em vigor.
7.4. O valor referido no numero anterior é fixado com base numa estimativa de uma média anual de receitas da exploração, nos primeiros anos cinco anos, de €120.000,00 (cento e vinte mil euros).
(…)
8. Cláusula Penal
8.1. A parte que, sem justa causa, incumprir as obrigações que lhe estão adstritas o Contrato, ou violar ou impedir a concretização de uma das suas disposições, indemnizará a outra parte no valor de €1.500.000,00 (…).
8.2. A indemnização referida no numero anterior não impede que a Parte lesada exija à lesante uma indemnização pelo dano excedente.
8.3. O disposto nos números anteriores não obsta a que a parte incumpridora deve ainda pagar à lesada uma multa pecuniária diária de 500,00€, desde o termo do prazo em que a obrigação em falta deveria ter sido integralmente cumprida até ao cumprimento dessa obrigação ou ao incumprimento definitivo.
8.4. O pagamento das cláusulas penais é garantido pelo exercício de qualquer direito legal ou contratual conferido às partes, para além das demais garantias do cumprimento das obrigações contratualmente previstas, até satisfação integral de todos os seus direitos.
(…)
11. Disposições Finais
11.1. O contrato é composto pelos seguintes anexos, que dele fazem parte integrante para todos os efeitos legais e contratuais:
a) Anexo I – Projeto de execução;
b) Anexo II – Business Plan;
c) Anexo III – Plano de Segurança e Saúde.
(…)
IX. A insolvente consignou a obra à VFR no dia 02.08.2012, na qual esta se manteve até à entrega do prédio à impugnante E..., sem acesso a qualquer terceiro, onde executou trabalhos que lhe foram adjudicados (art. 7º da impugnação)
X. Em 01.12.2012, por conta do adiantamento acordado entre as partes do valor da empreitada, a VRF emitiu e enviou à insolvente, que recebeu sem devolver, a fatura n.° 114/2012, no valor de € 14.611,47, com vencimento em 21.11.2012, interpelando-a para pagamento no prazo de 20 dias. (art. 8º da impugnação)
XI. Também por conta dos trabalhos executados pela VFR na empreitada, igualmente em 01.11.2012, a VFR emitiu e enviou à insolvente, que recebeu sem devolver, a fatura n.0 115/2012, no valor de € 74.467,17, referente ao auto de medição de outubro de 2012, com vencimento em 21.11.2012, interpelando-a para pagamento no prazo de 20 dias. (art. 9º da impugnação)
XII. Na ausência de pagamento, em 25.11.2012 a VFR enviou interpelação admonitória, em 5 dias, sob pena de resolução do contrato de empreitada. (art. 10º da impugnação)
XIII. Continuando a insolvente sem pagar à VFR aquelas facturas, em 04.12.2012 comunicou-lhe a resolução do contrato de empreitada, interpelou-a para pagar as facturas e o valor da cláusula penal de €1.500.000,00, e comunicou-lhe, ainda, a retenção da obra consignada, até efetivo e integral pagamento de todos os valores devidos, quer por conta da execução dos trabalhos realizados na empreitada, quer por conta dos danos decorrentes da resolução do contrato.
XIV. A sociedade VFR assinou conjuntamente com a sociedade impugnante do documento intitulado "Contrato de Cessão de Créditos", datado de 11.03.2012, pelo qual a primeira declarou ceder à segunda “todos os créditos presente e futuros, incluindo indemnizações, garantias, acessórios e juros de mora, de que é ou venha a ser titular sobre a insolvente, no âmbito da execução da empreitada e exploração de parque de estacionamento” objeto do contrato descrito em VIII, mais constando desse contrato que “Sem prejuízo da cessão de créditos, a Cessionária tem conhecimento que, na presente data, a Cedente e a Sociedade...Imobiliária, Ldª ainda estão a concluir as negociações, designadamente, quanto ao preço atinentes à celebração do contrato de empreitada referido no nº 1.” e que “A cedente entregará ainda à cessionária todos os bens e obras que esteja a executar sempre que a cessionária lho solicite para proceder à cobrança coerciva dos créditos cedidos e garantir o seu pagamento.
XV. A VFR comunicou à insolvente a cessão de créditos, solicitando-lhe que pagasse à impugnante os créditos cedidos no âmbito da empreitada. (art. 13º da impugnação)
XVI. Em 02.01.2014, a VRF entregou à impugnante o prédio referente à obra objeto do contrato, no qual a impugnante está desde então, sem acesso a qualquer terceiro. (art. 14º da impugnação)
*
2. Dos pressupostos da verificação do direito de crédito e do direito de retenção da credora E..., e montante por este garantido
Previamente reitera-se que, conforme supra se concluiu (ponto 1.2.), a apreciação de mérito da impugnação deduzida pela credora E… impõe-se a esta instância por força da regra da substituição do tribunal a quo prevista pelo art. 665º, nº 2 do CPC, apreciação que no caso se cumpre mediante a subsunção dos factos assentes ao direito aplicável, que o tribunal recorrido não operou por prejudicada pela (indevida) consideração do caso julgado formado pela sentença proferida na ação comum nº 526/.
2.1. Da verificação do direito de crédito
Não oferece dúvida nem é objeto de discussão o contrato de cessão de créditos que justifica a titularidade do crédito na esfera jurídica da impugnante E..., nem a qualificação dos negócios em que este se fundamenta como contrato de empreitada tendo como objeto a construção de parque de estacionamento pela cedente VFR em imóvel propriedade da insolvente, e como contrato de locação ou cessão de exploração do estabelecimento comercial objeto do contrato de empreitada à empreiteira[34].
Nos termos do art. 1207º do CC “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”. Trata-se de contrato oneroso sinalagmático na medida em que dele emerge a obrigação de realizar uma obra a cargo do empreiteiro, que tem como contrapartida o dever de pagar o preço a cargo do dono da obra; comutativo porque as vantagens patrimoniais que dele emergem são conhecidas para ambas as partes no momento da celebração; e consensual, na medida em que a validade das declarações negociais que o integram ou constituem não depende de qualquer forma especial. O art. 1109º, nº 1 do CC define locação de estabelecimento como [a] transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, (…). Trata-se igualmente de um contrato oneroso sinalagmático e comutativo que a lei sujeita a forma escrita (cfr. art. 1069º do CC), do qual emerge a obrigação de facultar a fruição do estabelecimento a cargo do locador e a obrigação de pagamento da renda a cargo do locatário.
Independentemente da questão da qualificação das declarações negociais de cessão da exploração do parque como contrato promessa ou como declarações negociais com eficácia condicionada à verificação de um acontecimento futuro – a construção do parque[35] -, que não releva para a economia do presente recurso, com relevância importa reter que, não obstante a união cronológica e formal daqueles contratos por celebrados na mesma data e no mesmo suporte documental, correspondem a uma pluralidade de contratos na medida em que cada um deles conserva a sua individualidade e respetivas características ou efeitos legais típicos, que não sofrem alteração pelo facto de as partes terem acordado o pagamento de parte do preço da empreitada devido pela insolvente por compensação com o futuro crédito sobre a cessionária/locatária a título de rendas por esta devidas no âmbito da execução do segundo, cláusula (acessória) que não contende com a definição das prestações e contraprestações por cada um devidas – ou seja, com os efeitos essenciais do contrato -, mas apenas com os termos em que perspetivam parte do cumprimento de uma delas. Não se trata de um contrato misto porque não existe uma fusão ou conjugação dos elementos típicos de cada um daqueles contratos, no sentido de formarem um complexo unitário de direitos e obrigações numa relação unitária de composição de interesses em recíproca interdependência, em suma, por não existir uma unidade contratual[36]. Acresce que os seus termos também não permitem concluir que as partes não teriam celebrado o contrato de empreitada para construção do parque de estacionamento sem a celebração do contrato (ou a promessa) de cessão de exploração do mesmo, sendo que o inverso se impõe pela natureza das coisas. Com efeito, para além das condições de pagamento de parte do preço da empreitada, o único vínculo entre um e outro contrato é unidirecional ou unilateral, e traduz-se na dependência do contrato de cessão de exploração em relação ao contrato de empreitada na medida em que, naturalisticamente, incidem sobre o mesmo objeto – parque de estacionamento –, cuja existência depende do prévio cumprimento do contrato de empreitada ou, mais rigorosamente, da construção ou implementação da obra dele objeto. Para além dessa relação de dependência ôntica – que se manifesta e traduz na inequívoca condição ou natural subordinação da celebração ou da execução do contrato de cessão de exploração do parque de estacionamento à execução do contrato de empreitada –, no demais os direitos e obrigações emergentes de cada contrato permanecem independentes dos direitos e obrigações que emergem do outro, máxime no que respeita ao contrato de empreitada, com aptidão para produzir os respetivos efeitos típicos independentemente dos deveres e direitos gerados pelo contrato (ou promessa de contrato) de cessão de exploração, designadamente, o direito e correspetivo dever de pagamento do preço da obra na medida da sua execução pela empreiteira -, e, por isso, sujeitos ao regime legal especialmente previsto para cada um deles[37].
Apesar de invocada a simulação negocial, não foram demonstrados factos que permitam equacionar a invalidade das declarações negociais, pelo que a apreciação restringe-se aos pressupostos e efeitos da cláusula penal prevista naqueles contratos, na qual a credora E... fundamenta o crédito objeto da impugnação.
Recordando os factos alegados e assentes, deles resulta que a empreiteira executou trabalhos da empreitada e que por conta desses trabalhos e de adiantamento por ela acordado emitiu duas faturas a cargo da insolvente nos valores de € 74.467,17 e €14.611,47, que a insolvente não pagou na data do vencimento – 20 dias após a emissão e interpelação para o pagamento das faturas -, nem no prazo em que para o efeito foi novamente interpelada pela empreiteira VFR sob pena de resolução do contrato de empreitada, que esta veio a declarar e a comunicar à insolvente em 04.12.2012, interpelando-a simultaneamente para o pagamento do valor da cláusula penal de €1.500.000,00, que pela insolvente e a VFR foi contratualmente prevista nos seguintes termos: A parte que, sem justa causa, incumprir as obrigações que lhe estão adstritas o Contrato, ou violar ou impedir a concretização de uma das suas disposições, indemnizará a outra parte no valor de €1.500.000,00 (…).
A resolução consiste na possibilidade de uma das partes poder fazer cessar a relação contratual por declaração unilateral justificada em determinado facto posterior à celebração do contrato que legalmente a justifique e lhe confira o direito potestativo de a ela proceder; designadamente, a verificação da situação de mora no cumprimento e a interpelação da parte faltosa para cumprir o contrato em determinado prazo suplementar nos termos do art. 808º, nº1 do CC. Prevê o art. 433º do CC que na falta de disposição especial a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico. Assim, nos termos dos arts. 432º, nº 1 e 433º, 434º, 289º, nº 1, 801º, nº 2 e 808º do CC, ao credor não faltoso que opta pelo direito de resolver o negócio por facto imputável à contra parte assiste o direito à repetição do que prestou e à indemnização, assistindo-lhe o direito de se ver colocado na situação em que se encontraria se o contrato não houvesse sido celebrado[38], ou ressarcido dos danos que não teria sofrido se o contrato tivesse sido cumprido[39].
No domínio da liberdade contratual a lei permite que os contratantes prevejam as consequências para o incumprimento, fixando antecipadamente os direitos do credor não faltoso. Nesse sentido prevê o art. 810º, nº 1 do CC que As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.
A cláusula penal constitui o que Calvão da Silva[40] designou de meio coerção privada em ordem a prevenir o incumprimento através de pressão sobre o devedor, compelindo-o ao cumprimento para não sofrer as desvantagens das consequências já pré-determinadas e, por isso, conhecidas das partes, cumprindo simultaneamente função coercitiva e função indemnizatória, que aquele autor considerou essenciais à caracterização do instituto[41]. “[A] cláusula penal prevê antecipadamente um forfait que ressarcirá o dano resultante de eventual não cumprimento ou cumprimento inexacto, (…) dispensando ao credor a alegação e a prova do dano concreto – e é sempre exigível, desde que o inadimplemento ou cumprimento imperfeito da obrigação principal seja imputável ao devedor.[42] Entendimento que, no essencial, corresponde ao adotado pela jurisprudência[43]. Como é realçado, a cláusula penal funciona como fixação antecipada da indemnização, função que justifica a impossibilidade legal da sua cumulação com o cumprimento e a possibilidade da sua cumulação com a indemnização limitada ao dano excedente (art. 811º, nº 1 e 2 do CC). Mas funciona como meio de pressão ao cumprimento, função que justifica a limitação da redução judicial do seu montante de acordo com a equidade apenas quando se revele ‘manifestamente’ excessivo (art. 812º, nº1 e 812º, nº 3 do CC). Com efeito, a função coercitiva ou punitiva ficaria comprometida e poderia ser neutralizada se o montante da cláusula penal pudesse ser judicialmente reajustado ao valor dos danos efetivamente sofridos e indemnizáveis nos termos das regras gerais da responsabilização civil. Nas palavras de Calvão da Silva, que aqui seguimos de perto, “Se bem que a fixação do forfait revista um carácter aleatório (…), na prática é muito frequente as partes estabelecerem um quantitativo elevado de pena, nitidamente superior ao do dano provável resultante do não cumprimento da obrigação, precisamente com o fim de compelir o devedor ao cumprimento.” E continua, [p]or isso e para isso a intervenção judicial de controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait. Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for ‘extraordinária’ ou ‘manifestamente excessiva’, ainda que por causa superveniente. (…) É em função da apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má fé, que o juiz pode ou não reduzir a cláusula penal[44].
Refere-se no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que “O devedor que pretender a redução da cláusula penal com fundamento na sua excessividade manifesta, carece de alegar e provar os factos pertinentes, não sendo a questão de conhecimento oficioso pelo Tribunal.”[45] Ora, no caso não foi oportunamente requerida a redução equitativa da cláusula nem, de resto, existem elementos que a permitam valorar como manifestamente excessiva, seja quanto ao comportamento adotado pelas partes, seja quanto aos direitos e obrigações emergentes dos contratos e outras vantagens que dos mesmos poderiam obter. Como assente apenas que a insolvente incumpriu definitivamente o pagamento do valor faturado por trabalhos da empreitada que foram executados pela VFR - bastando para este efeito que se tenha por assente que a faturação respeitou à execução, ainda que parcial, da obra contratada, independentemente da concreta identificação dos trabalhos realizados e naquela considerados[46] -, e, consequentemente, o incumprimento definitivo do contrato (ou contrato promessa) de cessão da exploração do parque de estacionamento, por naturalmente condicionado à execução da obra por aquele previsto. Exploração que as partes contratantes acordaram pelo prazo de 20 anos e com uma projeção de faturação anual de €120.000,00 que, no cômputo total do contrato, corresponderia a um volume de negócios projetado em €2.400.000,00. Neste contexto, e independentemente da específica finalidade visada pelas partes – ressarcitória, compulsória, ou ambas - a cláusula penal fixada em €1,5M não pode ter-se como manifestamente excessiva ou sequer excessiva, e suporta legalmente o reconhecimento do crédito que com fundamento na mesma vem reclamado nos termos da impugnação à lista deduzida pela credora E..., à qual a empreiteira cedeu os créditos que viesse a deter sobre a insolvente.  
Termos em que se conclui pela verificação do crédito da credora E... no montante por ela peticionado na impugnação.
2.2. Do direito de retenção - crédito por ele abrangido
A impugnante mais reclama o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel no qual foi projetada a construção do parque de estacionamento objeto da empreitada, e para garantia do pagamento do crédito que lhe foi reconhecido.
Prevê o art. 754º do CC que O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
É consensualmente aceite pela doutrina e jurisprudência que o direito de retenção se traduz na faculdade de alguém poder manter em seu poder certa coisa a que está obrigado a entregar enquanto, por seu turno, não for pago de um crédito que tem sobre o titular dessa coisa resultante de despesas feitas com ela ou de danos por ela causados.
Nas palavras de Mariana Coimbra Piçarra[47], fazendo referência aos pressupostos positivos previstos pelo citado art. 754º e aos pressupostos negativos previstos pelo art. 756º do CC, “são pressupostos essenciais para o reconhecimento e validade do direito de retenção:
a) Detenção ilícita de uma coisa alheia e penhorável que deve ser entregue a outrem;
b) Titularidade do retentor de um crédito certo, exigível e liquidável sobre a pessoa com direito à entrega da coisa;
c) Conexão material e direta entre o crédito do detentor/retentor e a coisa detida/retida (entre as despesas realizadas ou os danos causados pela coisa);
d) Que a constituição do crédito não tenha resultado de despesas efetuadas de má-fé;
e) Que o credor não preste caução suficiente.
Mais prevê o art. 759º, nº 1 do CC que, «recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respectivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor» (nº 1); e o art. 761º que o «direito de retenção extingue-se pelas mesmas causas por que cessa o direito de hipoteca, e ainda pela entrega da coisa».
O direito de retenção constitui um direito (real e de eficácia[48]) real de constituição legal e, assim, uma exceção ao princípio quod effetum previsto pelo art. 408º, nº 1 do CC, na medida em que não admite a sua constituição por mero efeito de acordo ou negócio, antes está subordinada ao princípio da tipicidade dos direitos reais prevista pelo nº 1 do art. 1306º do CC: existe (apenas) nos termos definidos pelos arts. 754º a 761º do CC. Não se verificando todos os pressupostos (positivos e negativos) por estas normas previstos, conforme prevê o art. 1306º, nº 1 do CC, “toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional.” Nas palavras elucidativas de Vaz Serra, “O direito de retenção não é uma consequência natural do contrato - como o é a “exceptio” num contrato sinalagmático - mas apenas uma garantia que a lei, por considerações de equidade, dá ao credor[49]. Ou, nas palavras de Cláudia Madaleno, a retenção é originária porque é fruto do próprio contacto material do seu titular com a coisa, não resultando da atribuição de outra pessoa»[50]. Ou, ainda, nas palavras de Lebre de Freitas, O direito de retenção constitui um direito real de garantia, que, quando incide sobre coisa imóvel, tem dois pontos de regime especialmente gravosos para terceiros: a não sujeição a registo e a prevalência sobre hipoteca registada anteriormente à sua constituição. Qualquer destes efeitos justifica que não se admita a constituição do direito de retenção por negócio jurídico.[51]
 Do conceito e pressupostos legais do direito de retenção – e em coerência com a respetiva função económica, de instrumento coercitivo - deriva de forma evidente que a constituição, existência e subsistência do direito de retenção pressupõe uma atuação material, uma situação ou relação de facto do credor sobre a coisa – um corpus -, situação de facto que material e empiricamente se verifica ou não verifica, à margem de quaisquer considerações jurídicas. Sem entrar na discussão sobre a distinção da posse e da detenção, quer se entenda por uma ou por outra, a situação de facto juridicamente relevante corresponde à relação de poder, controlo ou domínio material da coisa pelo credor, que fica subordinada à sua vontade, com exclusão do poder e do controlo do respetivo dono que, por causa da detenção feita pelo credor, não a detém na sua disponibilidade fáctica. O que se compreende na medida em que, tratando-se de direito real não sujeito a registo, só a situação de facto poderá criar a aparência do direito e dar cumprimento ao requisito da publicidade que caracteriza os direitos reais e justificam a sua oponibilidade erga omnes. Conforme realçou e concluiu Oliveira de Ascensão, “não se deve supor que, quer o penhor, quer a retenção, possam subsistir para além da situação de facto que a lei tão rigidamente exige para que a garantia surgisse. (…). (…) a privação da possibilidade de disposição material da coisa pelo titular onerado pelo direito de garantia é elemento de existência deste direito[52].
Revertendo ao caso, conforme acima explicitado e consta dos factos assentes, não foi posta em causa a detenção do imóvel pela credora E... na sequência da sua entrega pela insolvente à empreiteira VFR para execução da obra objeto do contrato de empreitada que com ela celebrou e, desta, para a credora impugnante no âmbito da cessão de créditos entre ambas celebrado tendo por objeto os créditos emergentes daquele contrato. Alegada e assente a manutenção exclusiva da sociedade VFR e, sucessivamente, da credora E... no prédio da insolvente objeto da intervenção projetada pelo contrato de empreitada (cfr. factos IX e XVI), impõe-se concluir que, pelo menos até à sua apreensão para a massa insolvente, este manteve-se no domínio ou disponibilidade material da credora, em substituição e com exclusão do domínio ou disponibilidade material da insolvente, sua proprietária.
Também não vem posta em causa a possibilidade legal de constituição de direito de retenção sobre a obra em benefício do empreiteiro no âmbito de um contrato de empreitada, que atualmente é consensual ou, pelo menos, maioritariamente aceite pela doutrina e jurisprudência[53]. Questão que não se confunde nem prescinde da verificação da relação de conexão entre a coisa sobre a qual é reclamado o reconhecimento do direito de retenção e o crédito que por ele se pretende garantido que, como se referiu, deve resultar de despesas ou de danos por elas causados. Conforme se refere no ac. da RG de 30.01.2017, Não basta, pois, «a simples existência de um crédito a favor do detentor, nem sequer que esse crédito se relacione de uma forma ou de outra com a coisa detida»: é «imperioso que a dívida, cujo cumprimento se procura garantir com o direito de retenção, tenha tido origem na própria coisa (…).//(…) Já com dificuldade se admite que o direito de retenção do empreiteiro possa abranger o pagamento de indemnização derivada do incumprimento de outros deveres contratuais do dono da obra, uma vez que não se trata directamente de danos causados pela coisa.
Releva aqui salientar que, não se tratando de caso especialmente previsto pelo art. 755º do CC, o direito de retenção do empreiteiro sobre a obra exige que o direito de crédito a que se arroga sobre o dono da obra resulte de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados – o requisito geral do debitum com re coniuntum. Como é referido por Pires de Lima e Antunes Varela[54], o crédito do empreiteiro tem por objeto o preço da empreitada. Mas, contrariamente ao defendido por estes autores, a doutrina[55] e jurisprudência maioritárias integra e reconhece o preço da empreitada nas ‘despesas feitas por causa da coisa’, reconhecendo ao empreiteiro o direito de reter a obra enquanto não lhe for pago o preço que por ela lhe é devido, reconhecendo neste o requisito do debitum com re coniuntum. Nas palavras de Calvão da Silva[56], “o preço resulta de despesas feitas com a realização da obra, obra que não é mais do que o produto final da incorporação (de materiais, trabalhos e serviços) feita pelo empreiteiro. (…). O próprio lucro que se sabe em regra existir embora não se possa saber o quantum, não deixa de ter a sua causa na coisa e nas despesas com ela feitas. Concluindo que “Não há razões válidas para não reconhecer o direito de retenção ao empreiteiro, enquanto o dono da obra não pagar o preço da empreitada, visto que o seu crédito resulta de despesas feitas por causa dela.
É neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de reconhecimento do direito de retenção do empreiteiro para garantia do preço da obra em dívida e independentemente de esta se achar ou não concluída. Assim, acórdão de 29.01.2014 que, conforme sumariado, concluiu que “1. O empreiteiro goza do direito de retenção para pagamento do preço da obra, quer esta tenha sido acabada, quer não.//(…)//3. Relativamente ao preço referido em 1, não há que deduzir o lucro por ele obtido ou a obter.” Em síntese, com os seguintes argumentos: o objetivo declarado no Decreto Lei nº 201/98 de 10.07 - de uniformização e regulação das principais questões relativas aos contratos de construção e reparação de navios tendo como referência a disciplina do contrato de empreitada -; o art. 25º daquele diploma - que prevê o direito de retenção do construtor sobre o navio para garantia dos créditos emergentes da sua construção -; mais considerando que “é muito difícil definir o que é lucro, para estes efeitos. Entre o que gastou e o que recebeu pode haver uma diferença, mas no vulgar foram utilizadas e desgastadas máquinas previamente existentes, foram realizados contratos de trabalho necessários e vinculantes para futuro de acordo com as leis laborais, etc.//Finalmente, importa sempre ter em conta a razão de ser garantística da figura do direito de retenção. Visando tutelar o interesse do credor, em ordem a compelir o devedor ao cumprimento e, concomitantemente, a considerar o crédito como privilegiado, ficaria sem se compreender que deste se excluísse o motor que, não obstante as ressalvas supra referidas, está na base da celebração dos contratos de empreitada. Não vemos razão para se distinguir, acolhendo-se, assim, o entendimento de Calvão da Silva (ob. citada, 33) e Pestana de Vasconcelos (ob. citada, 364).
Ora, o crédito reconhecido à credora E... não cumpre na sua totalidade a conexão material legalmente exigida pelo art. 754º do CC - que não se confunde com a eventual existência de conexão jurídica - entre o crédito e a coisa. Com efeito, para além de ter como fundamento cláusula penal – que, como se referiu, corresponde a indemnização à forfait para o incumprimento das obrigações das partes -, o montante por ela fixado abrange as consequências do incumprimento do contrato de empreitada e do contrato de cessão ou de promessa de cessão de exploração do parque de estacionamento por aquele a construir, sendo certo que só por consideração ao volume de negócios por este projetado se concluiu que a mesma não surge manifestamente excessiva. O que vale por dizer que, não estando em causa um qualquer dano causado pelo imóvel, o crédito reconhecido à impugnante E... só parcialmente corresponde a preço dos trabalhos da empreitada que foram executados no imóvel e aos quais reportam a fatura vencida emitida no valor de €74.467,17. A fatura de €14.611,47, emitida na mesma data daquela, reporta a adiantamento do valor da empreitada, não resultando do alegado na impugnação se a empreiteira realizou ou não trabalhos correspondentes a esse valor para além dos considerados na outra fatura, pelo que não é possível estabelecer a sua conexão com o imóvel a título de despesas ou preço de trabalhos realizados na obra. Assim, só o crédito correspondente ao valor da fatura de €74.467,17 cumpre o requisito da conexão com o imóvel - ainda que não venha expressa e parcelarmente peticionado a título de preço em dívida emergente da execução da empreitada, tem-se por incluído no montante da cláusula penal na medida em que esta ‘consome’ a obrigação principal incumprida que, por isso, não pode ser cumulada com o pagamento da cláusula penal. Nas palavras de Galvão Telles, “o empreiteiro tem direito de retenção, ainda que nada chegue a construir, desde que faça despesas, como as resultantes, por exemplo, da instalação de estaleiro e movimentação de terras, porque tais despesas são feitas por causa da coisa.”[57]
Com o que se conclui pelo reconhecimento do direito de retenção em benefício da impugnante E..., limitado ao valor de €74.467,17, acrescido dos juros vencidos no montante de €15.739,60 (proporcional ao a esse título reconhecido para o capital de €1.500.000,00), por só este cumprir o requisito da conexão material com o imóvel sobre o qual aquele direito vem reclamado.
B. Do recurso da credora A., SL – crédito da Autoridade Tributária (AT)
A recorrente imputa à decisão de verificação do crédito da AT o vício da omissão de pronúncia por falta de “apuração da sua natureza, respetivo montante, data de constituição, e no caso de respeitar a créditos de IMI, e o que são créditos garantidos, privilégios ou comuns.” Alega que da sentença recorrida constam unicamente os valores que na lista do AI constam reconhecidos como crédito (€35.034,11), crédito privilegiado (€36.775,73) e crédito comum (€351.109,29), que os autos não dispõem dos elementos de facto que permitissem ao Tribunal a quo proceder à verificação e graduação dos créditos nos termos em que o fez, que aferir dos privilégios de que goza cada um dos créditos reclamados e que se mantêm ou extinguem com a declaração de insolvência impunha a consideração da data de início do processo de insolvência, o apuramento da data de constituição de cada um dos créditos e, tratando-se de créditos por IMI, a identificação do imóvel a que respeitam e, para o efeito, a junção aos autos da reclamação apresentada pelo MP e certidão fiscal comprovativa dos montantes reclamados, com a discriminação dos valores reclamados a título de IMI, IRS, IRC, IVA, IS e coimas.
O Ministério Publico respondeu ao recurso pugnando pela ausência da nulidade arguida, alegando que face à inexistência de impugnação e de erros manifestos na reclamação de créditos da AT impunha-se a sua homologação e graduação em conformidade nos termos dos arts. 130º, nº 3, 131º e 136º, nº 4 do CIRE. Mais alegou que o AI juntou cópia da reclamação de créditos e da certidão tributária de dívidas, que desta constam a indicação dos períodos de constituição ou de vencimento dos impostos e respetiva discriminação e a descrição do prédio urbano sobre o qual recaiu o tributo de IMI, pelo que o tribunal estava na posse dos elementos quanto aos valores, natureza, discriminação de impostos e privilégios destes sobre os bens imóveis apreendidos e valores que integram a massa.
Apreciando, remete-se de novo para as especificidades acima assinaladas à tramitação da verificação e graduação de créditos por apenso a processo de insolvência, das quais a recorrente faz tábua rasa. Releva desde logo o facto de o ato processual que instaura o apenso de verificação e graduação de créditos corresponder à lista de créditos reconhecidos devida elaborar e apresentar pelo AI. Lista que, traçando um paralelismo com as peças processuais que integram o processo declarativo comum, equivalerá à petição inicial pois, conforme se prevê nos arts. 128º e 129º do CIRE, as reclamações de créditos são (imperativamente) endereçadas ao AI para que, em substituição dos requerimentos de reclamação de créditos apresentadas pelos credores, do apenso respeitante à verificação e graduação de créditos conste apenas a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos. Tanto não prejudica o ónus que sobre cada interessado recai, de impugnar os fundamentos dos créditos reconhecidos alegados e eventualmente documentados nas respetivas reclamações de créditos que, conforme prevê o art. 133º, ficam disponíveis para consulta e exame pelos interessados durante o prazo para as impugnações e respostas. Na ausência de impugnações, conforme prevê o art. 130º, nº 3 (…) é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista. Desta norma resulta que a lista de créditos reconhecidos elaborada pelo AI é legalmente destinada a integrar decisão judicial através de sentença homologatória que sobre a mesma incide e que, por consubstanciar um ato de confirmação, dispensa o apuramento dos factos e a aplicação do direito subjacentes ao reconhecimento de cada crédito nela inscrito.
Só assim não será se a lista for objeto de impugnação, que ao tribunal cabe ponderar e apreciar nos termos acima referidos (art. 131º, nº 3), e/ou se for objeto de apreciação oficiosa de erro manifesto da lista nos termos já referidos do art. 130º, nº 3 do CIRE. Com efeito, dispõe esta norma que na ausência de impugnações, e salvo caso de erro manifesto, o juiz limita-se à homologação da lista de créditos elaborada pelo AI, e à subsequente graduação de créditos de acordo com o direito aplicável aos termos que naquela constam descritos. Repisa-se que o erro passível de ser sindicado nos termos dos arts. 130º, nº 3 e 131º, nº 3 tem como objeto inconsistências factuais ou jurídicas manifestadas pelos próprios termos da lista ou no confronto com o documentado ou processado nos autos (em sentido lato), no que se incluem erros de facto ou de direito, omissões ou deficiências detetadas na lista face às menções que deveria conter e não contém, designadamente, na indicação de elementos imprescindíveis à subsequente graduação dos créditos de acordo com a lei material aplicável.
Tal como sucede com o âmbito da cominação reconhecido à ausência de resposta à impugnação, o erro manifesto ressalvado pelo art. 130º, nº 3 não abrange o apuramento da correspondência dos pressupostos dos créditos reconhecidos com a realidade, que cabe a cada interessado impugnar. Nas palavras de Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões[58]: “Parece-nos que esta regra limita intencionalmente os poderes do juiz, excepcionando a regra geral constante do artigo 11º, relativa ao princípio do inquisitório. Aqui, devem ser os credores a ter um papel ativo na decisão de impugnar ou não impugnar as listas. Se os credores nada fizerem, conhecendo a decisão do administrador da insolvência, aceitam-na tacitamente, nos termos do nº3, entendendo-se que não cabe ao juiz a sua avaliação. O “erro manifesto” será apenas objeto de análise tendo em conta os elementos disponibilizados e outros que o juiz eventualmente solicite, se suspeitar que existe algum engano por parte do administrador da insolvência. Parece-nos fazer sentido o conhecimento pelo juiz do erro “manifesto”, próximo do facto notório, o que não significa que deva solicitar ao administrador da insolvência todos os documentos disponíveis, com vista à sua análise.
Revertendo ao caso constata-se que a totalidade do crédito reconhecido pelo AI à AT foi objeto de reclamação pelo Ministério Público instruída com certidão de dívida fiscal, pelo que estava na disponibilidade da recorrente sindicar a legalidade dos seus fundamentos, inclusive por referência aos elementos naquela inscritos e, caso assim o entendesse, impugnar a lista com fundamento em indevido reconhecimento dos montantes e/ou da respetiva qualificação, impugnação que não tem o seu lugar próprio em sede de recurso, no qual, de resto, a recorrente sequer ensaia concretizar os créditos da AT ou privilégios que foram e não deveriam ter sido reconhecidos/verificados. 
Na ausência de oportuna impugnação, à homologação do crédito da AT tal qual como consta da lista só poderia obstar a existência de erro manifesto que, novamente, a recorrente não concretiza mas que, em prejuízo dos demais credores – únicos erros que o recurso da A., SL permite sindicar, apreciar e solucionar[59] – apenas se vislumbra na qualificação jurídica do crédito a título de IVA como crédito com privilégio imobiliário geral, que se apresenta desconforme ao direito aplicável. Com efeito, conforme consta da sub-lista Créditos que gozam de garantias e/ou privilégios, o AI reconheceu como crédito fiscal com privilégio imobiliário geral o montante total de €36.775,73, no qual incluiu créditos reclamados a título de IRC, IS e IVA. Conforme consta da reclamação de créditos do MP, o crédito a título de IVA reclamado como privilegiado – portanto, cfr. art. 97º do CIRE, constituído nos 12 meses anteriores ao início do processo de insolvência - corresponde ao montante total de €389,36, sendo €363,75 a título de capital e €25,61 de juros. Sucede que o IVA (imposto de valor acrescentado) destina-se a tributar atos de consumo, pelo que constitui imposto indireto que, como tal, goza apenas de privilégio mobiliário geral nos termos do art. 736º, 1 do Cód. Civil. Lapso que a sentença recorrida corrigiu em sede de graduação de créditos posto que, tendo julgado verificado crédito privilegiado da AT no montante de €36.775,73, pelo produto do imóvel apenas graduou - em 4º lugar - o montante de €36.382,24 (referente a IRC e IS).
Termos em que conclui pela ausência de vícios formais, de estrutura, ou de direito na decisão de verificação e de graduação do crédito da AT, a impor a improcedência da nulidade arguida.
C. Do recurso da credora E...:
A recorrente arguiu a nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia. Alega que o tribunal não apreciou nem lhe reconheceu o crédito a titulo de juros ‘que se vencerem até efetivo e integral pagamento” que alega ter reclamado na reclamação de créditos inicial para além do crédito de €1.817.044,50 verificado pela sentença reconhecida.
Apreciando a nulidade arguida o tribunal recorrido concluiu pela não verificação da nulidade arguida, aduzindo em fundamento que “o pedido submetido à apreciação do Tribunal deve se claro e preciso e o pedido deduzido pela impugnante através da impugnação apresentado nos autos foi somente no sentido do reconhecimento do crédito no valor total de €1.817.044,50, e não outro.”
Apreciação cujo acerto desde já se confirma.
Efetivamente, do dispositivo da impugnação que a recorrente opôs à exclusão do seu crédito da lista dos créditos reconhecidos consta, ipsis verbis, Termos em que (…) deverá a presente impugnação ser julgada procedente, e consequentemente, ser reconhecido e graduado como garantido por este Tribunal, nos termos ora impugnados, o crédito da impugnante sobre a insolvente no valor de €1.817.044,50 (um milhão, oitocentos e dezassete mil e quarenta e quatro euros, e cinquenta cêntimos).” Em consonância, de resto, com o articulado na impugnação, no âmbito da qual a credora alegou que “Ao montante contabilizado a título de capital, €1.500.000,00 (…euros), acrescem os correspondentes juros de mora vencidos, calculados à taxa comercial desde a data de trânsito em julgado da referida ação até à data da reclamação de créditos em crise, os quais, a essa altura, se contabilizavam em €317.044,50 (… cêntimos).” (art. 17º da impugnação).
Como é também referido naquele despacho, o facto de a impugnante ter reclamado juros vencidos no valor de €317.044,50 - que lhe foram reconhecidos e no cômputo dos quais o crédito reconhecido perfaz o montante total de €1.817.044,50, assim discriminado na lista de créditos do AI -  não pode ser interpretado como pedido de pagamento de juros vincendos por tratar-se este de direito livremente renunciável. Com efeito, tratando-se de direito disponível, delimitada a tutela que a recorrente requereu em juízo ao crédito a título de capital e juros vencidos, estava vedado ao tribunal julgar para além dos créditos peticionados e reconhecer crédito a título de juros vincendos, caso em que, aí sim, incorreria em nulidade, mas na prevista pela al. e) do nº 1 do art. 615º do CPC, que tem subjacente a consagração do princípio do pedido previsto no art. 3º, nº 1 do CPC e a violação do art. 609º, nº 1 do CPC, e que se verifica quando o tribunal conhece para além ou em objeto diverso do pedido, que as partes interessadas não submeteram à sua decisão, e concluiu por providência diferente ou além do solicitado.
Sem prejuízo, acresce relembrar que os requerimentos de reclamação de créditos são dirigidos ao AI, que o apenso de verificação e graduação de créditos da insolvência inicia com a lista de créditos por este elaborado, e que, como se referiu, dispensa – mais rigorosamente, proíbe – a junção aos autos dos requerimentos de reclamação de créditos, exceto se estes forem objeto de impugnação. Nesse caso, constitui ónus do impugnante juntar aos autos o requerimento pelo qual foi reclamado o crédito objeto da impugnação, ónus que a recorrente não cumpriu, sendo que os termos da impugnação também não a revelavam como necessária na medida em que ali alegou os fundamentos de facto e de direito em que suportou o crédito que por ela pretendia ver reconhecido. Porém, ainda que a recorrente tivesse cumprido a junção aos autos do requerimento de reclamação de créditos que endereçou ao AI e nele constasse peticionado o reconhecimento de crédito a título de juros vincendos, ainda assim o tribunal estava limitado pelo pedido que deduziu na impugnação à lista, de verificação de crédito a título de capital e juros vencidos no montante total que lhe foi reconhecido.
Termos em que se conclui pela improcedência da nulidade arguida.
VI – Das custas e da taxa de justiça devida
As custas da apelação da recorrente E…, porque integralmente vencida, são a cargo desta, considerando como valor tributário o valor da pretensão que aqui pretendeu fazer valer, correspondente ao montante dos juros legais a calcular sobre €1.500.000,00 desde o termo do prazo para reclamação de créditos até à presente data (cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
As custas das apelações das recorrentes A., SL e P…Investimentos, porque parcialmente vencidas e porque foram objeto de resposta pela recorrida E..., são a cargo das três na proporção de 30% para a primeira, 20% para a segunda, e 50% para a terceira, e considerando como valor tributário o valor total do crédito reconhecido a esta ultima.
Considerando os critérios previstos pelos arts. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais e 530º, nº7 do CPC, importa considerar que a decisão que deu origem ao presente recurso corresponde a sentença de verificação e graduação de créditos proferida por apenso a processo de insolvência sem que tenha sido precedida de audiência de julgamento, e que, no essencial, as questões suscitadas pelas apelantes A., SL e P…Investimentos reportam ao crédito de uma só credora e com fundamentos que se apresentam parcialmente coincidentes, revelando-se de simplicidade o que foi dirigido à decisão de verificação do crédito da AT e o que foi deduzido pela apelante E....
Nesse contexto, justifica-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que alude o art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.

VII – Decisão
Em face de todo o exposto, acordam os juízes desta secção em:
1. Julgar a apelação da recorrente E... e a nulidade por ela arguida improcedentes.
2. Julgar as apelações das recorrentes A., SL e P…Invesimentos parcialmente procedentes, com consequente revogação dos seguintes segmentos da sentença recorrida (a sublinhado):
a) julgar a impugnação deduzida pela E..., Lda. totalmente procedente;
b) reconhecer sobre a insolvente Sociedade…Imobiliária, Lda., pessoa coletiva n.° 50… os seguintes créditos:
- E..., Lda., no montante de € 1.817,044,50, crédito garantido por direito de retenção;
*
b) graduar os créditos reconhecidos para serem pagos
- sobre o produto do prédio urbano, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº… e inscrito na matriz urbana sob o artigo…, da seguinte forma:
2. Em segundo lugar, o crédito reconhecido ao credor E…, Lda., no montante de € 1.817,044,50 crédito garantido por direito de retenção;
Que se substituem por outros com o seguinte teor:
a) julgar a impugnação deduzida pela E..., Lda. parcialmente procedente;
b) reconhecer sobre a insolvente Sociedade… Imobiliária, Lda., pessoa coletiva n.° 50…, os seguintes créditos:
- E..., Lda., no montante de € 1.817,044,50, do qual €90.206,77 (noventa mil, duzentos e seis euros e setenta e sete cêntimos) crédito garantido por direito de retenção, e o demais comum;
*
b) graduar os créditos reconhecidos para serem pagos
- sobre o produto do prédio urbano, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n°… e inscrito na matriz urbana sob o artigo..., da seguinte forma:
2. Em segundo lugar, o crédito reconhecido ao credor É…, Lda., no montante de €90.206,77 crédito garantido por direito de retenção;
Custas das apelações das recorrentes A., SL e P…Investimentos a cargo destas e da recorrida E... na proporção de 30% para a primeira, 20% para a segunda, e 50% para a terceira, considerando como valor tributário o valor total do crédito reconhecido a esta ultima, mas com dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente a que alude o art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Judiciais.
Custas da apelação da recorrente E… a cargo da mesma, considerando como valor tributário o correspondente ao montante dos juros legais a calcular sobre €1.500.000,00 desde o termo do prazo para reclamação de créditos até à presente data, mas, se for o caso, com dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente a que alude o art. 6º, nº 7 do RCP.

Lisboa, 19.03.2024
Amélia Sofia Rebelo
Nuno Teixeira
Pedro Henrique Brighton
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[1] Diploma a que pertencem todos as normas aqui indicadas sem outra menção.
[2] Da sentença recorrida consta 'crédito comum’, mas resulta tratar-se de manifesto lapso de escrita que aqui se corrigiu, atendendo a que na lista de créditos e no dispositivo da sentença este crédito consta reconhecido/verificado como crédito subordinado.
[3]  Vd., entre outros, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Ed., 2ª ed., p. 684 e ss.
[4] Factos instrumentais, factos complementares e/ou concretizadores de factos essenciais alegados pelas partes, e factos notórios e outros do conhecimento oficioso do tribunal.
[5] Processo nº 1480/18.3T8LSB-A.L1.S1, disponível na página DireitoemDia.pt
[6] Sobre a matéria vd. Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado – Algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/11/20181126-ARTIGO-JULGAR-Exce%C3%A7%C3%A3o-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto.pdf
[7] Na jurisprudência, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 12.07.2011 e da RC de 11.06.2019
[8] Rui Pinto ,texto cit., p. 30.
[9] Rui Pinto, p. 31
[10] Rui Pinto, p. 32.
[11] Entre muitos outros, acórdãos do STJ de 22.11.2018 e da RL de 10.10.2019
[12] Sobre a questão, vd. Rui Pinto, “Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução”, disponível em https://forumprocessual.weebly.com/uploads/2/8/8/7/2887461/valor_extraprocessual_rui_pinto.pdf.
[13] No mesmo sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 08.11.2018, proc. nº 478/08.4TBASL.E1.S1, e de 11.05.2022, proc. nº 60/08.6TBADV.2.E1.S1, disponíveis em jurisprudência.pt.
[14] Nos termos do qual, Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 355.º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.
[15] Alegações contidas nas conclusões 23 a 32 e 48 a 50, que correspondem a transcrição ipsis verbsi de segmentos dos acórdãos desta secção de 11.12.2019 e de 24.11.2020, relatados pela ora relatora, mas que se surpreendem integradas nas alegações da recorrente sem a devida aposição de aspas ou menção à origem e, já agora, sem a preocupação de adaptação ao presente caso - veja-se na conclusão 23 o segmento “opção pela verificação do crédito do credor impugnante pelo maior valor por este peticionado” extraído do acórdão de 24.11.2020, no qual foi apreciada questão daquela natureza, mas que aqui não se coloca.
[16] Consigna-se que vamos seguir de perto os acórdãos desta secção de 11.12.2019 e de 24.11.2020 aludidos na nota 16.
[17] Questão que é pacificamente adquirida posto que não suscita qualquer discussão na jurisprudência e na doutrina, conforme, por todos, Maria Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, Almedina, 7ª ed., p. 277.
[18] Não obstante a sentença recorrida tenha desvalorizado a resposta à impugnação apresentada pelo AI, como já se referiu, não fundamentou a verificação do crédito objeto da impugnação no efeito cominatório previsto pelo art. 131º, nº 3 mas sim no caso julgado material da sentença proferida na ação que a impugnante instaurou contra a devedora e, cumulativamente, nos factos que na mesma foram julgados provados
[19] Nesse sentido, acórdãos da Relação de Guimarães de 28.11.2019, da Relação do Porto de 27.01.2020, e do Supremo Tribunal de Justiça de 23.10.2018, 12.11.2019 e 05.12.2019, todos citados por acórdão desta Relação e secção de 27.10.2020, relatado por Fátima Reis Silva no processo nº 582/11.1TYLSB-E.L1 e subscrito como adjunta pela aqui relatora, mas do qual se desconhece publicação.
[20] Vd, entre muitos outros, acórdão do STJ de 17.04.2018, proc. nº 4247/11.6TBBRG-B.G1-A.S2, disponível para consulta na página ECLI.
[21] Lições de Direito da Insolvência, p. 269, ponto 60.2
[22] O Concurso de Credores, 4ª edição, 2009, p. 338.
[23] A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, ob. cit., p. 672.
[24] Ob. cit., p. 742.
[25] Ob. cit., p. 726.
[26] Dos arts. 27º e 28º da resposta à impugnação consta que “(…) a ora Impugnante não coloca em causa os argumentos constantes do relatório a que alude o artigo 155º do CIRE e a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, elaborada nos termos do artigo 129º do mesmo CIRE.” e “Nada alegando, em concreto, que contrarie os factos e os pressupostos em que assentou o não reconhecimento do crédito que reclamara
[27] Acórdão da RL de 27.10.2020 já citado, e acórdão da RP de 28.03.2012 para que remete, este disponível na página na dgsi.
[28] Direito Processual Civil Declaratório, vol. III p. 351 e 352.
[29] Manual de Processo Civil, p. 456 e s.
[30] Estabelece que 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
[31] Estabelece que 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;”
[32] Considerando que foram rejeitados os apresentados com os requerimentos de 15.02.2018 11.03.2019 e subsequentes, com exceção do de 02.04.2019
[33] Vd. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª ed., p. 333-334, e 348.
[34] Presume-se que para prestação de serviços de recolha e/ou parqueamento de veículos automóveis, mas que ao caso não releva.
[35] Veja-se o teor das cláusulas 4.1. e 7.1 dos contratos
[36] Sobre a matéria, Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Coleção Teses, 1995, Almedina, pp. 215 e ss.
[37] Pela similitude de casos, vd. acórdão da RC de 08.02.2011.
[38] Vd. Antunes Varela, Obrigações, 2ª ed. p. 104 e ss. e Galvão Telles, Obrigações, 3ª ed. p. 420
[39] Vd. Paulo Mota Pinto, “Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo”, Coimbra Editora, 2008
[40] Em Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Almedina, 4ª ed., p. 247 e ss.
[41] Com orientação distinta, no sentido de distinguir entre várias espécies de cláusulas penais consoante a finalidade visada pelas partes, Pinto Monteiro, Cláusula penal e indemnização (tese de doutoramento apresentada em Coimbra, 1990), Coleção Teses, Almedina.
[42] Ob. cit., p. 249
[43] Vd. acórdão do STJ de 19.06.2018.
[44] Ob. cit., p. 269, 273 e 275.
[45] No mesmo sentido, acórdão da RL de 27.03.2013, proc. 1040/12.2TVLSB, disponível na pág. da dgsi.
[46] Factos que além de não impugnados pelo AI foram por ele expressamente aceites, conforme se extrai do teor dos arts. 16º e 18º da resposta: “É convicção do Administrador da Insolvência que tais obras sem que fosse concedida a respectiva licença, sublinhemos foram realizadas com o objectivo de justificar a emissão de facturas de pequeno valor por parte da sociedade Videira, Félix & Rodrigues, Engenharia e Construção, S.A.”//”Assim, as facturas foram remetidas à insolvente para pagamento; como as mesmas não foram pagas, a sociedade Videira, Félix & Rodrigues, Engenharia e Construção, S.A., enviou carta à insolvente, comunicando a resolução do contrato e exigindo o pagamento das cláusulas penais deles constantes, entres as quais o pagamento de €1.500.000,00.” (subl. nosso)
[47] O Direito de Retenção do Promitente-Comprador: Algumas Reflexões, Julgar nº 34, 2018, p. 13 e ss.
[48] Vd.  de Ascensão, Direito Civil-Direitos Reais, 5ª ed., Coimbra Editora, p. 288.
[49] BMJ, 65, p.172, apud ac. da RG de 30.01.2017 (1829/16.3T8BRG.G1).
[50] A Vulnerabilidade das Garantias Reais – A Hipoteca Voluntária face ao Direito e Retenção e ao Direito de Arrendamento, Coimbra Editora, 2008, p. 242 e segs., apud ac. da RG de 30.01.2017 (1829/16.3T8BRG.G1).
[51] Sobre a prevalência, no apenso de reclamação de créditos, do direito de retenção reconhecido por sentença, ROA, Ano 2006, Ano 66, Vol. II, Set. 2006, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-ii-set-2006/doutrina/jose-lebre-de-freitas-sobre-a-prevalencia-no-apenso-de-reclamacao-de-creditos-do-direito-de-retencao-reconhecido-por-setenca/
[52] Ob. cit., p. 551.
[53] Nesse sentido, entre outros, acórdão do STJ de 16.05.2019 (proc. nº 61/11.7TBAVV-B.G1.S1), da RL de 11.05.2018 (1159/11.7TYLSB-B.L1), ambos disponíveis na pág. da dgsi, da RG de 07.12.2016 e acórdãos desta Relação e secção de 30.05.2023 (proc. nº 1024/13.3) e de 06.12.2022 (proc. nº388/12.0TYLSB-D.L1), este ultimo com ampla citação de autores e jurisprudência, ambos relatados por Fátima Reis Silva e subscritos pela aqui relatora como adjunta, mas cuja publicação se desconhece.
[54] Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed. revista e atualizada, p. 799.
[55] Para além dos que aqui se citam, Meneses Leitão, Garantia das Obrigações, Almedina, 2016, e Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Almedina, 2001.
[56] Ob. cit., p. 34.
[57] O Direito de Retenção no Contrato de Empreitada, em O Direito, anos 106º-109º, p. 25 e 26.
[58] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, 2013, p. 389.
[59] Tendo em consideração que os privilégios creditórios previstos pelo art. 47º do Código do Imposto de Selo, de natureza mobiliária ou imobiliária, são sempre especiais, consigna-se que o erro na qualificação dos créditos da AT em prejuízo do próprio credor só poderia ser sindicado e corrigido nesta instância no âmbito de recurso que da decisão fosse por ele interposto.